Carla Soares
Não é preciso ser um Einstein para adivinhar que Carla não vai votar Sócrates. A animosidade é recíproca. Ela não seria reeleita bastonária, nas eleições do próximo sábado na Ordem dos Notários, se isso dependesse do voto do primeiro ministro.
A bastonária acha que o Governo faz a vida negra aos notários por não concordar com a sua privatização, decidida pelo anterior executivo laranja. Mas o facto de, em Abril, Carla ter enviado a todos os notários um pedido de informações sobre escrituras envolvendo Sócrates e seus familiares não ajudou nada a aliviar a tensão entre o S. Bento e a Ordem.
“Cinco notários já pediram para regressar à Função Pública, uma possibilidade que está em aberto até Fevereiro. Estou convencida de que a maioria dos meus colegas aguarda o resultado das legislativas para decidir se ficam como notários”, afirma Carla Soares, nascida há 44 anos em Lobito, Angola, que escolheu almoçarmos no Origami, um japonês da zona da Expo, onde ela mora desde 1999, quando regressou da Madeira, onde iniciou a carreira como notária, após oito anos na advocacia.
Nativa do signo Leão, auto-retrata-se como “frontal, transparente, voluntariosa, empenhada e talvez ousada”, sendo que o talvez é um toque de modéstia. Como é “naba na cozinha” gosta muito de ir a este japonês com o filho, que apesar de só ter dez anos gosta de peixe cru e considera o Origami melhor que o Aya.
A relação entre a oferta e a procura dos notários inverteu-se de forma dramática. Quando Carla tomou posse do cartório da rua da Madalena, em Lisboa, em Outubro de 2002, tinha 11 funcionários e fazia 40 escrituras/dia.
“Em pouco tempo, com os mesmos funcionários, fazíamos uma média de 300 escrituras por dia. Havia pessoas que vinham do Barreiro e traziam-nos medalhas benzidas para agradecer terem conseguido vez tão rapidamente”, diz.
O panorama mudou radicalmente, com a privatização dos notários, a duplicação das licenças (o mapa dos cartórios existente em 2005 estava em vigor desde 1960) e o Simplex.
Há cinco anos, dava-se gorjeta para marcar uma escritura. Hoje os cartórios estão às moscas. O andar que Carla comprou na av. Liberdade para instalar o seu cartório só está parcialmente ocupado. Tem oito postos de trabalho, mas só duas funcionárias – e subaproveitadas. “Muitos colegas já só têm um funcionário e, quando ele está de férias, vão atender para o balcão”, conta.
A privatização não só aumentou a oferta, mas também alargou a outros (advogados, solicitadores, câmara de comércio) a capacidade de fazer contratos que era exclusiva dos notários.
Como se isto não bastasse, a bastonária queixa-se da concorrência desleal feita pelas conservatórias públicas. Antes da privatização, os notários faziam os contratos e as conservatórias registavam-nos. Agora estão numa concorrência, que ela não considera saudável.
“Um cidadão que recorra ao Casa Pronta, paga 300 euros, sem IVA, pelo contrato e registo. Ora a mim, só o registo custa 250 euros – o dobro do preço de há um ano”, exemplifica Carla, acrescentando que desde que o Simplex se iniciou, em 2006, as receitas dos notários caíram 78,3%, (só em 2008 a quebra foi de 41,5%).
“A maneira como o Simplex foi feito está a esganar os notários e a diminuir as receitas do Estado. O Ministério da Justiça vai ter pela primeira vez de ir buscar dinheiro ao Orçamento de Estado, já que as suas receitas directas caíram no último ano 100 milhões de euros, apesar de o número de actos jurídicos ter aumentado”, acusa a bastonária.
“Os portugueses é que vão pagar essas brincadeiras da Casa Pronta e da Empresa na Hora, promovidas por um Governo que só se preocupa com o mediatismo e em fazer demagogia, sem medir as consequências do que faz”, conclui esta mulher envolvida numa guerra sem quartel com Sócrates. Um deles (pelo menos) vai perder nas eleições deste mês.
Jorge Fiel
Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias
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Alameda dos Oceanos, Ed. Lisboa, Parque das Nações, Lisboa
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