Francisco Murteira Nabo
A impressionante quantidade de chapéus que Murteira Nabo tem em armazém, aos 70 anos, lembra aqueles malabaristas que conseguem manter uma meia dúzia de bolas a circular no ar, sem as deixarem nunca cair ao chão.
Presidente da Galp e bastonário da Ordem dos Economistas, tem ainda uma costela de empresário, sendo que uma das empresas de que é sócio e gestor vai abrir, em Setembro, um hospital do cancro em Évora, a cidade onde ele nasceu.
Tinha passado a manhã na RDP África, com o chapéu de líder do movimento Elo, investido pela CPLP da tarefa de dar à luz uma confederação empresarial de toda a lusofonia, o que o levou a desabafar que está a tentar a quadratura do circulo: “Nós, portugueses, somos muito bons a definir as coisas que devem ser feitas, mas péssimos a executá-las”.
Escolheu o Aviz, celebrizado por ser a cantina de Calouste Gulbenkian e um restaurante que vai na sua quinta encarnação – deitou âncora na Duque de Palmela, sob o comando da Fundação Oriente (de que Murteira Nabo é curador), após ter largado do lugar onde está agora o Sheraton Lisboa e ter andado à deriva pelo Chiado, Amoreiras e Monte Estoril.
Apesar de ter estado preso num engarrafamento na avenida da República – onde foi feliz durante os sete anos em que presidiu à PT -, chegou à hora marcada, sem gravata e uma constipação que o arrelia há 15 dias, ao almoço em que, no essencial, usou o chapéu de presidente do Eco, um movimento de cidadania constituído por três dezenas das maiores empresas portuguesas, para ajudar a combater a praga dos fogos florestais.
Aviz, Ritz e Tivoli são os seus poisos habituais de almoço, mesmo durante o Verão, quando fixa residência na sua casa na Praia Grande, em Sintra.
Pediu um Porto e logo avisou que come pouco (só se deixou que lhe servissem uma vez o risotto de cogumelos) e tem cuidado com a alimentação (o que demonstrou ao afastar a tentação do linguado mal soube que ele era frito) – e fez questão de se assegurar que a vichyssoise não vinha muito fria (por causa da constipação).
Ainda deitou um olhar guloso ao Abade Priscos, antes de encomendar o bolo de maçã com que sobremesou uma refeição regada por um Stanley tinto, das Terras do Sado, produzido pela fundação do homónimo magnata chinês (de que ele é curador).
“Pode parecer uma blague, uma banalidade, mas sinto que nasci para melhorar o mundo, para deixá-lo melhor do que encontrei quando cheguei. Gosto de participar, ser solidário e dar o que posso. Sou assim” – foi esta a explicação fornecida para ter tantos chapéus. “Não gosto da dispersão, mas não consigo evitá-la”, acrescenta.
Murteira Nabo diz que herdou do pai, comerciante alentejano de vinhos e cereais, o espírito de cidadania e a irrequietude que tem tatuadas no carácter e fez com que ele fosse escolhido para chefe de turma, dirigente associativa de Económicas e capitão da equipa de juniores do Lusitano de Évora, campeã regional na época 56/57, onde ele se distinguiu como defesa central, ao ponto de despertar a cobiça dos olheiros do Benfica, Sporting e e Belenenses.
“Como sou barato, não levo nada, convidam-me para tudo e eu sou incapaz de dizer que não a um amigo”, conta Murteira Nabo, que apenas recebe na Galp (que acumula com a reforma da PT).
Foi incapaz de dizer não quando, no rescaldo do terrível Verão de 2005, em que ardeu 10% da nossa floresta, o amigo António Costa, então ministro da Administração Interna, lhe pediu que liderasse um movimento de empresas que ajudasse na prevenção dos fogos.
Murteira Nabo convenceu duas dezenas de empresas a porem logística e equipamentos à disposição da causa de fazer passar a mensagem de três coisas proibidas na floresta: deitar cigarros para o chão, fazer fogueiras e lançar foguetes.
“97% dos incêndios são causadas pelo homem. A maioria das ignições são involuntárias, derivam de comportamentos negligentes”, justifica. Os perigos de cigarros, fogueiras e foguetes foram repetidos nos pacotes de açúcar da Delta, nos sacos dos supermercados, nos postos da Galp, nos carimbos dos CTT, etc, Logo no primeiro ano, o movimento Eco contabilizou 60 milhões de contactos, numa campanha que a ser paga custaria sete milhões de euros.
Nos últimos três anos tem ardido cada vez menos, o que atribuiu ao efeito conjugado de condições metereológicas favoráveis (Verões mais húmidos), a franca melhoria dos mecanismos de prevenção e combate, e, também, do êxito da campanha do seu movimento. Em 2006, apenas 30% dos cidadãos achavam que deviam ser responsáveis pela prevenção dos incêndios florestais. Em 2008, essa percentagem tinha subido para 44%. “A mensagem está a passar”, garante.
Este ano, por causa dos incêndios de Março, a área ardida já superou a do ano passado, o que deixa Murteira Nabo apreensivo. Mas para ele o decisivo é fazer evoluir o movimento, retirando-lhe sazonalidade (“A prevenção é a chave. O fogo combate-se no Verão, mas previne-se no Inverno”) e deslocando o seu centro de gravidade do combate ao fogo para a defesa da floresta.
“Somos o país como maior cobertura florestal da Europa. Dois terços da nossa superfície são floresta, que vale 3,2% do PIB, 11% das exportações e 260 mil postos de trabalho. A floresta é estratégica para Portugal. Não podemos deixar os incêndios destruir esta nossa riqueza”, concluiu Murteira Nabo, um economista a quem a responsabilidade social “dá prazer” e que não gosta de fazer caridade, “mas ajudar a resolver problemas”.
Jorge Fiel
Esta matéria foi publicada hoje no Diário de Notícias
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Aviz
Rua Duque de Palmela 32, Lisboa
Couvert … 7,60 euros
1 Tawny Burmester … 4,00
2 Vichyssoise … 9,40
1 Bacalhau à Gomes de Sá … 16,20
1 Risotto cogumelos e tomilho … 14,50
1 Stanley tinto Terras do Sado … 18,80
1 Água Chic 1 l … 2,50
1 Água Pedras 0,75… 3,00
2 Sobremesas … 10,40
2 Cafés … 3,00
Total … 89,40 euros