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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Daniel Sá

 

Daniel Sá, 35 anos, é o director do IPAM do Porto e de Aveiro, onde é responsável por mais de 70 professores e 1 100 estudantes. Não foi na escola que aprendeu a liderar e a ter espírito de equipa, mas sim no voleibol, onde envergou durante uma dúzia de anos a camisola do Leixões, com a braçadeira de capitão, e se sagrou por três vezes vice-campeão nacional. “Não era o homem que sou hoje se não tivesse tido esta vivência desportiva”, confessa o professor, que ocupava em campo a posição 4, na entrada da rede, um lugar que exige muita leitura de jogo, poder de ataque e uma enorme agilidade. “Era o jogador que mais bolas batia - um autêntico bombardeiro para todo o serviço”

 

Apesar de ser um jogo de juniores, o pavilhão da Luz estava quase cheio de benfiquistas que vinham de assistir no Estádio a uma vitória da equipa de futebol. Estamos em meados dos anos 90 e joga-se a meia-final do campeonato nacional de voleibol. A equipa da casa ganha por 2-0 e no terceiro set vence por 13-4. Está dois pontos da final!

Nuno Soares, o treinador do Leixões, pede um desconto de tempo. Explica aos jogadores que nada está perdido e apela ao seu orgulho. “Foi um momento vibrante. Nós estávamos firmemente convencidos que éramos melhores que o Benfica. E todos compreendemos que não fazia sentido perder com uma equipa inferior”, recorda Daniel Sá, o capitão da equipa.

Voltaram para o campo e ainda foram a tempo de inverter o resultado. O treinador tinha razão. Nas duas horas seguintes, conquistaram o acesso à final (que viriam a perder com a Académica de São Mamede) ganhando três sets e uma enorme lição de vida.

Daniel, 35 anos e 1m91, não tem dúvidas. Não foi na escola que aprendeu a superar as dificuldades que são o pão nosso de cada dia na vida empresarial. Foi na dúzia de anos em que jogou voleibol no pavilhão (com a camisola do Leixões) ou na praia.

“Não era o homem que sou se não tivesse tido esta vivência desportiva. Foi o voleibol e não a escola que me deu o espírito de equipa e de liderança e me ensinou ética”, afirma o director de duas (Porto e Aveiro) das quatro escolas do Instituto Português de Administração Marketing (IPAM), onde é responsável por mais de 1 100 alunos e 70 professores.

Curiosamente, naquele que foi o momento mais mágico da sua carreira (a reviravolta do jogo da meia final no Pavilhão da Luz) Daniel defrontava o clube do seu coração. Apesar de ter nascido e crescido em Matosinhos, ele é benfiquista, tal como o pai, que veio de Viseu para trabalhar como técnico na área de segurança da refinaria da Petrogal em Leça da Palmeira – sendo que a outra metade da família (a mãe, professora primária, e o irmão Carlos, cinco anos mais velho) torcem pelo Sporting. Os Sás não são uma família típica do Porto.

Foi quando acabou a primária, na escola nº2 de Matosinhos, que o voleibol entrou na sua vida. Ele era um miúdo alto para a idade que apesar de ser doido por desporto não o podia praticar como atleta pois o médico diagnosticara-lhe um sopro no coração. Tinha dez anos quando o sopro deixou de ser sinais de vida. Autorizado a fazer desporto, não descansou enquanto não foi com o pai bater à porta do Pavilhão Siza Vieira a perguntar o que era preciso para começar a jogar voleibol no Leixões. Estávamos em 1985, nas vésperas de Portugal entrar na CEE e da década cavaquista de prosperidade oleada pela chuva de dinheiro de Bruxelas.

Debutou nos minis, enquanto fazia o ciclo na António Nobre. Só treinava duas vezes por semana e competia muito pouco –  apenas uns torneios amigáveis por altura da Páscoa ou Carnaval..Não foi um caso de amor à primeira vista. “A princípio não gostei muito. As bolas eram duras e andava sempre com os braços e punhos doridos por causa da manchete, a posição baixa de defesa em que se usa a parte interior dos braços”, diz.

Chegado aos iniciados, começou a entusiasmar-se, o que é natural. Passou a competir regularmente – quase todos os fins de semana havia jogo. E como o Leixões tinha uma boa equipa, conseguiam, com uma perna às costas, o apuramento para as fases sinais, o que era sinónimo de grandes pândegas nas viagens para Lisboa, Funchal ou Ponta Delgada.

Jogava voleibol e estudava na ES Augusto Gomes quando, no 10º ano, chegou a hora de começar a fazer escolhas. “Tinha uma grande curiosidade pelo mundo das empresas. O meu pai levava para casa tudo quanto havia de jornais e revistas e eu gostava muito de ler na Exame os negócios e estratégias. Por isso, optei pela área de Economia”, conta.

Influenciado por um amigo, quando acabou o 12º ano ainda se inscreveu no curso de Relações Internacionais da Universidade do Minho. Mas não chegou a ir para Braga. Decidiu quedar-se por Matosinhos e estudar Marketing no IPAM.

O primeiro dinheiro ganhou-o durante o estágio curricular do curso, cumprido na Electro-Rayd, uma empresa de iluminação com duas vertentes na sua actividade (grossista de material eléctrico e retalhista de sistemas luxuosos de iluminação), onde confirmou que tinha jeito para o marketing. Achou que não fazia sentido ter a mesma marca para as duas actividades e sugeriu aos patrões que mudassem o nome da loja na baixa do Porto (rua da Trindade) para Traço de Luz.

Ia com as pernas a tremer pelo atrevimento -  por isso ficou como um sino quando viu que os patrões agarravam a sua ideia com ambas as mãos. Após o estágio, ficou lá a trabalhar durante um ano, passando a estudar à noite e a despertar e inveja dos colegas por ganhar 100 contos/mês na Electro-Rayd, que o habilitaram a comprar em segunda mão o seu primeiro carro, um Clio cinzento que ele volta e meia ainda vê a circular nas ruas de Matosinhos. “Toda a gente dizia que eu era um tipo com sorte”, conta.

A trabalhar durante o dia e a estudar à noite, começou a escassear o tempo para o voleibol de pavilhão, onde se demorou doze anos e foi três vezes vice-campeão nacional, duas como júnior e uma como juvenil, perdendo duas finais com a Académica de São Mamede e uma com o Castelo da Maia, sempre na posição 4, na entrada da rede, um lugar que exige muita leitura de jogo, poder de ataque e uma enorme agilidade  “É o jogador que mais bolas bate. Eu era um autêntico bombardeiro para todo o serviço”..

Não aqueceu o lugar na equipa sénior, não só pela falta de tempo mas também porque já tinha percebido que não ia ser um João Brenha, um Miguel Maia ou um Carlos Filipe, o seu ídolo nacional, já que o internacional será sempre o norte-americano Karch Kiraly  - “Foi o jogador mais inteligente que vi no voleibol” - e que jogou até aos 45 anos na praia.

Pois foi a partir da praia que nasceu a sua primeira incursão empresarial. Daniel estava na primeira linha quando o volei de praia começou a entrar na moda. Durante o Verão andava numa roda viva, sempre fora – só parava em casa para trocar de roupa. Começou a reparar que os torneios eram mal organizados e não se ficou pela observação. Resolveu agir, em conjunto Pedro Vieira, seu parceiro de dupla e voleibolista do Leixões.

Criaram uma empresa, baptizada Oxigénio, que além de organizar torneios de volei de praia, que vendiam às Câmaras Municipais, e de arranjar patrocínios, também promovia outras iniciativas na área desportiva, como convenções de fitness. “Ganhamos uns dinheiros”, confessa Daniel, que mais tarde venderia o negócio.

Despediu-se da Electro-Rayd quando Gonçalo Caetano Alves, um dos fundadores do IPAM, o desafiou a ser o director de marketing do Aveiro Basket, a primeira SAD do nosso basquetebol, com uma equipa profissional onde se fundiam os escalões seniores do Esgueira, Beira Mar e Galitos.

Nem olhou para trás. O projecto era ambicioso e ele foi a correr atrás do sonho de um casamento perfeito entre as duas das coisas que mais amava – o desporto e o marketing. “Era uma coisa muito vanguardista para a época. Para começar, meti-me num carro e fui sozinho para a Catalunha onde visitei três clubes (Barcelona, Manresa e Badalona) e me abasteci de ideias para atrair patrocínios e espectadores. A liga espanhola estava muito à frente e obrigava a assistências médias mínimas, na casa das cinco mil pessoas”, relata.

A estreia do Aveiro Basket e dele foram boas. A equipa fez um bom percurso na Europa. Cá dentro apenas tombou frente à Ovarense nas meias finais dos play off. Ele inovou, atraindo patrocínios com as novidades trazidas de Espanha – venda de bilhetes de época e introduzindo animação antes e durante os jogos. No final da época saiu apenas porque lhe surgiu um desafio ainda maior (mais transmissões televisivas, mais espectadores): ir dirigir o marketing da equipa de futebol do Beira Mar, treinada por António Sousa, que acabara de subir à primeira divisão.

Após a viragem do século, resolveu mudou de vida. Depois de passagens pelo retalho de material desportivo (a cadeia Intersport, concorrente da Sportzone) e os patrocínios e eventos da Optimus), passou a dedicar-se a 100% à vida académica.

Uma visita aos Orlando Magic (equipa da NBA que tem como director geral Alex Martins, um descendente de transmontanos) e a leitura de Sports Marketing, de William Sutton, inspiraram-no a escrever um livro sobre marketing desportivo e a iniciar uma especialização nesta área, criando, no âmbito do IPAM, um grupo de investigação (GEMD-Grupo de Estudos de Marketing Desportivo”).

O livro, Marketing para Desporto/Um jogo empresarial, escrito em 1999 a meias com o irmão Carlos, foi muito bem recebido. A primeira edição (já vai na terceira), de mil exemplares, esgotou-se enquanto o Diabo esfregava um olho, e começaram a chover telefonemas de todo o lado, de clubes e associações, interessados em aprender a captar patrocinadores e venderem mais bilhetes para os espectáculos que organizavam.

“Dizíamos que era o melhor livro português sobre marketing desportivo, o que só podia ser verdade, porque era o único”, graceja Daniel, que no entretanto, também em regime de co-autoria com o irmão, escreveu um novo livro sobre o assunto (Sports marketing/As novas regras do jogo) e a partir do ano 2003 se dedicou a tempo inteiro ao ensino e investigação.

No mestrado, concluído em 2004, descobriu que os adeptos do Sporting encaravam como positivo, e uma nova importante fonte de financiamento do clube, o aumento dos patrocinadores, mas muitos deles estavam erradamente convencidos que sabiam qual era o patrocinador principal da equipa de futebol – metade responderam que era o BES, que ocupava a parte de trás das camisolas, e não a PT, que estava na frente. Moral da história: não basta patrocinar, é preciso activar o patrocínio.

No doutoramento, que está a fazer na Universidade Juan Carlos, em Madrid, Daniel investiga as razões que levam os adeptos do Benfica a a acorrerem ao Estádio da Luz. Uma tarefa ao alcance de um benfiquista, que há 15 anos, com a camisola do Leixões, liderou uma fantástica reviravolta da sua equipa nas meias-finais do campeonato nacional júnior de voleibol.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada em O Jogo

 

Joana Pimenta Godinho

O misterioso desaparecimento de enxames inteiros está a preocupar a comunidade científica internacional, que baptizou de Síndrome do Colapso das Abelhas (Colony Collapse Disorder) este fenómeno, ainda sem uma explicação cabal.

A varroa, um parasita que ataca as colmeias, e as antenas de telemóveis, cujas ondas podem desorientar a abelhas nos 40 voos diários que fazem para colectar néctar e pólen,  são os principais suspeitos deste estranho síndrome que tira o sono aos cientistas. O caso não é para menos.

“Metade do que comemos depende da polinização das abelhas, que são também fundamentais para a preservação da biodiversidade. Se entrassem em vias de extinção seria uma catástrofe para a humanidade”, afirma Joana Godinho, 53 anos, engenheira agrónoma, professora na Escola Superior Agrária de Santarém e estudiosa das abelhas.

Senhora de um sotaque que denuncia ter nascido e crescido na Granja, na raia alentejana, onde cria bezerros, Joana escolheu almoçarmos no restaurante da pateira (actualmente deserta de patos) da Tapada da Ajuda, que acolhe a Escola Superior de Agronomia (onde ela se formou  há 30 anos exactos) e o Posto Apícola Nacional.

Do bufete trouxe uma sopa, filetes de pescada (com migas e salada), e mousse de manga. Comeu tudo frio e à pressa, pois o entusiasmo com que falava dos hábitos e proezas das abelhas fazia esquecer-se de que tinha comida no prato, numa refeição que contou com participações esporádicas de um professor de Zootecnia, que almoçava na mesa ao lado e nos contou um truque.

No seu pomar algarvio onde tem uma colmeia, quando quer que as abelhas polinizem os dez hectares de ameixas, o professor Ortega pulveriza as laranjeiras com óleo de peixe. “É a polinização dirigida. A flor da laranjeira atrai não só pelo aroma mas também porque é mais doce. Há quem pulverize com açúcar para chamar as abelhas”, esclarece Joana que começou a carreira a matar ratos.

Mal conclui a licenciatura, foi contratada pelo Governo dos Açores para dizimar os ratos que são o maior perigo para a saúde pública na região. “O problema é que os roedores dos campos também vão comer as rações de farinha de milho que são postas no campo para alimentar as vacas que fazem a vida toda cá fora”, explica a agrónoma , que durante dois percorreu todas as ilhas do arquipélago (Corvo incluído), a organizar a matança dos ratos.

A pouca atenção que em Portugal é dada às abelhas deixa muito triste Joana, que lamenta já não haver uma cadeira de Apicultura no curso de Agronomia e restarem apenas 650 apicultores profissionais, apesar das nossas potencialidades naturais numa área em que somos o 5º maior produtor europeu  - Espanha e Grécia são os dois primeiros. Sul, sol e flores são vantagens comparativas quando se trata de produzir mel.

“A apicultura deveria ser acarinhada. Produzimos mel de boa qualidade de muitas variedades, porque temos muita floresta e um quarto do território está protegida”, diz, acrescentando que os alemães (que tem um consumo anual de quatro kgs per capita, quatro vezes superior ao português) adoram o nosso mel de eucalipto, que importam em enormes quantidades.

A super-organização das abelhas é estudada e adaptada por diversas disciplinas,  desde a Arquitectura à Matemática, passando pela Sociologia. Recentemente, um estudo de investigadores da escola de Biociências da Royal Holloway, em Londres, concluiu que as abelhas conseguem estabelecer o percurso mais curto entre as flores onde pousam, resolvendo de forma eficaz o problema do caixeiro viajante (o processo matemático de determinar o circuito mais curto que é possível efectuar entre determinadas cidades de modo a que cada cidade seja visitada apenas uma vez) um dilema que os computadores podem demorar dias a resolver 

"As abelhas são um modelo de eficiência energética. Para economizarem tempo e energia escolhem sempre a trajectória mais curta. E a optimização do espaço nos seus favos hexagonais é admirada pelos arquitectos”, concluiu Joana, que, apesar de ter começado a carreira a matar ratos e de estar fazer um doutoramento nas doenças da couves, é uma apaixonada pelas abelhas.

Jorge Fiel                                       

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

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A Pateira da Tapada

Tapada da Ajuda, Lisboa

2 Ementas do dia

Sopa

Filetes de pescada com migas e salada

½ de tinto alentejano Condado das Vinhas

Mousse de manga

2 cafés

Total:  25,00 euros

 

 

Curiosidades

 

A Granja, a aldeia alentejana de 746 habitantes onde Joana nasceu e mantém casa e terras, fica mais perto de Villanueva del Fresno (a localidade onde a PIDE matou Humberto Delgado),  do que de Moura, a sede do concelho

 

Um enxame de 70 mil abelhas, incluindo uma rainha e uma a duas centenas de zangões (que só servem para fecundar a abelha rainha, após o que são mortos), custa cerca de 70 euros e pode produzir anualmente cerca de 30 quilos de mel

 

O mel era o único adoçante usado entre nós, antes dos Descobrimentos portugueses darem a conhecer à Europa a cana de açúcar e a beterraba, pelo que é um ingrediente básico de toda a doçaria conventual. O mel de rosmaninho é o mel mais apreciado por Joana e uma das muitas variedades e produzidas no nosso país  - laranjeira, castanheiro, medronheiro, eucalipto, etc

 

João Bacelar de Vasconcelos

A luz fez-se na margem do lago Titicaca. A sua vida só faria sentido se ele fizesse algo de excepcional. Aos estudos de Economia, feitos entre Braga e a Florida, juntou seis anos na escola Sonae e três na BBDO, durante os quais afinou o projecto de pôr no ar um canal de televisão low cost, sem câmaras nem estúdio, com programação cultural alternativa. O júri do Prémio das Indústrias Criativas acreditou  - e distinguiu-o. A Zon acreditou – e deu-lhe uma posição na plataforma cabo. O programa segue dentro de momentos

 

O homem que vai fazer um canal

sem gastar em câmaras e estúdio

 

 

Nome:  João Bacelar de Vasconcelos

Idade: 32 anos  (faz 33 para a semana)

O que faz: Empresário fundador da OSTV, prepara o lançamento de um canal cultural de televisão por cabo

Formação: Licenciatura em Economia na Universidade do Minho (2000)

Família:  Vive com uma farmacêutica, de quem tem um João, com dois anos

Casa:  Andar na rua da Boavista, a uma distância a pé da praça Coronel Pacheco, onde está instalado o cluster de Media do Porto (Curso de Jornalismo e escritórios da Lusa, Público e Grande Porto) e vai pulsar o coração do novo canal

Carro:  VW Golf

Telemóvel: iPhone

Portátil:  Mac (o mais barato)

Hóbis:  Não tem jogado basquetebol, modalidade que praticou durante dez anos, como atleta federado, no Grupo Desportivo André Soares, onde apesar de não ser exactamente uma torre (mede 1m77) alinhava a extremo. Mas continua a fazer surf e a dar umas corridas. Vai regularmente ao cinema e a concertos. Gostava de ver mais televisão, mas a oferta é muito limitada. O Daily Show, de Jon Stewart, é o seu programa favorito, mas também petisca a Oprah e gosta de Mad Man e das Donas de Casa Desesperadas.   

Férias: Este ano estiveram na Carrapateira, a fazer praia e surf. O ano passado, andaram pela Cantábria, no Norte de Espanha, mas foi horrível, estava sempre a chover, tiveram de se refugiar dentro do Guggenheim de Bilbau para terem um dia decente   

Regras de ouro: “Não ligar muito ao que se diz nos telejornais. Tentar ser bem sucedido a fazer o que gosto”

 

 

Provavelmente a oferta da Zon não seria aumentada, no próximo trimestre, com um canal cultural de programação alternativa, se o padre Victor Melícias tivesse acolhido disponibilidade para partir como voluntário para Timor manifestada por um jovem recém licenciado em Economia chamado João Bacelar de Vasconcelos (o pai, Pedro, foi conselheiro da ONU em Dili).

A Sonae não cometeu o erro de Melícias e contratou-o para a Optimus, onde ele deu logo nas vistas ao criar e desenvolver o tarifário Zoom, a resposta da operadora 93 ao Yorn lançado pela Vodafone.

“A Sonae é uma grande escola”, declara João, acrescentando que em Portugal a universidade não é o sítio ideal para se aprender a trabalhar, ao contrário do que acontece nos EUA, onde estudou um ano (98) na West Florida University.

Após meia dúzia de anos na Sonae, resolveu mudar de vida. Pegou nas economias e na mochila e voou para o Peru, onde passou um mês. Tinha 29 anos e voltou com as ideias mais claras sobre que queria fazer na vida.  

Depois do Machu Pichu, apanhou em Cuzco o autocarro para Titicaca, onde conheceu um par de repórteres free lance, Ana Sofia Fonseca e Jordi Burch, que tinham acabado um trabalho sobre as plantações de coca na Bolívia e recolhiam elementos para uma reportagem sobre o trabalho infantil na América do Sul.

Nas horas de conversa passadas na margem do lago, Ana e Jordi contaram-lhe, entre outras coisas, a viagem pelo país com um pequeno circo familiar e a experiência de viverem um mês no Bairro 6 de Maio. “Foi inspirador ouvir estas histórias e saber que havia gente com espírito tão aberto”, conta João, que ficou animado pela ideia de fazer uma coisa excepcional.

De regresso ao rectângulo, foi para a BBDO e mudou-se para Lisboa, onde viveu três anos e meio no turbilhão da transformação brutal em curso da oferta e do consumo global, que abala as fundações do negócio publicitário.

“Lemos os livros todos sobre Web 2.0 para tentar perceber as novas oportunidades no mundo digital”, explica João, que fundiu a ideia geral nascida no lago Titicaca com toda esta informação, começando a chocar o projecto de um canal open source (o os de OSTV), que surfasse em cima do boom de oferta cultural e de entretenimento, agregando e dando sentido à enorme quantidade de vídeos que agora são feitos e consumidos.

A OSTV é a tradução para algo economicamente viável de uma ruptura com os vícios e formatos do mundo analógico. O desafio é provar que para fazer um bom produto televisivo não é preciso ir a Cannes comprar programas caríssimos ou negociar jogos de futebol com Oliveira.

O ano passado, deixou a BBDO para pôr um ar um canal de televisão com sede no Porto, sem estúdios nem câmaras mas com uma programação cultural (o que não deixa de fora gastronomia e viagens), dirigida a um público adulto, fundamentalmente no escalão etário 18-35 anos.

O júri do Prémio das Indústrias Criativas acreditou nesta nova maneira de pensar televisão – e distinguiu-a com o primeiro prémio. A Zon também acreditou – e deu-lhe um contrato de três anos, numa boa posição (que ainda é segredo, tal como o nome do canal). Já só falta mesmo as audiências e os anunciantes demonstrarem que também acreditam.

 “As marcas precisam de se associar a conteúdos culturais. Têm de ter assunto”, explica, optimista, João, acrescentando que até ao Dia D o efectivo da OSTV vai aumentar de dois para dez pessoas.

Jorge Fiel

Esta matéria foi publicada hoje no Diário de Notícias   

O homem que precisava de uma janela

Para ter mais luz em casa, queria abrir uma nova janela para a rua, mas como vivia num prédio no centro histórico não ousava fazê-lo sem a prévia (e improvável) autorização camarária.

Emboscado nesta variante imobiliária do humor boomerang de Groucho Marx (“não posso ser sócio de um clube que me aceite como sócio”), matutou no assunto, repetindo o mantra de quanto mais complexo é o problema, mais simples é a solução. O que é preciso é pensar fora do quadrado.

Há mais de 80 anos, Alves dos Reis, antes de se celebrizar por ter mandado imprimir notas falsas verdadeiras de 500 escudos, resolveu o problema da interrupção dos seus estudos, provocado pela falência do negócio de cangalheiro do pai, falsificando um diploma em Engenharia por um inexistente Politécnico de Oxford – que destruiu logo após ter obtido uma cópia autenticada (e por isso oficial) do documento num cartório de Sintra.

O homem que precisava de uma janela escreveu uma carta ao competente departamento camarário, solicitando autorização para entaipar uma janela (inexistente), argumentando que ela o incomodava sobremaneira.

A pretensão foi liminarmente indeferida, com ameaça de retaliações se ele ousasse tapar, à margem da lei, uma janela inexistente – e que por vias deste artifício passou a ter existência legal.

Esta história, que me foi contada como verídica pelo meu amigo Henrique (nome fictício), ilustra duas verdades de sangue: 1. O velho Einstein tinha razão quando avisou que a imaginação é ainda mais importante que o conhecimento; 2. O licenciamento de obras nos centros históricos rege-se por regulamentos paranoicamente cegos e imobilistas.

Vem esta história a propósito do Porto e Lisboa terem crescido como manchas de azeite e agora ser mais adequado reciclar. É preciso parar de construir e passar a reabilitar.

O país não se pode dar ao luxo de ter um milhão de habitações a precisarem de obras e 100 mil milhões de euros empatados em casas vazias. No coração do Porto há 15 mil edifícios a cair e na sua área metropolitana há 160 mil habitações à venda (contra 66 mil em 2007) e um stock de 800 mil m2 de escritórios, que ao ritmo actual demorarão 50 anos a escoar (em 2009 foram vendidos 16 mil m2). Do total de 55.350 edifícios existentes em Lisboa, 4.618 (8%) estão abandonados e 7.700 ameaçam ruir.

Em face a esta situação é impossível não achar estranho que, apesar das obras no Parque Escolar, a reabilitação pese menos de 7% no nosso mercado português de construção, quando em Espanha vale 29% e a média europeia é de 36%. Requalificar, reordenar e reabilitar são as soluções para desatar o nó complexo que nos impede de progredir.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

João Paulo Martins

João Paulo Martins, 56 anos, anda numa fase de brancos. À despedida, o edifício da Maternidade Alfredo da Costa testemunhou o conselho de experimentar acompanhar os queijos amanteigados, como os nossos Serra ou Azeitão, com um branco encorpado com muita madeira. “Vais ter uma surpresa!”, garantiu o professor de História reformado que ganhou o direito a ser chamado o papa dos vinhos portugueses por publicar ininterruptamente, desde 1994, o guia que vende 20 mil exemplares e é bíblia que nos orienta na hora de abastecer a garrafeira ou de tomar a decisão após a consulta da carta de vinhos.

Escolheu almoçarmos no Panorama, o restaurante do último piso do Sheraton, o mais alto edifício de Portugal de onde se desfruta de uma vista de cortar a respiração de Lisboa, num dia em que a cidade estava inundada de uma luz tão forte que faria as delícias dos impressionistas do século XIX. Optamos pelo menu executivo de três pratos, convergindo na entrada (carpaccio de novilho com batata frita chips com aroma de presunto) e saída (brulée de cardamomo e sorvete de morango com a sua geleia), divergindo apenas no prato principal –  prudentemente ele foi para posta de garoupa com legumes e batatas salteadas enquanto eu cedi à tentação do bacalhau (arroz de bacalhau com feijão encarnado e grelos e sua posta frita).

Como não estava disponível o Chocapalha Reserva branco  - um vinho feito pela enóloga e ex-modelo Sandra Tavares da Silva (que acaba de ter gémeos) na quinta ribatejana do pai -, João Paulo improvisou um plano B: o Cartuxa branco de 2008.  ”Tem um aroma de recorte clássico e o volume e textura necessários para acompanhar um prato de bacalhau”, dixit.

Fazer um guia com notas de prova de quatro mil vinhos não é brincadeira. A empreitada começa a 15 de Maio e até 15 de Agosto ele não faz mais nada – nem sequer escreve para Revista de Vinhos, apenas mantém a coluna do Expresso. A disciplina é rigorosa. De manhã começa a provar brancos, depois passa para os tintos e fecha com Portos antes do almoço, em que não bebe álcool. Faz uma sesta e à tarde recomeça com um lote de brancos, fechando o dia com tintos. Ao jantar permite-se uma cerveja. 

A esmagadora maioria das provas fá-las nas adegas cooperativas, para onde os produtores mandam duas garrafas de cada vinho -  a segunda previne a hipótese de haver problemas com a rolha provocados por um fungo que está a ser combatido com sucesso. Nas quatro mil garrafas provadas por João Paulo, apenas cinco vinhos sabiam a rolha.

As coisas mudaram muito desde que ele começou a fazer o guia, em 1994, com 900 vinhos provados e três mil exemplares vendidos. A editora (Dom Quixote) é a mesma mas mudou de mãos. O modus operandi mudou radicalmente. Da primeira vez optou por provar os vinhos em casa e arrependeu-se. O apartamento ficou virado de pernas para o ar, deixou de haver espaço no frigorífico para os alimentos. Foi um inferno.

Mudaram mais coisas. O paradigma do vinho bom igual a vinho velho inverteu-se. Hoje o consumidor prefere vinhos novos, frescos e pujantes. E a ideia de que somos um país de tintos e não sabemos fazer brancos deixou de fazer sentido. “Temos brancos muito bons em várias regiões”, garante.

Passamos a beber menos (em 20 anos o consumo per capita caiu de mais de 90 litros/ano para menos de 50) mas melhor. A qualidade geral subiu imenso. “Nenhum dos quatro mil vinhos que provei era mau”, diz João Paulo, acautelando que isso não quer dizer que não os haja (“eu é que não os provei”) e acrescentando: “Uma das surpresas é a melhoria dos vinhos do Algarve”. Outra coisa que mudou foi o gosto pelo vinho, que passou a ser um elemento e conversa e socialização.

“Não gostar ou não perceber de vinhos passou a ser mal visto”, conclui João Paulo, que no seu apartamento em Benfica, com as telas da mulher (que dá aulas de música e pinta) encostadas à parede e caixas de vinhos espalhadas pelos corredores (“só me falta ter vinho debaixo da cama”), mantém uma garrafeira de três mil garrafas, que gere com alguma eficiência: “Esforço-me por manter actualizada a lista dos vinhos que têm de ser bebidos”.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

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Panorama (Sheraton Lisboa)

Rua Latino Coelho 1, Lisboa

2 menus executivos … 94,00

Cartuxa branco 2008 … 24,00

Vitalis 1 litro … 4,50

2 cafés … 8,00

Total… 130,50 euros

 

 

Curiosidades

 

João Paulo não era um homem de champanhes, mas mudou de ideias. “Agora estou como diz o David Lopes Ramos. Se pudesse bebia uma garrafa de Cristal Roederer todos os dias”, diz o critioa que considera os espumantes da Murganheira bem melhores que os Moet et Chandon correntes

 

O problema essencial do vinho português não é a qualidade, mas sim a imagem. “Tirando o Porto, apenas o Douro começa a ter imagem. Os Douro Boys fizeram um bom trabalho e os vinhos de mesa do Douro estão a entrar muito bem no Brasil, Inglaterra e Estados Unidos. São feitos a partir de vinhas velhas, pisados em lagar e produzidos pelos métodos tradicionais com castas originais, com nomes como Tinta Francisca e Touriga Nacional que eles têm dificuldade em pronunciar. O Douro tem história e a sua geografia, com terroirs muito diferentes oferece uma grande diversidade de vinhos”

 

O Mateus Rosé, o vinho português mais vendido em todo o Mundo, agrada a João Paulo Martins. “É um vinho muito bem feito que consegue manter a sua frescura ao longo do ano, porque a Sogrape usa uma técnica de manter o mosto parado nas cubas, como que adormecido, e vai fazendo a fermentação ao longo do ano, à medida que chegam as encomendas. Nos meus cursos, quando faço provas cegas em copos pretos, as pessoas vencem o preconceito e depois de o provarem identificam-no como um vinho branco muito agradável”   

Miguel Reino

Filho de um alfaiate, ganhou os primeiros dinheiros com 13 anos ao balcão da Farmácia Miranda.  Aos 16, começou a trabalhar no Papagaio de Carriche, o restaurante do tio António. Aos 18, foi para o Brasil ter com o irmão João. Demorou-se um ano a pesar ouro e diamantes até se formar como chef  com os melhores cozinheiros franceses nos mais afamados hotéis do Rio. Estava feliz em Búzios, quando Bernardo, o irmão mais velho, precisou de ajuda para abrir um restaurante na Quinta do Lago. Ele e João meteram-se num barco e atravessaram o Atlântico à vela. A história resumida da vida extraordinária de um Jack Kerouac da cozinha

 

O Jack Kerouac da cozinha

que deitou âncora no Chiado

 

 

Nome:  Miguel Reino

Idade: 48 anos

O que faz: Chef de cozinha e dono do restaurante Aqui Há Peixe (R. Trindade 18 A, Lisboa)

Formação: Frequência do curso Hotelaria e cozinha da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro

Família:  Casado com Mafalda, uma portuguesa que conheceu no Rio (e que no restaurante se ocupa de dois pelouros estratégicos – a caixa e os doces), de quem tem três filhos, Marina, 20 anos, que estuda Comunicação, Filipe, 16 anos, e Martinho, 11 anos, um ás do skate

Casa:  Andar na rua António Enes, em frente à Embaixada de Israel em Lisboa – “segurança não falta”

Carro:  Tem um Honda Accord e um Fiat Cinquecento, dos originais (“comprei-o por 500 euros e nunca me deu problemas”), mas usa-os pouco, poeque de dia anda de mota (Honda PCX) e à noite de táxi

Telemóvel: Blackberry

Portátil:  Mac Pro, “fartei-me da Microsoft, agora só quero Mac”

Hóbis:  Velejar e fazer fotografia (tem duas Leicas)   

Férias: Passam sempre uma semana no Algarve, em casa do irmão mais velho (Bernardo, aka Gigi). Este ano alugaram um barco em Palma da Maiorca e foram até Ibiza. Para o o ano planeiam voltar a fazer praia em Formentera

Regras de ouro: “Honestidade, humildade e qualidade”

 

Ter ficado órfão de mãe aos dois anos não é com toda a certeza um factor estranho à vida extraordinária e aventurosa que tem levado Miguel, o mais novo dos quatro irmãos Reino, nascido no Campo Pequeno, filho de Manuel, um alfaiate beirão com raízes na Aldeia da Ponte, povoação raiana que fica a pouco mais de um tiro de distância de Fuentes d’Oñoro, onde o IP5 desagua em Espanha.

“O pai tinha boa mão para a cozinha, para as sopas, os arrozes, o peixe frito. Apresentava-nos um prato diferente todos os dias. Nunca repetia”, recorda Miguel, cuja traquinice marcaria a adolescência. Aos onze anos, estava de férias na aldeia, e partiu as pernas ao cair desamparado do 1º andar. Foi sendo submetido a uma dúzia de operações, com óbvio prejuízo para o seu aproveitamento escolar. “Chumbei várias vezes”.

Ganhou os primeiros escudos aos 13 anos, dando uma ajuda ao balcão da Farmácia Miranda, mas o que o atraía era o laboratório das traseiras onde se manipulavam os medicamentos. Caprichou o destino que ele usaria o branco, mas a jaleca de cozinheiro e não a bata de farmacêutico, e que manipularia ingredientes – mas alimentos e não químicos.

A vocação revelou-se aos 16 anos, quando foi trabalhar para o Papagaio de Carriche, o restaurante do tio António, onde servia à mesa com uma simpatia que rendia (“o tio pagava-me 600 escudos/mês mas eu tirava um conto e 200 só em gorjetas”). Mas nem olhou para trás quando João (o irmão mais próximo dele, pois Bernardo, aka Gigi, é o mais velho), que em 75 emigrara para Rio de Janeiro, o desafiou-o a ir ter com ele.

No Brasil, a sua primeira ocupação foi pesar ouro e diamantes, vindos do garimpo no Mato Grosso, por conta de uma empresa de mineração em que o irmão tinha interesses. Um ano volvido, meteu-se a aprender a cozinhar à séria para poder tomar conta do restaurante de uma pousada que João comprara em Búzios. Após um primeiro estágio com o chef Claude Troigros no Le Petit Truc, passou pelas cozinhas do Sheraton e do Rio Palace, completando a formação na Universidade Estácio de Sá.  

Levou uma vida boa a velejar em Búzios e cozinhar no Adamastor (assim se chamava o restaurante da pousada) até que Bernardo resolveu arquivar a carreira de corretor de seguros e abrir na Quinta do Lago o que seria o célebre Gigi.

João e Miguel meteram-se num veleiro e atravessaram o Atlântico (“cozinhei uma feijoada à brasileira para comemorar a passagem do Equador”) para ajudarem o mano mais velho a montar o restaurante . “O João tratava da caixa, o Bernardo era o Relações Públicas, e eu ocupava-me da cozinha”.

De então para cá, nunca mais parou. Sofreu um choque térmico quando se estabeleceu com um restaurante na Várzea de Sintra. Teve uma loja de crepes no Cascaishopping. Começou a viciar-nos numa novidade chamada picanha a partir de uma casa nas Janelas Verdes. Foi para a Comporta onde se demorou até considerar descabida a renda que lhe pediam. Ainda torceu o nariz a uma oportunidade que lhe ofereceram no Nordeste brasileiro, antes de passar um mês e meio a sofrer com o frio (“para gelar uma garrafa bastava pô-la cinco minutos cá fora”) em Cortina d’Ampezzo.

Após uma volta a Europa a bordo de auto-caravana, decidiu deitar âncora em Lisboa e abrir o Aqui Há Peixe, no Chiado.“ Só preciso de tachos, lume e matéria prima. Após 30 anos fora, estou a adorar estar em Lisboa. O que vou fazer a seguir? Sei lá! Eu sou um cigano”, conclui.

 

Jorge Fiel

 

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

O cágado Mendonça em cima de uma árvore

“A quem não sabe quecar até os testículos atrapalham” é a frase (traduzida para português de Lisboa) que o meu amigo Abílio (nome fictício) usa para comentar casos de incompetência grotesca como o que está em cartaz nas Scuts do Norte.

Depois de termos dado cartas com a invenção da Via Verde, voltamos a surpreender ao implantar aquilo que o El Mundo classifica como “o mais caro e caótico sistema de portagens do mundo”.

António Mendonça é a cara desta paródia patética que consiste em tentar sacar, até ao final do ano, uns milhões (53 milhões, na visão optimista de Almerindo, 15, na previsão mais prudente do secretário de Estado Paulo Campos) aos parolos do Norte que usam auto-estradas do Grande Porto, Costa de Prata ou Norte Litoral – a célebre A28 que passa a ser a mais cara de todo o país.   

Não obstante ter um ligeiro ar de secretário de Estado, este Mendonça até parecia simpático, mas as aparência iludem e apesar de estreante aprendeu depressa que a vocação de um político de carreira é fazer de cada solução um problema.

O plano para cobrar portagens no Norte é um hieróglifo indecifrável e tão imbecilmente sublime que a sua única coerência reside no facto de nada daquilo fazer sentido.

Estou a pensar, por exemplo, na argumentação de invocar o interesse nacional para desobedecer ao Tribunal Central Administrativo do Norte, que aceitou a providência cautelar interposta pelos municípios da Maia e vale do Sousa.

Estou a pensar, também, na dispensa do parecer prévio da Comissão Nacional de Protecção de Dados,  obrigatória quando se está a fotografar matrículas.

Estou a pensar, ainda, no autismo de obrigar um galego a gastar 77 euros para vir ao Porto -  ignorando a importância da Galiza na economia da região – o espanhol é a língua mais falada ao fim de semana no Ikea de Matosinhos e no Factory de Vila do Conde, 420 mil galegos usam anualmente o aeroporto Sá Carneiro, uma das principais portas de saída (a par do porto de Leixões) das roupas da Zara.

Estou a pensar, por último, na balbúrdia que envolve a venda dos identificadores, na discriminação do Norte e na resposta mal educada que o ministério deu quando o presidente do Eixo Atlântico pediu informações – mandou-o ligar para um call center.

Ao não chumbar o diploma que gerou este aborto, o PSD tornou-se cúmplice nesta palhaçada. Apesar disso, Rui Rio esteve bem (até os relógios parados dão a hora certa duas vezes por dia) quando pediu a demissão do ministro. Mas não podemos esquecer a sabedoria do provérbio umbundo: “Se vires um cágado em cima de uma árvore, foi porque alguém o pôs lá”. E todos sabemos quem pôs o cágado Mendonça empoleirado no ministério.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

Tiago Ribeiro

 

Tiago Ribeiro, 36 anos, é responsável pela SAD do Estoril Praia e director da operação europeia da Traffic, um grupo brasileiro presente em todas as esferas do negócio futebol. Antigo basquetebolista, fanático pelo Palmeiras e neto de um agricultor transmontano, nasceu em S. Paulo, viveu em Oxford (onde se tornou fluente em inglês). Regressou ao Brasil para cursar Direito na Pontifícia, após o que voltou à Europa para fazer um mestrado e trabalhar em Paris. Agora, este nómada deitou âncora em Cascais onde tem uma missão: levar os canarinhos do Estoril de volta à primeira divisão 

 

Foi preciso verificar-se um estranho alinhamento daqueles acasos em que a vida é fértil para que Tiago Ribeiro (adepto doente do Palmeiras, advogado formado na Pontifícia de S. Paulo e pós graduado em Direito Desportivo em Paris), esteja instalado num gabinete junto ao Estádio António Coimbra da Mota, a comandar a SAD do Estoril na viagem de regresso à primeira liga – onde ele quer desembarcar já na próxima época.

Uma espécie de “cherchez la femme” de pernas para o ar (trocou a namorada parisiense por uma paulista), um casamento com o império Traffic Sports adiado mas finalmente realizado, e uma tragédia familiar são os principais ingredientes da história que deu uma volta de quase 360º na vida deste brasileiro nómada, cujas raízes transmontanas lhe dão o direito a usar o passaporte português.

Há exactamente sete anos, Tiago estava finalmente confortavelmente instalado no sofá da vida. Tinha 29 anos, habitava em Paris, tinha uma namorada francesa, com quem passava fins-de-semana na neve, e um emprego novinho em folha e excitante no Comité Organizador dos Mundiais de Atletismo de 2003 - quando o telefone lhe deu a maldita notícia: a irmã morrera prematuramente, com 24 anos, num acidente de viação.

Antes de atravessar o Atlântico para se juntar à família em S. Paulo, foi só marcar a passagem aérea e fazer as malas. Este regresso ao Brasil, acabou por determinar o resto da sua vida. Num jantar, conheceu a irmã da namorada do seu melhor amigo e foi coup de foudre. Nunca mais se largaram. Ele ainda voltou para Paris, onde se demorou apenas o tempo indispensável para romper com a fiancée francesa, empacotar os seus activos, despedir-se do emprego e apresentar a monografia final do mestrado em Direito Desportivo.

Tiago nasceu em 1974, numa família de origens mistas (portuguesa e italiana), que sempre honrou a costela lusitana  (na Páscoa havia sempre na mesa alheiras e bacalhau com fartura) que tem a origem directa no avô, José Lobo Ribeiro, um agricultor de Nogueira, Trás os Montes, que aos 16 anos resolveu deitar para trás da costas a miserável escravidão da terra e aventurar-se a fazer fortuna no país da árvore das patacas.

Como nove em cada dez portugueses emigrados no Brasil, o avô abriu uma padaria, início de um negócio que rapidamente prosperou, alargando-se ao fabrico de farelo, macarrão e outras pastas, talvez por influência da italiana com que casou. “A padaria do avô chamava-se O Garoto e era famosa em S. Paulo, pois foi a primeira a fazer entrega ao domicílio”, recorda o neto, que cresceu num lar onde as simpatias clubisticas se dividiam simetricamente entre o Corinthians e o Palmeiras.

Neste campo ele puxou ao pai, José Luis Franchini Ribeiro, que está agora aposentado após ter sido director da Globo durante mais de 30 anos. “Eu era fanático pelo Palmeiras. Chegou a ser doença, ao ponto de perder o sono e doer a barriga”, recorda o primeiro responsável pela SAD do Estoril Praia e director geral da Traffic Sports Europe, que em 1999 viajou até ao outro lado do mundo para assistir, no Estádio Olímpico de Tóquio, à derrota por 1-0 (golo de Roy Keane, aos 35 minutos) do seu Palmeiras, treinado por Scolari, frente a um Manchester United de Alex Ferguson, onde brilhavam David Beckham e Ryan Giggs.

O ponta de lança Jorginho, alcunhado de Cantinflas, foi um dos ídolos maiores de uma infância e adolescência marcadas pela míngua de títulos do seu Verdão, que depois de ter ganho o título paulista em 1976, tinha ele dois anos, só voltou a triunfar em 93, mas logo em dose dupla (foi bicampeão. “O Corinthians de Rivelino era muito forte”, reconhece, desfiando de seguida o nome de alguns dos craques do Palmeiras que lhe ficaram tatuados na memória – Evair, Edmundo, César Sampaio ….

Adorava desporto, mas não se contentou em ser apenas torcedor. Como era alto em criança, foi atraído pelo basquetebol, jogando a pivô em dois times: o Apolo Sports e o Cotia, até que aos 18 anos parou o crescimento e o seu 1m85 se revelou curto demais não só para a posição que ocupava em campo mas até mesmo para a modalidade.

Além disso, o basquetebol no Brasil não pagava e ele tinha de pensar no futuro. Influenciado pelas fitas de Indiana Jones, ainda sonhou tornar-se arqueólogo, devaneio que cedo esqueceu.

À sua decisão de ir para Direito não foi estranho o avô materno, ex-secretário de Estado de Jânio Quadros e uma figura marcante que lutou em 1932 na Revolução Paulista e integrou o Corpo Expedicionário Brasileiro que durante a II Guerra Mundial se cobriu de glória em Itália, em duras batalhas como Monte Casino.

Antes de começar o curso de Direito na Pontifícia Universidade de S. Paulo (PUC), houve tempo para se revelar o seu feitio nómada. Atravessou pela primeira vez o Atlântico, demorando-se quatro meses em Oxford.

Assim que se sentiu fluente em inglês, pegou na mochila, atravessou o canal da Mancha e vagabundeou pela Europa num périplo que o trouxe pela primeira vez a uma Lisboa (onde se aboletou em casa de Mário Prata, um amigo do pai da Globo que andava por cá a escrever novelas para a SIC) que em 1992 vivia as delícias da abertura do mercado único europeu e a prosperidade cavaquista financiada pelo Euromilhões de Bruxelas.

Apesar de não ser marrão (“Nunca fui muito de estudar, mas aprendo rápido e sempre fui bom de argumentação”), fez o curso com uma perna às costas, enquanto ganhava experiência, levando petições e trazendo formulários, e uns magros trocos (“o que eu ganhava não dava para pagar o estacionamento”) trabalhando em part time em escritórios de advogados.

Concluído o curso, em 1997, inscreveu-se na Ordem e começou a exercer num pequeno escritório artesanal, que sobrevivia de avenças de restaurantes e supermercados, numa rotina que lhe desagradava e apenas aguentou durante um ano e pico.

Na passagem do milénio já o encontramos em Paris a fazer um curso de especialização na área do Direito, parcialmente financiado por aulas de português que dava a quadros da Renault destacados para montarem uma fábrica de automóveis no Brasil – e por uns ganchos em feiras.

O primeiro clique decisivo na sua cabeça deu-se durante uma prova oral do curso. Ao vê-lo indeciso, a hesitar muito antes de lhe responder à pergunta sobre o que iria fazer a seguir, o professor colocou-lhe uma nova questão: “De que é que gosta?”.

A resposta era simples. Tiago ama o desporto. “Sou aquele tipo que se às três da manhã estiver a fazer zapping e tropeçar num torneio de badminton fica a assistir até ao fim”, explica. O passo seguinte foi conseguir ser o único estrangeiro a ser admitido no melhor mestrado de Direito e Economia do Desporto existente em França– que estava a concluir quando recebeu a notícia brutal da morte da irmã.

A readaptação ao Brasil não foi fácil. O pai proporcionou-lhe um almoço no Pandorô, em S. Paulo, com J.Hawilla, o dono da Traffic (que já era a principal empresa de marketing desportivo do Brasil, se bem que ainda não se dedicasse à transferência de futebolistas nem fosse proprietária de clubes) e seu velho amigo dos gloriosos tempos da Rede Globo. Mas a refeição não acabou a rimar com contratação.

Tiago estudou a legislação e regulamentação desportiva brasileira, antes de se lançar numa aventura empresarial, em parceria com o amigo Dinis Oliveira, a Usina do Esporte, firma que apostou no agenciamento de jovens futebolistas, mas cuja maior sucesso foi negociar a entrega a um tubarão dos direitos que tinha sobre Márcio Azevedo.

“O agenciamento de jogadores é uma área muito complicada no Brasil. Ou se tem dinheiro para investir ou se chafurda na lama”, declara Tiago, que era fluente em espanhol, italiano, francês e inglês, conhecia de cor a legislação e regulamentos desportivos de diversos países – mas não tinha os bolsos suficientemente fundos nem estava disposto a sujar-se na lama.

Farto de dar com os burrinhos na água, em 2007, o ano que nasceu o seu filho Leonardo, decidiu que era a hora de dar um basta. Estava já com a água pelo nariz, quando um amigo o levou para uma empresa do grupo Traffic, onde as suas qualidades eram necessárias e apreciadas. 

Não chegou a aquecer o lugar no Brasil. O grupo fundado por J. Hawilla, que já tinha um pé nos Estados Unidos (onde é dono do Miami FC), queria estabelecer em Portugal uma testa de ponte para a sua actividade na Europa e quem melhor que Tiago, neto de um transmontano, para enviar com esta missão para este lado do Atlântico?

A Traffic ainda olhou para o Boavista e para o Belenenses, antes de decidir apostar as suas fichas no Estoril. A desvantagem de estar na 2º liga era compensada pelo facto de se tratar de uma SAD controlada por uma empresa (a João Lagos) e não por um clube ou município.

Tiago Ribeiro entrou com cuidado, fazendo um contrato de gestão da equipa de futebol durante duas épocas, com opção de compra. Os primeiros tempos foram complicados. “O ano passado iniciamos a pré-época com cinco jogadores…”, recorda. Apesar da época de estreia ter sido atribulada (o Estoril acabou em 11º mas esteve em riscos de descer), a Traffic resolveu exercer a opção de compra.

Esta época, o início está a ser bem mais risonho. Sob o comando de Vinicius Eutrópio (que enquanto técnico passou pelo Atlético Paranense, Fluminense, Ituano e Grémio Prudente) e reforçado por futebolistas da carteira da Traffic (como Paulo Sérgio, ex-Flamengo, Jefferson, ex-Palmeiras, ou Tony Taylor, ex-Miami), o Estoril Praia está no 2º lugar da Liga Orangina ao cabo de quatro jornadas.

“Viemos para ficar. Ainda há muito trabalho a fazer. Temos de estabelecer boas relações com o clube e começar a absorver jogadores da sua formação. Este ano estamos com uma assistência média de 600 pessoas, que é o dobro do ano passado, mas cada jogo ainda é prejuízo. Não temos o apoio da autarquia e estamos a estabelecer os laços com a comunidade. Mas não desistiremos. Viemos para ficar”, diz a concluir este paulista que se declara português, faz questão de notar que o Estoril joga com tantos portugueses como o Benfica e não tem mais brasileiros que o Braga ou o Maritimo – e está convencido que no final da época o seu Estoril está de regresso aos grandes.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada em O Jogo

Connie Morrissey e Pedro Ruiz

Na origem da VivaFit, a maior rede de ginásios do país – só para mulheres e com um inovador conceito de treino baseado em três voltas a um circuito de doze máquinas -, está o encontro acidental, num dia chuvoso, na carruagem bar do comboio Alicante-Madrid, entre Constance, uma jovem e atraente americana de Washington DC, e Pedro, um engenheiro naval luso-espanhol nascido em Paris, que fora à terra do torrão fazer um exame de mergulho.

Foi há exactamente 20 anos. Constance Morrissey (Connie para os amigos), 43 anos, estava em Madrid a aperfeiçoar o espanhol, após ter concluído o curso de Comunicação e Gerontologia. Naquele fim de semana viajara com uma amiga até ao sul para fazer praia – planos frustrados pela chuva, o que lhe lembrou a frase chave de My Fair Lady (The rain in Spain falls mainly in the plain). Como não tinham lugar no compartimento (a Renfe tem destas coisas) resolveram fazer a viagem na carruagem bar, onde conheceu Pedro. Nunca mais se largaram.

Quando ela regressou ao outro lado do Atlântico, o namoro continuou por correspondência (“Ele escrevia-me cartas muito bonitas”, revela Connie num português correcto, falado com um sotaque engraçado), mas não demorou até darem o nó em Washington, em 1993, onde apenas viveram seis meses. A recessão americana, que negava empregos e oportunidades,  enxotou-os de volta à Península Ibérica.

Pedro Ruiz, 52 anos, é o segundo de sete filhos do matrimónio entre um antiquário madrileno e uma mulher que fazia questão de dar à luz em Paris, para aumentar a herança dos filhos com um passaporte francês. Tinha dez anos, quando o pai resolveu viver a reforma na Malveira da Serra. O português sem ponta de sotaque com que se expressa é a melhor prova de que cresceu do lado de cá da fronteira, onde se licenciou no Técnico, que lhe abriu as portas da Setenave.

Mas antes deste seu primeiro emprego como engenheiro, ele já tinha virado muitos frangos. Começou a ganhar os seus primeiros dinheiros a vender Bíblias em Málaga. Depois foi nadador salvador, barman, deu aulas de francês e professor de windsurf.

Escolheram almoçarmos no Restaurante do Lago, no Lagoas Park (Oeiras) onde têm montado o quartel general da VivaFit desenvolvida, uma rede de ginásios desenvolvida em franchising e que é um extraordinário caso de sucesso. No ecrã do seu computador, de onde controla tudo quanto se passa nos 113 ginásios frequentados por 40 mil sócias, Pedro confirma os números. O volume de negócios cresceu 25%, situando-se nuns invejáveis 14 milhões de euros/ano.

A ideia foi da Connie, que instalada num país estranho, começou por dar aulas de inglês. Um curso de aeróbica tirado durante umas férias nos States foi o abre-te Sésamo para a equipa que arrancou com o Holmes Place, abrindo o seu primeiro health club na Quinta da Fonte, do outro lado da A5.

Como não são do tipo de se deixarem acomodar, arriscaram em adaptar ao nosso mercado um novo conceito de ginásios que começava a fazer sucesso nos EUA – só para mulheres, low cost (a mensalidade base é de 39,90 euros), não muito exigentes em espaço (160 m2 chegam), e com um treino fácil e flexível, em sessões contínuas. A sócia chega, ocupa uma máquina livre, e animada e orientada por uma instrutora cumpre o plano de exercícios dando três voltas a doze máquinas.

“São ginásios para mulheres que não estavam habituadas a fazer exercício. Sem homens por perto, não se sentem intimidadas se forem um bocado descoordenadas e estão à vontade para tirarem as medidas e compararem o peso e centímetros que estão a perder”, explica Connie.

A coisa demorou a levantar voo. Escolheram mal a localização do primeiro ginásio (o Windlake, em Oeiras) e demoraram a acertar com lay out, iluminação e imagem. “Estivemos ano e meio a perder dinheiro. Disseram-nos que nós éramos malucos. Mas nunca duvidamos de que estávamos no caminho certo”, concluiu Pedro, que já vendeu o master franchising para Índia e está a negociar a exportação do conceito para outros países europeus e árabes.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

Menu

Restaurante do Lago

Lagoas Park, Porto Salvo, Oeiras

Pão … 4,20

Bruxas … 36,00

Sopa … 2,00

Robalo … 72,00

Entradas … 17,00

D. Maria 2003 tinto … 18,00

Água … 3,80

Manga … 4,50

Café …3,75

Total… 161,25 euros

 

Curiosidades

 

Pedro tinha dez anos, quando o pai, que não esquecera os horrores da sangrenta guerra civil espanhola, resolveu vender o seu negócio de antiquário em Madrid, aposentar-se e instalar-se numa casa da Malveira da Serra, para poupar a família às confusões que previa iriam sublinhar o inevitável fim do franquismo. As contas saíram-lhe furadas. Pouco depois de chegar, Salazar morreu. E a transição para a democracia em Espanha foi bem mais suave do que do lado de cá da fronteira, pelo que no Verão Quente tiveram de se refugiar em Málaga. Regressaram em 1976, quando as coisas por cá acalmaram

 

Tal como Connie, Pedro é irrequieto e empreendedor. Quando soube que dezenas de milhar de oliveiras, centenárias e milenares, iam ser submersas pela barragem do Alqueva, logo tratou de as comprar, transplantar e vender. Um negócio muito lucrativo. E nas vésperas da Expo 98, o casal Ruiz investiu, em parceria com Beatriz Rubio e Manuel Alvarez (os donos da ReMax Portugal), num parque de campismo em Alcochete para albergar os turistas de visita à exposição de Lisboa

 

Pedro e Connie estão satisfeitos por a média da frequência dos ginásios VivaFit (duas vezes por semana) ser superior à da indústria (1,78). “A nossa guerra é para elas virem e terem resultados”, diz Connie. As sócias recebem prémios (toalhas, T-Shirts, garrafas de águas, etc) sempre que alcançam os resultados, perdendo peso e centímetros 

 

João Simões

 

O curso de Gestão foi feito no ISEG. A pós graduação completou-a durante os cinco anos em que esteve na KPMG. Mas a verdadeira iniciação ao marketing e gestão aconteceu no Verão de 93 quando passou as férias grandes a carregar malas de turistas num hotel em Albufeira e conseguia triplicar o salário com gorjetas usando um método pessoal  elaborado a partir da teoria dos pescoços gordos. Uma breve história da vida do director geral da Grunenthal Portugal, um homem poupado que sempre gostou de andar depressa

 

 

O bell boy que sofisticou

a teoria dos pescoços gordos

 

Nome:  João Simões

Idade: 34 anos

O que faz: Director geral da Grunenthal Portugal

Formação: Licenciado em Gestão pelo ISEG (1998)

Família:  Casado com uma consultora da PWC, de quem tem um filho (o Manuel, que tem dois anos)

Casa:  Andar no Lumiar, em frente à Quinta das Conchas (onde sempre que pode passa uns tempos de qualidade com o miúdo)

Carro:  Audi AG

Telemóvel:  HTC

Portátil:  Dell

Hóbis:  Gosta de correr, de jogar à bola com os amigos, de grandes almoços em família, e de viajar para destinos tão diferentes e longínquos como Tailândia ou Moçambique   

Férias: A rotina é fazerem todos os anos uma viagem pela Europa e outra intercontinental. No Verão, o habitual é fazerem praia entre Tróia e Albufeira (onde vivem agora os pais dele). Este ano estiveram em Porto Santo

Regras de ouro: “Há uma frase de Peter Drucker que encaixa como uma luva na minha maneira de ser e estar: a melhor forma de prever o futuro é criá-lo”

 

No Verão de 1993, tinha ele 17 anos e carregava malas no Alfamar, em Albufeira, quando sofisticou a teoria dos pescoços gordos, o que não só foi proveitoso em termos de rendimento (“o hotel pagava-me o salário mínimo, mas eu ganhava o dobro em gorjetas”) mas também revelador das suas extraordinárias capacidades de marketeer que lhe viriam a proporcionar uma rápida ascensão na carreira profissional.

Era duro o trabalho de bell boy, porque à época as malas com rodinhas eram uma excepção, não a regra, e porque não raro tinha de transportar baús com mais de 20 quilos para estúdios no 3º andar, em edifícios sem elevador, distantes da recepção.

A teoria dos pescoços gordos tem um fundamento simples – os alemães mais gordos, de 40 ou 50 anos, bem na vida, dão mais gorjetas que os outros. Mas ele inovou em cima desta teoria baseada no princípio da segmentação, acrescentando-lhe o relacionamento. Enquanto transportava as malas de cara alegre, ia conversando com o cliente, dando-lhe dicas e pondo-se à sua disposição para tudo quanto melhorasse as suas férias algarvias.  “Criava no cliente a vontade de dar a gorjeta – não a obrigação”, conta João, reconhecendo que esta experiência o ajudou muito a desembrulhar-se no mercado do trabalho.

Filho de um bancário e de uma farmacêutica, João fez-se homem em Faro, onde o pai foi colocado com director regional do BPA quando ele tinha 11 anos. Na hora de escolher o curso, hesitou entre seguir o caminho do pai (Economia) ou da mãe (Farmácia) antes de resolver ir para Gestão.

Desde miúdo que se habituou a ganhar e gerir o seu dinheiro. Os pais davam-lhe prémios pecuniários por ele arrumar o quarto e aspirar a casa. Aos 14 anos abriu a primeira conta no banco, que ainda existe, pois ele sempre foi um rapaz poupado. “Guardei esse dinheiro até aos dias de hoje. Não lhe mexo. É uma reserva moral”, explica.

No final do curso, feito no ISEG, recebeu como prémio um Seat Ibiza todo artilhado (ele sempre gostou de andar depressa) e foi trabalhar para a KPMG. Estávamos em 1998, o ano da Expo de Lisboa. “Foi como se me tivesse saído a sorte grande. Ganhávamos clientes uns atrás dos outros. Progredíamos muito rápido porque havia caminho livre à frente”, recorda.

O trabalho na consultora, onde teve a Pfizer como primeiro cliente, marcou o reencontro com uma velha paixão (o sector farmacêutico). Por isso não espanta que, após cinco anos na KPMG, tenha agarrado com ambas as mãos o convite de um head hunter da Heidrick & Struggles para criar de raiz a área de controlo de gestão da subsidiária portuguesa da farmacêutica alemã Grunenthal. “Sempre gostei de responder a desafios. Não mudei para ganhar mais dinheiro. Não é isso que me faz mover”.

Nos seis anos que leva na Grunenthal Portugal, ocupou diversos lugares até chegar ao topo (ele sempre gostou de andar depressa), com apenas 33 anos, mas nunca perdeu de vista os ensinamentos do Verão de 93: segmentar (especializou-se no tratamento da dor) e criar boas relações com todos os stakeholders (trabalhadores, doentes, profissionais da saúde, escolas e ministério). “Sou transparente. Não escondo, nem minto e faço questão de envolver todas as pessoas nos processos. O objectivo do trabalho que fazemos com os nossos parceiros é melhorar o tratamento da dor em Portugal. O lucro não é o objectivo, mas sim a consequência”, conclui o gestor que sofisticou a teoria dos pescoços gordos.

 

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

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