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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Pedro Magalhães

Como toda a gente que tem filhos pequenos, ele está habituado a acordar cedo por isso não estranhou que hoje, apesar de ser domingo, tenha saído da cama às sete da manhã, como de costume.

Votou à abertura das urnas, no Pedro Nunes, em Lisboa, antes de seguir para o Centro de Sondagens da Católica. Vai passar boa parte de manhã horas ao telefone com comandantes de posto da GNR, membros da Comissão Nacional de Eleições, presidentes de junta de freguesia e de mesas de voto.

Calmo e ponderado, Pedro está a resolver a bem todos os pequenos conflitos locais suscitados pela presença à saída das mesas de voto, das brigadas destacadas para 48 freguesias para recolherem em urnas a repetição do voto de 20 mil eleitores que fundamentarão as previsões que a RTP divulga às 20h00.

De manhã está mais ocupado a ser capacete azul, mas à tarde começa a apertar o tempo para tratar os dados recolhidos um pouco por todo o país pela centena de inquiridores da Católica, pois às 18h00 ele está de partida para a RTP.

Nesse dia longo, Pedro vai a sociedade portuguesa a funcionar. Os mais velhos são madrugadores e votam logo de manhãzinha, o que concede um avanço inicial à direita, reforçado com o pico de afluência às urnas no Norte, a seguir à missa. O Bloco de Esquerda só começa a subir a seguir ao almoço e vai em crescendo até ao fecho das urnas.

“É um dia ao mesmo tempo enervante e divertido”, sintetiza Pedro Magalhães, 39 anos, que há três anos dirige o Centro de Sondagens da Católica, onde foi parar em 1999, porque precisavam lá de alguém “que percebesse de política”.

Licenciado em Sociologia no ISCTE, deu aulas na Católica (Martim Avillez Figueiredo, o director do i, foi um dos seus alunos no curso de Comunicação Social) antes de se doutorar na Ohio State, de onde trouxe uma sólida formação em Estatística, área que as universidades do Midwest são particularmente fortes.

Desde o regresso dos EUA que trabalha como investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa. Mas continua a ser professor. “Gosto de dar aulas. É muito bom para o pensamento e ajuda a ter a cabeça arrumada”, confessa este politólogo que define assim esta sua condição: “O nosso negócio é descrever o mundo político o melhor possível e procurar explicações plausíveis para que ele seja como é”.

Pedro apareceu com um ar descontraído, All Stars nos pés e pulôver sem mangas, no LACaffé do Campo Grande, que fica perto do ICS. Fala com clareza e credibilidade e tem aquele ar do bom rapaz com que todos os pais sonham para marido das suas filhas.

Pediu um Cola Zero para acompanhar as “lascas de bacalhau com brás de tomate e azeite de coentros” (os consultores de cartas recomendam que o descrição dos pratos na lista seja o mais pormenorizada possível…), que se revelaram ser bacalhau à Brás, apresentado em formato de pudim e encimado por saborosas lascas do dito.

O facto das sondagens terem sido o bombo de festa na noite e rescaldo das últimas eleições europeias (apenas a Marktest admitiu a vitória do PSD) não lhe encheu a testa de rugas.

“Uma abstenção elevada baralha tudo. É a grande inimiga das sondagens. Não é por acaso que as europeias correm quase sempre mal”, afirma, acrescentando o exemplo do primeiro referendo sobre o aborto, em que, por causa da altíssima taxa de abstenção, na própria noite de apuramento dos resultados ainda toda a gente dizia que o Sim ia ganhar.

“As sondagens não são previsões eleitorais. Medem intenções e não comportamentos. As pessoas podem estar sinceramente convencidas que vão votar quando estão a responder ao inquérito, mas depois chega o dia e afinal não vão”, explica.

O trabalho das empresas de sondagens tem os seus espinhos. Quase um terço da população não tem telefone fixo. E nos inquéritos presenciais é virtualmente impossível chegar à fala com as pessoas que vivem em condomínios fechados. Mas apesar destes apesares, Pedro Magalhães está convencido que esta noite as sondagens não vão ficar mal na fotografia.

Jorge Fiel

Esta matéria foi publicada hoje no Diário de Notícias

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LACaffé

Av. Campo Grande 3 B, 1º andar, Lisboa

2 couvert … 3,90 euros

2 lascas de bacalhau … 28,00

1/4 Água das Pedras … 1,70

1 Coca Cola Zero 0,33 l .. 1,75

1 salada de frutas … 5,00

2 cafés … 3,00

Total … 43,35 euros

O Benfica-Sporting de domingo

Quando li um comentador de peso a comparar o duelo Sócrates/Ferreira Leite a um Benfica-Sporting, pensei logo: olha mais um que parou no tempo da Outra Senhora, em que os dois clubes de Lisboa alternavam os títulos à razão de três para os da Luz, um para os de Alvalade.

Mas depois do debate, dei por mim a pensar que a comparação afinal não era tão esfarrapada, e que o seu autor acertara, se calhar da mesma maneira involuntária que o relógio parado dá a hora certa duas vezes por dia. As palavras Porto, Norte e Regionalização não foram pronunciadas na única vez em que os dois candidatos a primeiro ministro estiveram frente a frente na televisão a disputarem os votos dos indecisos.

A bondade do TGV para Madrid foi esmiuçada, mas não se ouviu um pio sequer a propósito da linha Lisboa-Porto-Vigo, apesar dos estudos da firma britânica Steer Davies Gleave garantirem que ela não é só é viável mas também geradora de um benefício líquido superior a cinco mil milhões de euros. Na troca de argumentos desencadeada pela retórica retro anti-espanhola de Ferreira Leite, a única referência à linha para o Porto saiu da boca do ministro espanhol.

No Norte, o céu está mais carregado de nuvens do que no resto do país. Vivem aqui um milhão de pobres. Mais 300 mil que há três anos. A segunda região que mais contribui para a riqueza do país é mais pobre de Portugal – e uma das 30 mais pobres da Europa, ao lado de regiões romenas e búlgaras.

Apesar disso, nenhum dos candidatos achou que valia a pena desperdiçar o precioso tempo de antena do seu Benfica-Sporting televisivo a explicar como planeia combater a bolsa nortenha de pobreza e redistribuir de forma solidária a riqueza por todo o país.

Como portista e nortenho, olho para todos os Benfica-Sporting sem paixão, mas com interesses – prefiro sempre que perca o que ameaça mais perto a liderança do FC-Porto.

No Benfica-Sporting  que se vai jogar no domingo é do interesse do Norte que perca quem se pronunciou contra a Regionalização e o TGV – e acha que “é preciso parar tudo porque não há dinheiro”, mas não incluiu nesse tudo o investimento de 2,5 mil milhões de euros na expansão do Metro de Lisboa nem a ruinosa compra de submarinos que nos fazem tanta falta como uma dor de dentes.

No Benfica-Sporting de domingo, o mal menor é que perca quem tem a mentalidade do espanhol dono de um cavalo que morreu após 15 dias de jejum forçado e se lamentou: “logo agora que ele se tinha habituado a viver sem comer é que morreu”. Domingo, é preciso evitar que ganhe a velha política do “pobretes mas alegretes”, que tem tanta possibilidade de ter sucesso como uma bailarina com uma perna de pau.

Jorge Fiel

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Miguel Salema Garção

Nunca ligou à política e não faz a mínima ideia em quem vai votar no próximo domingo, mas não alinha nessa do papão espanhol e até olha com muita simpatia a criação de uma Liga Ibérica, sugerida por Rui Pedro Soares, administrador executivo da PT, que é responsável por 10% das receitas do futebol nacional.

“Se o nosso futebol quiser crescer, o caminho é por aí”, afirma Miguel Salema Garção, 41 anos, membro da Comissão Executiva do Sporting SAD. Como a geografia deu-nos apenas dois vizinhos, e um deles é o mar, acha inevitável que as empresas de todos os sectores encarem toda a Península como mercado doméstico.

“Dada a nossa pequena densidade demográfica, temos de apostar na iberização para potenciar o negócio. Numa Liga Ibérica, as receitas dos patrocinadores, assistências e direitos televisivos seriam incomparavelmente maiores”, explica.

Ao longo da sua carreira de gestor, feita entre os CTT e os seguros, Miguel trabalhou um ano em Madrid, numa corretora de seguros do grupo Aon (actual patrocinador do Manchester United) e guarda gratas recordações dessa experiência.

“Os espanhóis percebem melhor do que nós que a função de um profissional é criar valor para o accionista e assim aumentar a riqueza do país e melhorar o seu próprio nível de vida. E têm um sentido de patriotismo que faz-nos falta a nós, portugueses, que somos invejosos e não valorizamos devidamente gente como Durão Barroso, o Ronaldo, o Mourinho ou o Figo com grande sucesso internacional”, declara Miguel, um homem desempoeirado, que casou há 11 anos na Jamaica  (um dois em um, já que passou lá a lua de mel) com um advogada que já lhe deu dois sportinguistas, o Manel, de nove anos e a Maria, de quatro.

Almoçamos no Casa 21, no piso da tribuna presidencial do Alvalade XXI, um restaurante concessionado à Casa do Marquês, empresa de catering de José Eduardo, decorado com quadros da autoria de Jordão – o que não deixa de ser comovente, porque, quando ambos eram futebolistas, o actual empresário da restauração partiu (sem querer) a perna ao actual pintor.

Os maus resultados do último exercício (prejuízos superiores a 13 milhões de euros) da SAD leonina não desanimam Miguel: “As pessoas pensam que a crise não chegou ao futebol, mas estão enganadas. As grandes empresas reduziram o investimento, diminuiu o número de espectadores e há menos transacções de direitos desportivos. Além disso, temos estado a segurar os talentos. Nas últimas três épocas, apenas vendemos o Nani”.

Miguel garante que o Sporting está “no trilho certo”, tem uma das melhores academias do Mundo, é o clube português com mais capacidade de gestão, tem um presidente “que combina experiência, profissionalismo e paixão”, e, excepção feita ao tempo dos Cinco Violinos,  vive o período de maiores sucessos desportivos da sua história.

Este optimismo alarga-se à sua análise da competividade da indústria portuguesa de futebol: “Está provado por A + B que sabemos fazer  talentos mundiais neste sector”, diz, acrescentando que, no entanto, “é preciso aprofundar a profissionalização a todos os escalões, não só os clubes, mas também liga, federação e associações”.

“Os jovens gestores devem poder encarar o futebol como um sector para fazerem a sua carreira, igual a qualquer outro, como a informática, finanças ou distribuição. Se os jogadores, treinadores e directores desportivos circulam por todo o Mundo, porque não acontecerá o mesmo com os gestores?”, pergunta.

Há, no entanto, um pingo de irracionalidade a turvar este raciocínio, já que Miguel declara, sob palavra de honra, que “seria absolutamente incapaz de trabalhar no Benfica”, afirmação susceptível de embaraçar Domingos Soares de Oliveira, o sportinguista que é responsável pelo pelouro financeiro na administração do Benfica.

“Nesta área só me vejo a trabalhar no Sporting. O profissionalismo é o mesmo, mas há a componente da paixão. É um prazer enorme trabalhar no meu clube de sempre”, concluiu Miguel, que, apesar de ser filho de um benfiquista, é o sócio 10 184 do Sporting e foi um dos fundadores da Juventude Leonina.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

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Casa 21

Estádio Alvalade XXI (ao lado porta 4)

2 couvert … 6,00 euros

2 choquinhos à algarvia… 25,00

2 buffet fruta e doce … 10,00

1 água Vitalis 1 l .. 2,00

1 Quinta do Castro tinto … 22,00

2 cafés … 2,00

Total … 67,00 euros

Andamos todos à caça de gambozinos?

O beijo na cara tem muito que se lhe diga. Os lisboetas usam o beijo único. Eu, que sou parolo, habituei-me de pequeno a dar dois beijos. Apesar de frequentemente ficar pendurado, por a face já lá não estar quando vou dar o segundo beijo, mantenho-me fiel ao beijo stereo, tanto mais que os franceses dão três beijos e são os maiores especialistas mundiais em questões de etiqueta.

Mas estou a encarar a hipótese de congelar esta prática por causa da terrível interpretação do art. 283º do Código Penal feita pelo Rui Pereira de Melo, da Abreu & Associados.

O 283 determina que quem propagar uma doença contagiosa arrisca-se a passar na choldra entre cinco (contágio por negligência) a oito anos (caso se prove ter havido intenção).

Na douta opinião do Melo, o 283º aplica-se ao contágio da gripe A. Ou seja, se eu, sem saber, estiver a chocar o H1N1 e o transmitir a alguém através dos beijos stereo, estou sujeito a ser posto à sombra até 2014.

A gripe A tem muito que se lhe diga. O Paulo dos Marques, consultor do Governo, prevê que dentro de um mês haverá tanta gente no país com gripe A como pobres no Norte – ou seja, um cerca de um milhão.

Os lojistas do Freeport acusam a gripe A de lhes estar a dar cabo do negócio, apesar da publicidade suplementar que o PSD e a TVI têm feito ao seu outlet.

O presidente da Associação Portuguesa de Seguradores teme que as suas associadas abram falência se os seguros de saúde tiveram de cobrir as despesas provocadas pela gripe A (apesar de eu já ter ouvido médicos garantirem que ela se cura com quatro euros e uns dias de cama).

O BCP identificou a gripe A como a grande ameaça à sua actividade no 2º semestre e a ministra da Saúde adverte que as crianças com febre serão impedidas de entrar nas escolas (será que vamos ter à entrada alguém a pôr-lhes a mão na testa ou a enfiar-lhes um termómetro?).

A gripe A tem todo o aspecto de ser um caso muito sério, o que me deixa um bocado aborrecido por ninguém das minhas relações ter sido (ainda, acrescento com uma réstia de esperança) vítima dessa praga.

Mesmo da gente que só conheço dos Media, não sei de ninguém com a Gripe A – nem a Moura Guedes, nem a Nereida, nem a Cláudia Jacques, nem o advogado do Relvas, nem a Melanie Laurent (na fotografia)  nem a ex-mulher do Carlos Queiroz,  nem o Malato, nem o Ricardo Salgado, nem a Elsa Raposo ou Jorge Coelho.

É por isso que às vezes dou por mim a pensar se não estaremos a ser vitimas de uma gigantesca partida, e se a pandemia da Gripe A não será uma nova caçada aos gambozinos, uma espécie de Pai Natal dos tempos modernos, inventados pela LPM do Obama para afastar o espantalho da crise da cabeçalhos dos jornais e das aberturas dos telejornais…

Jorge Fiel

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Susana Fonseca

Foto Gonçalo Villaverde

É natural que uma miúda que cresceu no Seixal, num quarto com vista para as chaminés da Siderurgia e do Barreiro, se torne numa militante ambientalista. Susana, 35 anos, leva o assunto muito a sério. Não depila as axilas nem se adorna com brincos ou anéis, dispensa maquilhagem e não usa secador de cabelo. Anda quase sempre de transportes públicos ou à boleia. Fecha a torneira enquanto se ensaboa ou escova os dentes, e guarda num balde a água que sai do duche antes de ficar morna; “Sempre é uma descarga a menos que faço no autoclismo”, explica.

“Compro o mínimo de roupa possível, prolongo ao máximo a vida de todos objectos, como o esfregão da louça, não deixo nada em stand by, só uso lâmpadas energeticamente eficientes e mesmo assim a minha pegada ecológica é excessiva. Se toda a gente tivesse o mesmo padrão de consumo, os recursos do planeta não chegavam”, afirma a frugal Susana, que apenas é desregrada no consumo de fruta – é capaz de comer, de uma vez só, um kg de cerejas ou meia melancia.

Almoçamos numa esplanada, no Seixal, junto à marginal do Tejo onde ela corre três vezes por semana com o marido, um engenheiro que trabalha na área informática. A banda sonora da refeição foi 100% portuguesa, mas variada - desde Paulo de Carvalho até ao inesquecível “Não venhas tarde”, de Carlos Ramos, passando pela “Balada da Rita”, de Sérgio Godinho (“aviso-te, a vida é dura, põe-te em guarda”).

Susana serviu-se só uma vez, apenas deixou ficar no prato dois pequenos pedaços de camarão (não gosta de marisco) que enriqueciam a feijoada (que partilhamos) e ficou contrariada por a água (natural) vir numa garrafa de plástico. “Em vez de embalagens reutilizáveis, aposta-se reciclagem, que desculpabiliza as pessoas, mas consome mais recursos”, comenta.

“Consumimos muito, não temos coragem de usar transportes públicos e comemos proteínas a mais. Devíamos comer menos e de melhor”, afirma a presidente da Quercus, que não bebe café e prefere sempre os produtos nacionais, por razões ecológicas.

Licenciada em Sociologia, calcula ter pronta em Maio a tese de doutoramento, sobre eficiência energética, baseada no trabalho das Eco-Brigadas da Quercus que vão gratuitamente às casas das pessoas e, após uma auditoria, aconselham medidas concretas para reduzir a conta da energia. “Temos dificuldade em encontrar pessoas que queiram poupar”, ironiza, com alguma amargura, a propósito do serviço não ser muito solicitado.

Na última Primavera, a vida dela levou uma volta. Foi mãe pela primeira vez , uma semana depois de ser eleita presidente da Quercus, que tem 18 núcleos regionais, 20 profissionais e 14 mil sócios, dos quais apenas uma minoria (quatro mil) paga a quota de 20 euros/ano e contribuiu assim para o orçamento anual da associação ambientalista, que ronda o milhão de euros.

Susana é uma mãe muito económica, logo a começar pelo curto nome que deu à filha (Ana) e a acabar no facto da bebé usar roupas, cadeira, alcofa e carrinho emprestados, passando pelo uso de fraldas de pano e do aproveitamento para descargas da água de lavar os biberões, que são (obviamente) de vidro. Provavelmente, Ana vai ser filha única. “Promover a natalidade é olharmos para o umbigo. Já há gente a mais no planeta”, avisa a mãe dela.

Susana não acredita que a crise tenha o efeito regenerador de corrigir os excessos: “A crise é muito suave para mudar os hábitos das pessoas. São precisas mudanças radicais. Não deixa de ser irónico que numa sociedade onde se consome desvairadamente, a boa notícia que anuncia o fim da crise seja a subida do indicador do consumo das famílias”.

Filha de um trabalhador da construção civil e de uma doméstica que andou nas limpezas, cedo começou a poupar, não só por necessidade, mas também por militância. Quando puseram um caixote, junto à sala dos professores, para recolher papel para reciclar, ela até as embalagens do açúcar e farinha levava de casa, apesar de ter apenas 15 anos e demorar 20 minutos a pé a chegar à escola do Fogueteiro.

Susana não mudou. À despedida, junto ao cais do Seixal, reparei que tinha trazido a garrafa de plástico da água – para a reutilizar.

Jorge Fiel

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O Bispo

Praça da República 2, Seixal

2 águas 0,5 l … 2,00 euros

1 feijoada de chocos… 6,00

1 café .. 0,65

Total … 8,65 euros

Este país está cheio de ladrões de tempo

Em toda a minha vida, o único bem palpável que roubei foram livros. Parei com essa actividade ilícita algures em 1973, depois de ter sido apanhado a sair de uma livraria com um livro sobre os Fedayin entalado no sovaco e dissimilado (pelo visto mal) no interior de um casaco aos quadrados igual ao usado pelos pescadores, que estava muito em voga à época.

No essencial, roubava livros com a louvável intenção de sustentar o programa básico de formação política dos colegas de liceu que tencionava recrutar para os Círculos Vermelhos (estruturas estudantis semi-legais dirigidas pela trotskista LCI), que contemplava a Introdução à Teoria Económica Marxista, de Ernest Mandel,  Estado (um ensaio do Lenine e outro do Trotsky), e Combate Sexual da Juventude, de Wilhelm Reich – a  leitura era aconselhada por esta ordem, que podia ser invertida se a potencial recruta fosse uma tipa gira.

A recordação de um pecadilho antigo vem a propósito da afirmação, produzida por Ferraz da Costa, de que em Portugal “se rouba muito” e “o país não tem dimensão para se roubar tanto”.

O presidente do Fórum da Competitividade emergiu da semi-clandestinidade em que mergulhou quando abandonou a CIP, em 2001, para denunciar a excessiva dimensão da roubalheira, aproveitando a oportunidade (uma entrevista ao Expresso) para fazer um diagnóstico severo do estado de saúde mental de Manuel Pinho (“toda a gente sabe que ele é maluco”).

Ferraz da Costa é muito capaz de ter razão quando aponta o roubo como uma das causas da nossa aflitiva perda de competitividade. Entre 2005 e 2009, caímos oito posições, de 9º para 17º lugar, na UE 27, no ranking da Competitividade Global do Fórum Económico Mundial.

Questionado sobre quem rouba, Ferraz deu uma resposta inteligente: “Todos os que podem”. Se a apropriação indevida de dinheiros e bens está limitada a quem tem poder para o fazer (e a sua punição depende de uma Justiça gravemente doente), já o roubo de tempo está ao alcance de toda  gente e temos de o combater, pois, como nos avisa sabiamente Jim Rohn, um especialista em motivação, “o tempo é mais valioso do que o dinheiro, porque podemos ganhar mais dinheiro, mas não podemos ganhar mais tempo”.

Para sermos mais competitivos, temos de aprender a gerir o tempo, saber privilegiar o prioritário ao urgente, reeducar os ladrões de tempo que não sabem trabalhar, promover a pontualidade, castigar os atrasados que nos fazem perder tempo, e expurgar as empresas dos abusadores de tempo que as infestam.

Chegado ao fim, espero que consideram bem empregue o tempo investido na leitura desta crónica. A última coisa que eu queria era roubar-vos tempo.

Jorge Fiel

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Carla Soares

 Foto Helder Capela

A bastonária não tem dúvidas. Ela e os seus 415 colegas estão com a corda na garganta. “Os notários não sobrevivem com o Governo contra eles. E temos sido submetidos a um cerco absoluto. Estamos na presença de um bando de malfeitores!”, acusa.

Não é preciso ser um Einstein para adivinhar que Carla não vai votar Sócrates. A animosidade é recíproca. Ela não seria reeleita bastonária, nas eleições do próximo sábado na Ordem dos Notários, se isso dependesse do voto do primeiro ministro.

A bastonária acha que o Governo faz a vida negra aos notários por não concordar com a sua privatização, decidida pelo anterior executivo laranja. Mas o facto de, em Abril, Carla ter enviado a todos os notários um pedido de informações sobre escrituras envolvendo Sócrates e seus familiares não ajudou nada a aliviar a tensão entre o S. Bento e a Ordem.

“Cinco notários já pediram para regressar à Função Pública, uma possibilidade que está em aberto até Fevereiro. Estou convencida de que a maioria dos meus colegas aguarda o resultado das legislativas para decidir se ficam como notários”, afirma Carla Soares, nascida há 44 anos em Lobito, Angola, que escolheu almoçarmos no Origami, um japonês da zona da Expo, onde ela mora desde 1999, quando regressou da Madeira, onde iniciou a carreira como notária, após oito anos na advocacia.

Nativa do signo Leão, auto-retrata-se como “frontal, transparente, voluntariosa, empenhada e talvez ousada”, sendo que o talvez é um toque de modéstia. Como é  “naba na cozinha” gosta muito de ir a este japonês com o filho, que apesar de só ter dez anos gosta de peixe cru e considera o Origami melhor que o Aya.

A relação entre a oferta e a procura dos notários inverteu-se de forma dramática. Quando Carla tomou posse do cartório da rua da Madalena, em Lisboa, em Outubro de 2002, tinha 11 funcionários e fazia 40 escrituras/dia.

“Em pouco tempo, com os mesmos funcionários, fazíamos uma média de 300 escrituras por dia. Havia pessoas que vinham do Barreiro e traziam-nos medalhas benzidas para agradecer terem conseguido vez tão rapidamente”, diz.

O panorama mudou radicalmente, com a privatização dos notários, a duplicação das licenças (o mapa dos cartórios existente em 2005 estava em vigor desde 1960) e o Simplex.

Há cinco anos, dava-se gorjeta para marcar uma escritura. Hoje os cartórios estão às moscas. O andar que Carla comprou na av. Liberdade para instalar o seu cartório só está parcialmente ocupado. Tem oito postos de trabalho, mas só duas funcionárias – e subaproveitadas. “Muitos colegas já só têm um funcionário e, quando ele está de férias, vão atender para o balcão”, conta.

A privatização não só aumentou a oferta, mas também alargou a outros (advogados, solicitadores, câmara de comércio) a capacidade de fazer contratos que era exclusiva dos notários.

Como se isto não bastasse, a bastonária queixa-se da concorrência desleal feita pelas conservatórias públicas. Antes da privatização, os notários faziam os contratos e as conservatórias registavam-nos. Agora estão numa concorrência, que ela não considera saudável.

“Um cidadão que recorra ao Casa Pronta, paga 300 euros, sem IVA, pelo contrato e registo. Ora a mim, só o registo custa 250 euros – o dobro do preço de há um ano”, exemplifica Carla, acrescentando que desde que o Simplex se iniciou, em 2006, as receitas dos notários caíram 78,3%, (só em 2008 a quebra foi de 41,5%).

“A maneira como o Simplex foi feito está a esganar os notários e a diminuir as receitas do Estado. O Ministério da Justiça vai ter pela primeira vez de ir buscar dinheiro ao Orçamento de Estado, já que as suas receitas directas caíram no último ano 100 milhões de euros, apesar de o número de actos jurídicos ter aumentado”, acusa a bastonária.

“Os portugueses é que vão pagar essas brincadeiras da Casa Pronta e da Empresa na Hora, promovidas por um Governo que só se preocupa com o mediatismo e em fazer demagogia, sem medir as consequências do que faz”, conclui esta mulher envolvida numa guerra sem quartel com Sócrates. Um deles (pelo menos) vai perder nas eleições deste mês.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

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Origami

Alameda dos Oceanos, Ed. Lisboa, Parque das Nações, Lisboa

2 buffet … 29,60 euros

2 copos de cerveja… 3,80

2 cafés .. 2,40

Total … 35,80 euros

É preciso ver o que não está visível

 

Apesar de ter sido bastante acidentado, não tenho razão de queixa do curso de História que fiz na Faculdade de Letras de Universidade do Porto, entre os anos lectivos 75/76 e 79/80.

Foi agitado logo do princípio. As aulas a começarem apenas em Fevereiro de 1975.  No primeiro ano, havia uma lista de cem cadeiras, a escolher à vontade do freguês e se podiam ir fazendo ano após ano, mais ou menos arbitrariamente. Podíamos arrancar o curso com a seguinte combinação de cadeiras, tão interessante quanto desirmanada: Cronologia da Idade do Bronze Peninsular, História da I República, Introdução à Sociologia e Movimentos Populares na Idade Média.

Em todos os anos seguintes o plano de curso foi alterado, sendo que a mais profunda das mudanças ocorreu nas férias de Verão, a seguir a eu ter  passado para o 5º ano. Estava a banhos no Carvoeiro quando soube que o curso tinha minguado para quatro anos.

Passei as férias na dúvida sobre se já teria ou não acabado o curso quando na rentrée, há precisamente 30 anos, me foi explicado que tinha sido achado uma solução do tipo salomónica.

O curso, que era suposto ser de cinco anos e acabar em Junho de 1980, encolheu para quatro anos e meio e a sua conclusão foi antecipada para Janeiro, para não prejudicar os meus colegas que curso que queriam ir dar aulas e assim não teriam de concorrer ao mesmo tempo que os do ano anterior.

Nos cinco anos, mal medidos, em que andei na faculdade aprendi que mais importante do que estudar (decorando factos inúteis, que a memória cedo enviaria para o arquivo morto) era aprender a estudar.

Em 1980 saí da faculdade equipado com um preciosa ferramenta, que consiste em saber procurar e relacionar os factos, peneirar e calibrar a informação, de modo a poder pô-la em perspectiva e permitir assim que ela nos ajude a perceber o passado, compreender o presente e tentar ver o futuro.

Desde que acabei o curso, o mundo nunca mais tirou o pé do acelerador. Numa semana, o New York Times publica mais informação do que a que Luís de Camões recebeu em toda vida. Calcula-se que em 2009 serão produzidos quatro exabytes de informação, mais do que em todos os cinco mil anos anteriores.

A informação técnica duplica todos os anos, o que quer dizer que, num curso de quatro anos,  quando o aluno chega ao 3ª, metade do que aprendeu no 1º já está desactualizado.

Neste mundo o papel da escola é ensinar-nos a estudar, pensar, trabalhar - e a perceber à primeira o que Sun Tzu queria dizer quando há 2 500 anos escreveu: :”Não é preciso ter os olhos abertos para ver o sol, nem é preciso ter os ouvidos afiados para ouvir o trovão. Para se ser vitorioso, é preciso ver o que não está visível”

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

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