O pior cabo dos nossos trabalhos
Sou uma ilha rodeada de cabos por todos os lados. Para o meu dia fluir sem solavancos, preciso de ter uma tomada eléctrica por perto e os seguintes cabos de alimentação à mão de semear:
1. o do telemóvel;
2. os do computador portátil;
3. o que carrega o iPod;
4. o da bateria da máquina fotográfica;
5. o que faz o download das fotos da máquina para o computador;
6. o que faz o download dos ficheiros do gravador para o computador.
Desprovido destes cabos e de electricidade, a minha vida pode a qualquer momento transformar-se num inferno. E o grave é que não sou o único.
Mas o pior cabo dos nossos trabalhos não é esta terrível dependência de gadgets tecnológicos (inventados para nos facilitar a vida mas que acabaram por nos escravizar), mas sim o deplorável facto de estarmos nas mãos de um Governo que não faz a mínima ideia do que anda a fazer e tem uma noção de ética tão firme como uma teia de aranha cansada.
Com os céus internacionais tão carregados de nuvens, sinto-me aterrorizado por ser governado por um conjunto de gente que até pode ser bem-intencionada (já estive mais convencido disso, mas, no entretanto, o vermezinho da duvida pôs uma enfiada de ovos e sentou- -se em cima deles), mas é aflitivamente incapaz de impedir o País de caminhar para uma catástrofe de proporções bíblicas.
O que posso eu pensar da competência de um governo que no espaço de um ano aumenta os funcionários públicos em 2,9% e depois lhes reduz os salários em pelo menos 5%?
O que posso eu pensar da seriedade de um governo que no espaço de um ano desce o IVA de 21% para 20% para agora o aumentar para 23%?
O que posso eu pensar da credibilidade de um governo que no espaço de um ano divulga sucessivamente quatro diferentes valores para o défice: 2,9%, 4%, 7,9% e 9,4%?
O que posso eu pensar da honestidade de um governo que com a casa a arder dá-se ao luxo de gastar 400 milhões de euros a comprar a paz com os professores e deixa a despesa corrente do Estado aumentar quase 5% nos primeiros oito meses do ano?
O que posso eu pensar da coerência de um Governo que ganha duas legislativas jurando que o TGV e o novo aeroporto são essenciais para relançar o País na senda da prosperidade e que, sete anos depois, deixa cair estas obras, com excepção do TGV Lisboa-Madrid?
Citando o sábio Frei Fernando Ventura (em que eu seguramente votaria se ele se candidatasse a PR), não podemos continuar a responder a desafios novos com soluções velhas - é tempo de despedirmos os profissionais da política e colocar profissionais na política.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias