A angústia do jogador na mesa do blackjack
Sabem jogar ao blackjack? É mais ou menos como o sete e meio, só que a pontuação máxima é 21 (se fizer mais, o jogador rebenta), as figuras valem dez, o ás pode ser contabilizado como um ou 11, enquanto as cartas de dois a dez respondem pelo valor nominal. As outras diferenças são de status. O blackjack é um dos musts dos casinos, enquanto o sete e meio é um passatempo de adolescentes ou uma alternativa ao dominó para os reformados. No sete e meio quem faz de banca é o dono do baralho (ou o irmão mais velho), enquanto que no blackjack esse papel é cometido a um profissional (o dealer).
Nunca joguei blackjack no pano verde e sempre pensei que era um jogo de sorte pura até que no último Verão o meu filho Pedro recebeu lições (gratuitas) desta matéria no Venetian, em Las Vegas, e me convenceu que há uma estratégia delineada a partir do cálculo científico das probabilidades que o jogador tem de alcançar uma pontuação superior à banca - ou de obrigar o dealer a rebentar. Simplificando, a teoria recomenda que se parta do princípio de que há uma grande probabilidade de a carta escondida do dealer valer dez ou 11. Daí que se aconselhe o jogador a ficar se tem 16 e a carta aberta do dealer é dois, três, quatro ou cinco - ou a pedir mais uma carta se o dealer tem uma figura ou ás virados.
Bem vistas as coisas, há uma data de situações na vida (como a escolha da mulher ao lado de quem queremos envelhecer) em que estamos na situação do jogador de blackjack. Recebes duas cartas, um rei e um três. Tens 13. Pedes mais uma carta, sai-te um cinco. Jogas pelo seguro, e ficas-te pelo 18, ou vais tentar o 21, mesmo que haja uma enorme possibilidade de rebentar? Esta angústia do jogador de blackjack não pára de atormentar Passos Coelho, que tem uma série de gente a gritar-lhe ao ouvido conselhos opostos e ele hesita entre pedir mais uma carta, provocando eleições e arriscando-se a rebentar com o ónus da responsabilidade do desembarque do FMI - ou jogar pelo seguro, ficando com o jogo (um 18 ou 19, na minha opinião), na esperança de que seja o dealer Sócrates a rebentar.
Quem incita Passos a pedir mais uma carta são os boys sem freios nos dentes, sequiosos do regresso ao poder, como Catroga e Capucho. A aconselhar-lhe calma estão vozes laranjas mais desinteressadas (Pacheco Pereira e Nuno Morais Sarmento) e os empresários, que falaram pela boca de Ricardo Salgado ("Na situação actual é muito complicado ir a eleições"). A decisão é difícil. O líder do PSD sabe que se perder fica sem o lugar à mesa de jogo (Santana já conspira e relançou o nome de Rio). Mas, se estivesse no lugar dele, eu ficava - não arriscava pedir mais uma carta.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias