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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Silva Peneda

Silva Peneda, 59 anos, economista, é o presidente do Comité Económico-Social, a linha mais recente de um curriculum gordo, onde avultam nove anos como ministro dos Governos Cavaco, oito como gestor de topo da Sonae, cinco como eurodeputado e dois como presidente da CCRN. Na juventude, por três vezes foi campeão nacional de voleibol, numa carreira de onze anos como desportista, em que representou CDUP, FC Porto e Académica de São Mamede, onde aprendeu que sem esforço e sacrifício pouco ou nada se consegue na vida

 

 

Podia ter ido para o hóquei em patins. Tinha apenas dois anos quando o Mundial se realizou no novo Palácio de Cristal, mas quando ele andava escola ainda se ouviam os ecos da vitória de Portugal. Uma das maiores alegrias da sua meninice, foi quando o pai, Albino Sousa Peneda, proprietário de uma oficina de serralharia em S. Mamede de Infesta, lhe ofereceu um stick “daqueles mesmo a sério”.

“Desde que visse uma bola a saltar, ficava logo entusiasmado”, resume José Silva Peneda, 59 anos, que abre com três títulos consecutivos de campeão nacional de voleibol pelo FC Porto (um como juvenil e dois como júnior) um longo curriculum onde figuram, entre outras coisas, três passagens pelo Governo como secretário de Estado, nove anos como ministro do Emprego e Segurança Social de Cavaco Silva, a presidência da CCRN, cinco anos como eurodeputado e oito como gestor de topo do grupo Sonae, a que acaba de acrescentar mais uma linha: a de presidente do Comité Económico Social.

Tudo começou no D. Manuel II, onde foi contemporâneo de Artur Jorge, que já brilhava nos juniores do FC Porto. Estudava qb e jogava tudo quanto pudesse e lhe aparecesse pela frente, desde o hóquei até ao futebol, passando pelo basquetebol, andebol e voleibol. “Tinha jeito para tudo”, diz. Como era espigado (mede 1m80) reconhece que podia ter ido para o basquete. Mas quis o acaso que se fixasse no voleibol, a única modalidade que praticou como federado.

Debutou aos 14 anos, nos juvenis do CDUP, onde apenas se demorou um época pois o seu talento não escapou ao olho atento do professor Manuel Puga (pai de Nelson, médico do FC Porto e antigo andebolista do clube) que dava aulas no Liceu Alexandre Herculano e era treinador do voleibol portista.

1966/67, 1967/68 e 1968/69 foram épocas de sonho em que, com a camisola azul e branca, foi campeão nacional. Foram anos ricos em acontecimentos. Além dos títulos, entrou para a Faculdade de Economia e começou a namorar com a sua mulher Maria Fernanda (filha de Fernando Moreira de Sá, vencedor da Volta a Portugal em 1952 e velha glória portista)  que conhecera na praia de Matosinhos - “um namoro de praia que não ficou enterrado na areia”.

António Borges foi seu colega de equipa nas duas primeiras épocas, mas passou a adversário na terceira, pois como foi estudar para Lisboa passou a representar o Benfica. “Na minha última época como júnior tínhamos uma equipa excepcional. Éramos  todos universitários e ganhamos todos os jogos por 3-0. Fomos campeões sem perder um único set sequer”, recorda Silva Peneda que tem encaixilhadas no quarto que reconverteu em ginásio da sua casa (um apartamento num 13º piso no centro da Maia) as três cartas de agradecimento, assinadas por Afonso Pinto Magalhães, que à época a direcção portista enviava a todos os atletas que se sagravam campeões nacionais.

“O professor Manuel Puga era uma pessoa notável que sabia incutir no jogo a inteligência e outros valores, que não apenas a força e a técnica. Tinha muito orgulho em nós”, recorda Peneda, que jogava no meio do trio da frente. “Batia bem, atacava e fazia bloco. Como fazia o meio era o que mais saltava e estava em jogo”, conta o economista.

Promovido a sénior, mudou-se para a equipa da sua terra – onde também morava Fernando Teixeira dos Santos, actual ministro das Finanças, que era seu colega na Faculdade de Economia. Foi poderosa a razão que o levou a para a  Associação Académica de São Mamede: “Eu tinha 18 anos e queria jogar. E ia não ia arranjar um lugar na equipa titular do Porto, que tinha jogadores como o Monterroso, o Álvaro Martins e retirara ao Técnico e ao Espinho a hegemonia na modalidade”.

As coisas começaram logo a correr bem. Logo na primeira época, foi campeão nacional da II Divisão. E nas seis épocas seguintes, esteve ligado ao boom da Académica, contribuindo, ao lado de gente como Arlindo Quelhas, Costa Pereira, Leão, Bernardo, Tito Conrado, entre outros, para que o clube de São Mamede se tornasse um player importante e respeitado no voleibol português.

Das sete épocas em que jogou na Académica destaca aquela em que se classificaram em 3º  lugar, atrás do FC Porto e Leixões, com sete derrotas estúpidas em jogos em que estiveram sempre a ganhar por 2-0 e acabaram por perder por 3-2.

A paixão pelo voleibol era enorme. Lembra-se de ter ficado aborrecido quando, em 1974, Maria Fernanda lhe anunciou que Marta, a mais velha das suas duas filhas (Sara, a mais nova, é de 77) ia nascer precisamente no fim de semana em que Académica ia à Luz jogar contar o Benfica - um dos jogos daquele jogos que perderam por 3-2 depois de terem estado a ganhar por 2-0. “Fiquei chateado, porque queria jogar, o que acabei por conseguir porque a minha mulher ainda aguentou mais três dias com a Marta na barriga”, graceja.

A paixão era enorme mas o tempo escasseava à medida que assumia cada vez mais responsabilidades. Como o voleibol era 100% amador (“ainda pagávamos para jogar”) enquanto estudante arranjou um emprego como calculador, fazendo contas e trabalhando estatísticas na Comissão de Planeamento da Região Norte, que daria lugar à CCRN e tinha sede na Praça Velasquez,  por cima da Primazia.

“Era bestial, pois pagavam-me 80 escudos à hora. Se num dia trabalhasse dez horas ganhava 800 escudos que, à época, era uma data de massa. A renda de uma casa alugada andava pelos 700 escudos/mês e um carro novo custava 50 contos. Deixei de ir às aulas e passei a estudar pelos apontamentos dos colegas, porque em cada aula estava a perder 80 escudos”, lembra José Silva Peneda, que aplicou o primeiro dinheiro que ganhou na compra de uma máquina de lavar para a mãe - e depois começou a poupar para comprar uma Dyane branca, a que se refere carinhosamente como “pincha pincha” e de que ainda recorda a matrícula (GN-78-15).

Casado e pai de uma bebé, com o curso tirado e dois empregos  - de dia fazia contas na Comissão de Planeamento, à noite dava aulas na Faculdade de Economia – deixou de ter tempo para o voleibol, que abandonou ainda novo, com 25 anos, após lhe ter transmitido valores tão essenciais, como “a autodisciplina, ultrapassagem dos limites pessoais, resistência, espírito de grupo, tolerância e lealdade”.

A formação na observância destes valores possibilitou-lhe desembrulhar-se com competência numa intensa carreira política que iniciaria quatro anos, ao proferir pela primeira vez, a fórmula “eu, abaixo assinado, afirmo solenemente por minha honra que cumprirei fielmente as funções que em são confiadas”.

Tinha 29 anos e era independente, quando lhe caiu do céu aos trambolhões o convite para ser secretário de Estado no Governo Pintasilgo. O convite tinha uma boa justificação. Costa Brás queria deixar como herança daquele governo a prazo (durou os 100 dias para que estava programado) uma Lei Orgânica do Ministério da Administração Interna. E toda a gente lhe dizia que a pessoa indicada para levar a cabo essa tarefa era aquele jovem que começara a ganhar fama na CCRN, desde 1975 liderada por Valente de Oliveira. Aceitou este convite, sem saber que ele  lhe podia ter impedido os voos políticos seguintes.

Estava em casa com gripe, quando Eurico de Melo, ministro acabado de empossar do novo Governo da Aliança Democrática (coligação PSD/CDS/PPM) lhe telefonou falando de dossiers que gostava de ver tratados. Peneda logo se pôs à sua disposição. Mal se recompusesse da gripe, iria a Lisboa ter como ele. Ao que o ministro lhe explicou que estava a fazer confusão: a questão não era “ir a Lisboa” mas antes “ir para Lisboa”, como secretário de Estado da Administração Regional e Local.

Mais tarde, ao discutir com Freitas do Amaral o Livro Branco sobre a Regionalização por ele elaborado, soube que tinha sido vetado. Os lideres da AD decidiram que do Governo não faria parte ninguém que tivesse estado com Pintasilgo. Quando viram Peneda na lista dos secretários de Estado logo riscaram o seu nome. Sá Carneiro ligou a Eurico de Melo a comunicar-lhe que teria de arranjar outro secretário de Estado. “É muito fácil resolver esse problema. Arranja outro ministro”, respondeu Eurico.

“È verdade! Por que é que não lhe disse? Porque se lhe dissesse provavelmente você ia fazer uma asneira e eu tinha de arranjar outro secretário de Estado”, respondeu Eurico de Melo, quando Silva Peneda lhe telefonou a perguntar se era verdade o que Freitas lhe contara.

Silva Peneda deixou o desporto, mas o desporto não saiu dele. Portista ferrenho, conheceu através do sogro outras velhas glórias do FC Porto, como Pedroto – que costumava brincar com Fernando Moreira de Sá, lembrando-lhe que ambos eram de 1928, uma colheita Vintage -, Hernâni e Virgílio, com que passou a privar a conviver.

Mas o seu círculo de amizades é plural, alargando-se a Luís Figo (que ajudou a fazer a Fundação que leva o seu nome), a Toni e a Eusébio, só para citar três exemplos.

“O Eusébio tinha uma admiração enorme pelo Hernâni. Uma vez resolvi fazer uma surpresa. Marquei um jantar com o Carlos Duarte, o Hernâni e o meu sogro, no Vítor Ladrão em Leça, e apareci lá com o Eusébio”, conta. Durante o jantar, o Hernâni insistia em que ele o tratasse por tu, mas o Eusébio não conseguia deixar de o tratar por senhor e recordou dois episódios.

“Das primeiras vezes que fui a selecção – contou o Pantera Negra - , tinha de pedir autorização a duas pessoas antes de começar a comer. Primeiro ao senhor Hernâni que era o capitão. Ele só à segunda ou terceira é que ouvia e mandava-me pedir licença ao meu capitão, o Coluna”.

“A outra história refere-se a uma finta que Hernâni aplicou na Luz, ao defesa benfiquista Cruz, que ficou sentado no relvado como um pato. O Eusébio ficou tão impressionado que foi cumprimentar o Hernâni, que o deixou com a mão estendida”, relata José Silva Peneda, que trouxe do voleibol uma grande lição para a vida:

“É através do treino e da competição que se experimenta o sacrifício e a dor em nome dos objectivos que queremos atingir. O ensinamento que o desporto pode proporcionar - de enorme utilidade para a vida - é que se sem esforço e sem sacrifício pouco ou nada se consegue”.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada em O Jogo

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