O Tullius Detritus anda à solta no PSD
Tenho muita pena dos piratas, que acabam por naufragar, mas sempre de modo diferente. É esse um dos segredos das histórias do Astérix. Estamos carecas de saber que piratas vão naufragar, que os romanos vão levar uns tabefes dos irredutíveis gauleses empanturrados em poção mágica, e que toda a aldeia (toda não, pois o bardo Assurancetourix persistirá em cantar e será amarrado e amordaçado para não o fazer) vai reunir-se à volta de uma enorme mesa a banquetear-se com javalis. A questão não é saber o que vai acontecer - mas sim como vai acontecer.
Gosto dos piratas. Tenho um carinho muito especial pelas eternas discussões entre o ferreiro Cetautomatix e o peixeiro Ordralfabetix a propósito da frescura do peixe comercializado por este último. Mas o meu personagem preferido é o romano Tullius Detritus, que desenpenha um papel central na Zaragata, o 15º dos 24 álbuns desta impagável saga (para mim não contam as histórias órfãs do fabuloso humor de Goscinny).
Tullius é um terrível intriguista que deixa um rasto verde (os balões com os diálogos têm um fundo verde para simbolizar graficamente a tensão nas discussões) de discórdia por todos os sítios em que passa, manejando com eficácia o princípio de dividir para reinar. É um hábil mentiroso, talentoso a provocar discussões, eficaz ao ponto de pôr em fúria o mais calmo dos mortais. Atirado para a arena do circo, como castigo para a sua traição, escapa indemne, após ter posto os leões a comerem-se uns aos outros.
Lembrei-me do Tullius a propósito do PSD. Quando leio o Alberto João dizer “Eu não vou concorrer a um partido que não me grama, no qual, infelizmente, eu estou lá dentro” ou ouço o Marcelo prever que “o próximo líder não vai durar mais de dois anos” fico com a certeza absoluta de que o Tullius anda pelo PSD a fazer desgraça.
O PSD teve a fama de ser o mais português de todos os partidos e tem o proveito de ser o mais partido de todos. Ao longo dos 36 anos de democracia, conheceu 16 lideres, enquanto que o PS, o seu principal concorrente governou-se com apenas seis (Soares, Constâncio, Sampaio, Guterres, Ferro e Sócrates). Até agora, em média, cada um dos 16 líderes aguentaram-se 27 meses à bronca, em linha com a previsão de Marcelo, mas esta média é muito deformada pelos dez anos do pontificado cavaquista.
Olha-se para o PSD nas vésperas de eleições de novo líder e fica-se com aquela sensação de dejà vu, de estarmos perante o enredo das aventuras de Astérix em que sabemos de antemão o que vai acontecer – só não sabemos como. Com um única diferença. Nos gauleses, a história tem um fim feliz. Nos laranjinhas, acaba irremediavelmente com todos aos tabefes.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias