Há males que vêm por bem
Entre férias e trabalho, passei fora do Porto a maior parte do mês de Agosto. Quando regressei a casa, a 1 de Setembro, entre a correspondência e entulho que me enchia a caixa do correio, estava o extracto do cartão Visa Universo a lembrar-me que tinha a pagar 220 euros.
Atrasei-me no pagamento. E a culpa foi só minha. Estar fora não é desculpa. Podia e devia ter telefonado para a linha Universo a saber o montante em dívida, entidade, referência e prazo de pagamento - e liquidar a dívida a tempo e horas num multibanco em Vila do Bispo.
O castigo por este pequeno delito veio no extracto de Setembro. Os cinco dias de atraso iriam custar-me 15,60 euros. Em contas de cabeça rápidas, à Guterres, concluí que, se convertidos em juros, representavam uma taxa exorbitante na casa dos 400% ao ano - ou seja, agiotagem - pelo que expus telefonicamente a situação, sugerindo duas saídas para a sua ultrapassagem.
O BPI optou pela segunda - perder-me como cliente, mas não abdicar dos 15,60 euros - pelo que, após cumprir até ao último cêntimo as minhas obrigações com o banco, entreguei o cartão Universo no balcão de Sá da Bandeira.
Nada me move contra o BPI. Antes pelo contrário. Tenho um enorme respeito e tremenda admiração pelo seu fundador, Artur Santos Silva, e acho muita graça à maneira desempoeirada como comunica o seu sucessor, Fernando Ulrich.
Apenas resumi a história deste divórcio (após ter ganho 1327,53 euros em descontos, de acordo com as contas do banco) porque ela me veio à cabeça durante o almoço que tive na sexta-feira, em Coimbra, com a Catarina Frade, cujo relato é publicado na última página deste jornal.
A propósito da divulgação de um estudo da MasterCard, revelador de uma atitude muito responsável dos consumidores portugueses, que estão a ajustar os seus hábitos e a mudar do crédito para o débito (o decréscimo acumulado do uso de cartão de crédito é de 15% nos últimos quatro anos), a Catarina contou um episódio saboroso a propósito da tese de Filipa Moreira, uma economista e professora no IPAM em Aveiro que é sua aluna de doutoramento.
Para fazer a demonstração de que as pessoas gastam mais quando em vez de pagarem com dinheiro o fazem com cartão de crédito, a Filipa pegou nos dois bilhetes que atempadamente adquirira para o concerto dos U2 em Coimbra e pô-los em leilão em duas turmas. Na que exigiu que o pagamento fosse feito em dinheiro, o lance mais alto foi de 150 euros. Na outra, em que obrigava ao pagamento com cartão de crédito, o valor máximo atingido foi de 600 euros - que coincidia com o limite de crédito da licitante.
Ao ouvir esta história, curiosa apesar de não surpreendente, dei por mim a pensar que há males que vêm por bem - e que tenho de estar grato ao BPI por, com a sua intransigência, me ter levado a deixar de usar cartão de crédito.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias