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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Amândio Santos

 Não se fazem omeletas sem partir ovos. Esta verdade de hoje vai ser mentira, não amanhã, mas algures em meados do próximo ano, quando a Derovo começar a comercializar, com a marca Dovo, em super e hipers uma linha de produtos que nos vão poupar imenso tempo na cozinha.

Quer fazer um molotof? Compra só as claras. Doce de ovos? Adquire apenas as gemas. Abrimos um lata de atum, outra de feijão frade, adicionamos cebola picada e azeite e pensamos que um ovo cozido ficava a matar mas temos preguiça de sujar um tacho, esperar que a água ferva, o ovo fique uns bons dez minutos a cozer - e depois deixá-lo a estagiar em água fria, para a casca sair bem? Isso vai deixar de ser um problema, porque vão estar disponíveis ovos já cozidos descascados. E para saborear a gentil omeleta acabará a maçada de partir os ovos e batê-los com energia. Bastará compra o ovo líquido e derramá-lo na frigideira.

Deve dizer-se que a ideia inicial dos produtores de ovos do Vale do Vouga, Beira Litoral e Oeste, quando há 15 anos se associaram para criar a Derovo, não era facilitar a vida dos consumidores domésticos mas sim garantir a sobrevivência e escoamento da sua produção.

A industrialização da fileira revelou-se um sucesso tremendo e mensurável. Quando começou a laborar, em 1996, a fábrica do Pombal processava 120 mil ovos/dia. Hoje, o grupo Derovo transforma diariamente 3,8 milhões de ovos, em Portugal e Espanha (Astúrias), e tem em curso diversos investimentos no valor de 40 milhões em três projectos: uma fábrica de omeletas outra de sobremesas e um mega centro de produção de ovos.

“Praticamente, acabamos com as salmonelas, com a intoxicação alimentar no casamento por causa da maionese”, diz, com orgulho, Amândio Santos, 40 anos, o homem que organizou a fileira desde que a galinha põe o ovo até que ele aterra nos nossos pratos, assegurando pelo meio a segurança alimentar porque o ovo liquido ou em pó é pasteurizado, num choque térmico a 70º, durante 90 segundos, garantindo-lhe assim 28 dias de vida suplementar.

Natural do Pombal, onde bate o coração da Derovo, e filho de avicultores,  Amândio cresceu no meio de 2400 galinhas que punham diariamente dois mil ovos -  a exploração da família Santos, que não aguentou o embate da primeira vaga da industrialização do sector, que se seguiu à adesão de Portugal na CEE.

Amândio estudou, à noite, Contabilidade, em Aveiro, enquanto trabalhou na empresa que fazia a decoração das Pousadas de Portugal. Vendia janelas e escadas para sótãos quando os produtores de ovos o foram desinquietar.

A partir do zero, construiu o líder ibérico do sector e prepara-se para fechar a verticalização da sua actividade, de jusante (passando a vender também aos consumidores e não apenas à indústria alimentar) a montante – com o investimento no centro de produção de Proença-a-Nova onde um milhão de galinhas vão por ovos na estrita observância da nova legislação comunitária, que vela pelo bem estar das poedeiras.

“Vai ser uma espécie de resort para galinhas. Cada uma vai ter um espaço privativo de 750 cm2, areia para esgravatar, um ninho com aparas de madeira esterilizada e uma superfície de lima para desgaste das unhas”, conta Amândio. Com este investimento garante que não sofrerá solavancos na cadeia de abastecimento, já que as novas exigências da UE deverão dizimar muitas explorações – além de provocar um aumento de 30% no preço dos ovos.

Amândio escolheu almoçarmos no célebre Manjar do Marquês, à face da EN 1e o ponto de paragem obrigatória das camionetas que demoravam meia dúzia de horas a fazer o Porto-Lisboa, nos tempos gloriosos em que a A1 era uma miragem.

Num regresso ao passado, pedimos o menu tipo do camionista – arroz de tomate com filetes de pescada e panados de porco –, onde o ovo marcou presença, não só no revestimento do peixe e da carne, mas também nalgumas entradas (os bolos de bacalhau, por exemplo) e na sobremesa (leite creme). Como Amândio usa o restaurante como cantina, trata as empregados pelo nome e tem direito a um preço fixo de 15 euros por pessoa, independentemente do que come bebe – regalia de que beneficiámos.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

 

Menu

O Manjar do Marquês

EN1, km 151, Pombal

Entradas (Lulinhas, polvo, rojões, queijo fresco, bolos de bacalhau, etc)

Arroz de tomate

Filetes de pescada

Escalopes de porco panados

Esteva tinto

Leite creme

Manga

1 café

1 chá de camomila

Total:  30,00 euros

 

 

Curiosidades

 

Nós, os portugueses, consumimos 180 ovos/ano per capita, uma média bastante inferior à espanhola (290 ovos/ano) e à europeia (mais de 300 ovos). “É uma questão cultural. Para nós o ovo não é olhado como uma alternativa ao peixe ou à carne. Só pedimos uma omeleta quando decidimos comer uma coisa leve”, lamenta Amândio

 

A Derovo (que este ano vai facturar 55 milhões de euros) está a desenvolver, em parceria com a Universidade do Minho, um protótipo de ovo estrelado pasteurizado, que depois de comprado bastará aquecer no micro-ondas

 

O prato de ovo preferido de Amândio Santos é a omeleta com salsa e cebola

 

Isabel Marrana

 

A primeira mulher a sentar-se à mesa do célebre almoço das 4ª feiras na Feitoria Inglesa, é a mais nova dos cinco filhos resultantes do matrimónio entre um sobrinho de Amadeu Sousa Cardozo com a filha de um coronel de Braga. Rapariga prática, pragmática e cheia de genica, fez o curso de Direito antes de desembarcar, há cerca de um quarto de século, no universo conservador e tradicionalmente masculino do Vinho do Porto

 

 

A miúda que não tinha mesada

e preferia executar a sonhar

 

 

Idade: 46 anos  

O que faz: Directora executiva da AEVP (Associação das Empresas de Vinho do Porto)

Formação: Curso de Direito na Católica do Porto (1986), onde fez também uma pós-graduação em Economia Internacional

Família:  Casada com Rui, professor de Direito Comuniário, de quem teve quatro filhos: Rui Maria, 19 anos (anda em Engenharia Civil), Francisco Xavier, 17 anos (anda no 12º), Sofia, 16 anos (anda no 11º) e Tomás de Aquino, 11 anos. “Só demorei uma semana em casa por cada filho. Não aproveitar as licenças de parto foi a única maneira de constituir família e manter-me num lugar como o meu, no coração de um sector”, explica

Casa:  Vivenda na zona do Pinheiro Manso (Porto)

Carro:  Volvo 90

Telemóvel: iPhone

Portátil:  Sony Vaio

Hóbis:  O trabalho não lhe deixa tempo para hóbis. Gosta muito de ler, mas só consegue fazê-lo de forma sistemática nas férias, ou em alguns dos fins de semana que passa com a família numa casa em Tábua, junto a Santa Comba Dão, que compraram e reconstruíram   

Férias: Por norma, repartem o Agosto entre Tábua e Moledo, onde fazem praia e alugam todos os anos uma casa por 15 dias. Há anos que anda cheia de vontade de ir à Índia, mas ainda não conseguiu arranjar tempo para essa viagem

Regra de ouro:”Fazer tudo bem feito. Já que se tem que fazer uma coisa, faz-se bem feito. Gosto muito de trabalhar e de ter uma vida levezinha, ou seja ser feliz com pequenas coisas - e com o que tenho”.

 

Um dos mais exclusivos almoços que há em Portugal é o que reúne, todas as 4ª feiras, à volta de uma mesa oval da Feitoria Inglesa, os representantes das casas de Vinho do Porto, que após a refeição bebem um tawny, para lavar a boca, levantam-se, atravessam a porta que dá acesso a uma sala rigorosamente igual aquela onde estiveram a comer, onde se sentam no mesmo lugar onde estavam e continuam a conversa sem que o cheiro da comida perturbe a degustação do vintage.

Foi preciso chegar ao século XXI para uma mulher participar pela primeira vez neste célebre almoço na Feitoria. A honra coube a Isabel, a jurista que dirige a Associação de Empresários do Vinho do Porto (AEVP) e conhece por dentro e por fora o sector onde trabalha há quase um quarto de século.

“Já trabalhei com quatro presidentes do Instituto do Vinho do Porto, seis da AEVP, dois da Casa do Douro e um número incontável de ministros. Conheço os protagonistas todos. Desde que aderimos à CEE há poucas coisas que eu não tenha vivido neste sector”, diz Isabel, a mais nova dos cinco filhos do matrimónio entre um engenheiro da Sacor, sobrinho de Amadeu Souza Cardoso, e Maria do Patrocínio, filha de um coronel de Braga.

Cresceu em frente à praia de Leça da Palmeira, perto da refinaria onde o pai trabalhava, e frequentou o Liceu de Matosinhos, onde foi boa aluna e logo revelou um enorme à vontade de expressão e relacionamento, bem como uma notável capacidade de adaptação, duas das mais relevantes características da sua personalidade.

“Não construo sonhos. Sou mais de executar do que sonhar”, afirma Isabel, que tanto podia ter ido para Letras como para Ciências e acabou, aos 16 anos, por inscrever-se em Direito, opção que não constitui uma fuga à Matemática: “Dava-me melhor com os números do que com as abstracções jurídicas, o que levou alguns professores a dizer que se calhar eu teria feito melhor em ir para Economia”.

A seguir a um curso feito sem percalços, o estágio (no escritório de Miguel Veiga) e uma pós graduação, começou a procurar o primeiro emprego a tempo inteiro, pois desde o liceu se habituara a ganhar o dinheiro para os seus alfinetes, primeiro dando explicações, depois trabalhando num consultório médico, porque o pai não dava mesadas aos filhos, limitando-se a atribuir recompensas em dinheiro quando um dos filhos trazia para casa uma nota superior a 15 valores.

Com a legislação comunitária a bater à porta, por causa da adesão de Portugal à CEE, o Instituto do Vinho do Porto, então presidido por Leopoldo Mourão, pôs um anúncio a procurar um jurista. Isabel respondeu e foi contratada, demorando-se dois anos pelo Instituto, até um head hunter a desafiar a ir trabalhar com Carlos Moreira da Silva, nos projectos multimédia da Sonae.

O emprego era atractivo e o salário excitante  - quatro vezes mais do que ela ganhava. Isabel teria mudado de vida se não se desse no entretanto o caso de ter vagado o lugar de director executivo da AEVP e dos amigos do  Instituto a terem convencido a candidatar-se, com o argumento “já que te vamos perder, ao menos que fiques no vinho do Porto”.

Apesar de se tratar de um sector conservador e do enorme rol de candidatos (todos homens), o presidente da AEVP, Manuel Pintão, teve a coragem de a escolher a ela. Sabia que estava a causar um pequeno escândalo, mas também estava consciente de que o Vinho do Porto precisava de abrir as janelas.  

Jorge Fiel

Esta matéria foi publicada hoje no Diário de Notícias

O grito do povo

O Grito do Povo era a marca de uma organização pró-chinesa que no ocaso do marcelismo estava bem implantada no Norte e era dirigida por Pedro Baptista, a quem a democracia não reservaria grande papel - ao invés do que aconteceu com o seu rival de então, Pacheco Pereira, que liderava um pequeno e insignificante grupúsculo da mesma obediência ideológica.

Após o 25 de Abril, o Grito do Povo integrou a UDP, conglomerado maoista que publicava a Voz do Povo (onde debutaram José Manuel Fernandes, ex-director do Público, e Henrique Monteiro, futuro ex-director do Expresso) e viria a juntar os trapinhos no Bloco de Esquerda com os seus velhos inimigos trotskistas.

Apesar de nunca ter navegado politicamente nas turvas águas do maoismo, sempre achei feliz a marca Grito do Povo, pois o grito é a expressão da dor física que sentimos quando o sofrimento moral se torna insuportável.

Por falar em gritos, este Verão tive o privilégio de visitar no Louisiana, um fabuloso museu nos arredores de Copenhaga, uma exposição que cruzava declinações feitas por Warhol de obras de Munch, entre as quais do Grito, o quadro ícone da dor, angústia e desespero.

O choro é sinónimo de resignação conformada. O grito é a lancinante e dramática exteriorização da indignação. A greve geral de ontem deve ser entendida como o grito de revolta de milhões de portugueses, que, fartos dos partidos que nos têm desgovernado, disseram que deve ser o Governo a trabalhar para os cidadãos - e não os cidadãos a alimentarem o Governo.

A Igreja não precisa de gritar, pois tem megafones para o seu porta voz Manuel Morujão nos avisar que “chegamos a esta crise por uma desonesta distribuição da riqueza”. Belém também não precisa de gritar, pois têm à disposição microfones que permitem a Cavaco alertar-nos para o facto de “todos os dias nos depararmos com casos de riqueza imerecida que nos chocam”.

No dia seguir ao grito do povo anónimo, o importante não é contar quantas gargantas gritaram, mas perceber que, infelizmente, para sairmos do buraco em que nos meteram, não podemos continuar a consumir como alemães, ganhar como espanhóis, produzir como marroquinos – e a sermos governados por gente a quem não compraríamos uma carro em segunda mão.

A verdade de sangue é que vai haver menos rendimento para gastar e mais dividas para pagar, menos crédito fácil e barato, menos investimento público, mais desemprego (com menos subsídios) e menos pensões. Para aceitarmos de cabeça levantada estes sacrifícios temos de, em contrapartida, olhar para o Governo e ver gente competente e honesta, justa a distribuir os nossos recursos e que não favoreça enriquecimentos lícitos. Será isso pedir muito?

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

Telmo Mourinho Baptista

Nós somos contadores de histórias. Apesar de não ter sido psicólogo, mas sim enfermeiro, Samora Machel tinha essa noção e por isso disse que “quem não sabe contar uma história é uma pessoa pobre”. “Nós somos contadores de histórias, desde que nascemos até que morremos. O elogio fúnebre é a última história. Contamos desde histórias pequenas, para explicar um atraso, até a grande história da nossa vida” confirma Telmo Mourinho Baptista, 51 anos, professor universitário de Psicologia que há 28 anos tem consultório aberto.

As quase três horas que durou o nosso almoço foram uma sucessão de histórias, subordinadas ao tema geral Afirmar o Psicólogo, a palavra de ordem do programa na base do qual Telmo foi eleito em Abril o primeiro bastonário da Ordem do dos Psicólogos, nascida após sete anos de persistentes esforços e que reúne mais de 17 mil psicólogos.

A escolha do Sessenta, na Tomás Ribeiro, tem uma história. A comissão pró-ordem funcionava ali ao lado, na Latino Coelho, a rua onde morava a mulher, que ele conheceu no Liceu Camões, que também foi frequentado pelos seus três filhos (um casal de gémeos, de 21 anos, e a mais nova de 15).  Na oferta do menu almoço, apenas convergimos nas bebidas:  dois copos de Seara d’Ordens (Douro) branco e dois cafés. Eu fui pelas pataniscas de bacalhau com arroz de feijão. Ele abriu com sopa e fechou com crepe de chocolate com gelado de nata uma refeição que teve como prato principal filetes de peixe gato gratinados com batata cozida e salada.

Nascido numa família de comerciantes de sementes de flores, que depois do almoço debatia as novidades que o DN trazia, com amigos e vizinhos, num café da praça do Chile, enquanto esperavam pela chegada do Popular, Telmo aproveitou o doutoramento para provar que o procedimento terapêutico para problemas relacionais, ansiedades e depressões deve ser entendido como um processo de narrativa. Observou mais de 30 casos, ao longo de séries de oito sessões, e concluindo que se pode avaliar se o bloqueio está a ser ultrapassado através da evolução da maneira como o paciente conta a história do seu problema.

Telmo trabalhou com timorenses, presos na sequência do massacre do cemitério de Santa Cruz, vítimas de tortura de uma violência indizível. A grande dificuldade que sentiu foi ajudá-los a contar a história do que lhes tinha acontecido. “Ajudamos as pessoas a perceberem e verbalizarem as suas emoções, a avançarem com a sua história, dizendo-a, elaborando-a e dando sentido ao sofrimento”, diz o bastonário, citando de cor Karen Blixen que escreveu: ”Todos os sofrimentos podem ser suportados se conseguirmos convertê-los numa história ou se contarmos uma história sobre eles”.

Para o fim do almoço ficaram as histórias dos grandes absurdos, o primeiro dos quais é o facto do Ministério de Educação não reconhecer aos psicólogos habilitação própria para darem aulas de Psicologia! O fraco uso que o país dá aos seus psicólogos é o outro grande absurdo que revolta o bastonário que conta uma história exemplar do investimento em prevenção: “Numa secundária de Lisboa, um colega fez um trabalho de despistagem de dislexia, identificou duas dúzias de alunos que sofriam desse problema, que pode ser muito melhorado com treino, trabalhou com eles e todos acabaram por passar de ano”.

“Portugal é um país muito rico porque temos os recursos e não os usamos. Agora fala-se muito em liderança e empreendedorismo. Isso também se ensina. Vamos ver o preço que custa não termos psicólogos em todas as escolas, centros de saúde, hospitais e empresas. Temos de aprender a lidar com o stress, de ensinar as pessoas a viverem com o factor incerteza que veio para ficar. Se eu detectar a tempo uma ansiedade grave, poupo sofrimento. Somos muito bons em e.gov, mas depois temos taxas gigantes de abstencionismo e abandono, a todos os níveis do ensino, desde o obrigatório até ao universitário”, conclui o bastonário, avisando que fazer remediação fica sempre muito mais caro do que investir em prevenção.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

Menu

Sessenta

Rua Tomás Ribeiro, 60 Lisboa

2 menu almoço (prato+café) 17,00 euros

1 sopa 1,50

2 copos Seara d'Ordens 7,50  

1 crepe de chocolate 1,50

Total 27,50 euros

 

 

Curiosidades

 

Há mais de 17 mil psicólogos inscritos na Ordem, a esmagadora maioria dos cerca de 20 mil que se calcula existam (a diferença explica-se pelos reformados e os que não exercem a profissão), um número que pode duplicar em dez anos, já que os 38 cursos de Psicologia existentes no país bombam todos os anos para o mercado aproximadamente dois mil novos licenciados. O bastonário, não imita o seu colega dos advogados, que apela aos estudantes para fugirem dos cursos de Direito, mas lá vai dizendo: “A formação superior é um benefício, mas temos de fazer as contas. A Itália, com 70 milhões de habitantes, tem 75 mil psicólogos. Os EUA têm 125 mil…”

 

Telmo é um estudioso da II Guerra Mundial e cita o caso de Viktor Frankl, um judeu que sobreviveu aos campos de concentração nazis, onde morreram o pai, a mãe, o irmão e a mulher que estava grávida. “Sobreviveram aquela barbárie os que conseguiram dar sentido à experiência. É preciso encontrar o sentido da vida para dar a resposta adequada a cada situação”, afirma

 

Telmo é não só fluente em inglês (deu aulas na UCLA) mas também em italiano e é apaixonado por tudo quando diz respeito a Itália. Passou as últimas férias com a família entre o Lago Como e Veneza, recorda o conjunto Marino Marini que povoou a sua infância, e é um fã dos filmes de Visconti e dos livros de Primo Levi e Italo Calvino

 

Miguel Mascarenhas

 

Desde miúdo que está atento às oportunidades de negócio. Aos seis anos, investia a mesada em bolas de pingue-pongue e chicletes, que revendia com lucro aos coleguinhas da Escola Alemã. Ainda adolescente, estabeleceu os seus primeiros domínios na Net, vendendo a anunciantes o tráfego gerado por sites de envio de SMS gratuitas. Aos 29 anos, dirige a FixeAds, que lidera o mercado português de leilões virtuais e de venda de automóveis usados online

 

O miúdo que aos seis anos

já vendia bolas de pingue-pongue

 

Nome:  Miguel Mascarenhas

Idade: 29 anos 

O que faz: Director e accionista da FixeAds

Formação: Falta-lhe uma cadeira para concluir o curso de Gestão na Católica

Família:  Solteiro

Casa:  Apartamento em Benfica, junto ao Califa

Carro:  Toyota Auris

Telemóvel: HTC com Android

Portátil:  Toshiba Satelitte Pro

Hóbis:  Desde o ano 2000 que abdica dos quase todos os hóbis para passar poder passar doze horas por dia a navegar na Net. “Tenho de estar atento a novos tipos de sites em novos países, mesmo naqueles em que não percebo a língua”, explica Miguel, cujo pequeno luxo é ir a concertos de bandas alternativas – o último  foi o dos Interpol, no Campo Pequeno. Dantes não perdia um episódio dos Ficheiros Secretos. Agora, de vez em quando, ainda vê algumas séries de televisão, como o Dexter   

Férias: “Poucas”, confessa. A pele, muito branca, revela que não é freguês. As últimas férias em grande que fez foram há dois anos, no México, e tiveram como pretexto assistir ao casamento de um familiar. De vez em quando vai passar um fim-de-semana a Londres, onde o seu irmão trabalha no site Lastminute.com

Regra de ouro:”A minha regra de ter regra de ouro. É muito perigoso ter regras de ouro, porque as coisas mudam cada vez mais rapidamente e quem tem regras de ouro arrisca-se a cair numa ratoeira”

 

Não era preciso ser um Einstein para ver que ele tinha queda para os negócios, pois aos seis anos, na Escola Alemã de Lisboa, já o vemos a tirar partido pessoal da variante oportunidade da lei da oferta e da procura, investindo a mesada em bolas de pingue-pongue e pastilhas elásticas que depois revendia, com lucro, aos coleguinhas.

Os óculos e a pele muito branca acentuavam-lho o ar desajeitado, mas era claro que aquele miúdo era fino como um coral e não lhe iria ser difícil desbravar o caminho na vida.

Filho de uma suíça (professora na Escola Alemã) e de um português (professor universitário, com consultório privado na especialidade de endocrinologia), que se conhecerem em Inglaterra, sempre teve uma enorme curiosidade em perceber como é que as organizações funcionam, pelo que decidiu estudar Gestão logo que soube que esse curso existia.

Aos 14 anos já passava horas no computador dos pais e, sempre que podia, escapava até ao cybercafé da esquina para navegar na rede que ia mudar o mundo.

Em 1999, com 18 anos acabados de fazer, estabeleceu o seu primeiro domínio na Net, o freeSMS, espreitando o facto das operadoras de telemóvel estarem a negligenciar o enorme potencial das mensagens de texto. O site era um entreposto que aproveitava o facto da TMN e Telecel não cobrarem as SMS, contanto que enviados por mail, e de haver ainda muita gente sem conta pessoal de email. A clientela deixava mensagem e o número de destino, e o site encarregava-se de a reenviar por email - e vender a anunciantes o caudal de tráfego assim conseguido.

Um ano depois as operadoras reagiram, obrigando Miguel a inovar. No seu segundo site (SMSfixe.net) oferecia como valor acrescentado milhares de mensagens tipo, arrumadas por categorias:  malvadas (“Tu gostas é de uma coisa grossa, que pela ponta derrama um liquido branco, tu precisas é de um corrector…”), românticas (“Os pingos que caem da chuva molham a terra e regam a semente do amor por ti que eu plantei e cultivo no meu coração”), etc, etc. Era só escolher e enviar!

Na viragem do século, os pais despacharam-no para estudar Gestão em St. Gallen, mas ele só aguentou um ano no desterro suíço, longe dos negócios que prosperavam em Portugal. Negociou com os pais o regresso, dando como contrapartida a assunção da responsabilidade pelo financiamento dos estudos, que reiniciou na Católica, em Setembro de 2001.

Além de manter os sites, arranjou dois part time, no online do jornal Ocasião e no portal Alice.pt, até que em 2004, na sequência de um trabalho para a cadeira de Marketing 2, alargou a oferta com um site (Fixeland.com) que disponibilizava animais de estimação virtuais (a sereia é a mais procurada, sabe-se lá porquê…).

O grande salto em frente foi dado mais tarde, quando Miguel resolveu ser  a locomotiva empreendedora de um projecto de que se falava recorrentemente no Ocasião mas sem nunca ir avante – a criação de um site de venda de automóveis usados.

O standvirtual.pt não demorou muito até tornar-se líder, o que levou a FixeAds, dirigida por Miguel, a lançar o Leilões.net (que já alcançou a liderança, ultrapassando o histórico miau.pt), e o coisas.com (um site de classificados que concorre com o Ocasião) - e a atrair a cobiça de um grupo holandês,  ao ponto de comprar uma posição de controlo na FixeAds, onde ele  (que já fez uma data de coisas antes de completar 30 anos) mantém 20% .

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

Reflexões do 128949/77

Cresci anti-militarista, tal como o ministro da Defesa e a esmagadora maioria dos rapazes que atravessaram uma adolescência inquieta pela perspectiva de sermos mobilizados para combater uma guerra injusta. Ao contrário do ministro da Defesa, fiz a tropa - 16 meses passados entre Mafra e a Madeira, os únicos em que fui funcionário público.

Duvido que a tropa tenha feito de mim um homem e nunca saberei ao certo o que teria sido a minha vida se não sido obrigado a cumprir o serviço militar - ou me tivesse declarado objector de consciência.

Duvido que a tropa tenha feito de mim um homem mas aprendi muito com ela. Aprendi que os limites da minha resistência física e psicológica eram bem mais dilatados do que supunha. Aprendi a obedecer e a valorizar a disciplina, Aprendi as manigâncias do tiro curvo e do tiro tenso (a minha especialidade foi Anti-carro e Morteiro Médio).

Aprendi também que as horas gastas a estudar o cálculo de trajectórias foram um desperdício, pois não usei essa sabedoria durante o ano que passei no Funchal a fazer coisas tão diversas como dar recruta a um pelotão de condutores, ser capataz incompetente da edificação de um muro no campo de futebol do quartel (soube depois que ruiu) e a investigar a história do regimento.

O que mais lamento daqueles 16 meses foi o preço, em tempo e fígado, que paguei pelo que aprendi e não ter aproveitado para me iniciar no bridge.

A tropa é uma experiência intensa, que nos fica tatuada no carácter (hesito quando me perguntam a matrícula da carrinha Marea que tenho há dez anos, mas ainda sei de cor o número mecanográfico: 128949/77) e adormeceu o meu anti-militarismo, que ficou em banho maria, até ser reactivado por uma salva de disparates, o primeiro dos quais foi a compra, envolta em fortes fumos de corrupção, de dois submarinos por mais de mil milhões de euros.

A minha alma fica parvo quando vejo o TGV para o Porto e Vigo ser metido na gaveta e ouço o ministro da Defesa afirmar, sem se desmanchar a rir, que o Governo mantém o investimento de 1.500 milhões de euros no reequipamento da Força Aérea, iniciado com a compra à Holanda, por 200 milhões de euros, de cinco aviões em segunda mão.

O meu espírito fica baralhado quando leio que a GNR quer ter uma Marinha privativa e assisto à trapalhada da compra pela PSP de cinco blindados (só dois devem chegar a tempo da cimeira da Nato), quando se sabe que a GNR tem 13 blindados disponíveis e com provas dadas no Iraque.

Vejo, ouço, leio, sei e confirmo que não podemos esperar nada de bom dos partidos do arco governamental, pois Brecht estava carregadinho de razão quando escreveu que só quando estamos imbuídos da realidade é que podemos mudá-la.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

Carlos Duarte

Não é preciso irmos ao supermercado do Corte Inglês para apreciarmos uma banca de peixe preparada ao milímetro, de modo a arregalar o olho da freguesia, com os peixes arrumados por cores, tamanhos e fazendo figuras geométricas. Basta uma visita a um hipermercado Continente para constatar que o design e o marketing já desembarcaram, de mão dada, na secção de peixaria, com o objectivo confesso de captar a atenção dos clientes e aumentar as vendas.

“O design começou por ter o seu foco na funcionalidade. Os objectos desenhados pela escola da Bauhaus tinham linhas direitas e despojadas, eram fáceis de usar, desprovidos de preocupações decorativas, fornecendo soluções simples para as necessidades do dia a dia”, recorda Carlos Duarte, 48 anos, presidente do Conselho de Direcção da Escola Superior de Design do IADE (Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing), que desde 1998 está instalado em Santos, no edifício Totobola, riscado por Tomás Taveira.

“O paradigma mudou. Agora, recorre-se ao design para produzir objectos capazes de seduzir as pessoas e de lhes induzir a vontade de os comprar. Hoje compramos muitas coisas por impulso, porque elas nos seduzem e sentimos prazer em adquiri-las. Esta evolução é muito visível na indústria automóvel. Muito por influência dos construtores italianos, no desenho dos carros as linhas direitas e os ângulos rectos foram substituídos por linhas orgânicas, sinuosas, quase femininas”, explica Carlos, que sabe do que fala porque a sua tese de doutoramento (dirigida por Carvalho Rodrigues, o pai do satélite português, e Tessaleno Devezas), defendida em 2001 na Universidade da Beira Interior, foi dedicada a tentar perceber esta evolução no design – que está a deixar de ser visto como uma coisa elitista, uma figura de estilo.

O presidente do IADE nasceu na Beira, Moçambique, em 1962, onde viveu até que, aos 12 anos, veio para Portugal e se fixou na Ericeira com a família, que achara avisado pôr-se a recato da influência comunista na Frelimo. Não deixa de ser irónico que, cerca de 20 anos depois, ele se tenha perdido de amores e casado com Elena, uma engenheira aeroespacial soviética, que conheceu quando montava uma exposição no CCB sobre satélites  - de quem teve um filho (André, 15 anos).

Carlos escolheu almoçarmos num italiano, o Ciao Bambina, que fica do outro lado da rua do IADE, no Largo Vitorino Damásio. Ficamos pelo menu almoço, que a 14,90 euros por cabeça, compreende entrada, prato, sobremesa e uma bebida. Generosamente, fizeram-nos o upgrade para uma garrafa de Chianti (não era daquelas tradicionais, as fiaschi, revestidas a palha) do copo a que cada um de nós tinha direito.

A importância do talento foi o prato de resistência desta conversa à mesa. “Só o talento nos pode fazer sair do buraco em que nos meteram, invertendo o actual ciclo recessivo num novo e próspero período de expansão”, afirma, referindo-se a um dos três t em que assenta a competitividade – talento, tolerância e tecnologia.

Carlos chama a atenção para o facto de ser nas fases mais escuras da economia que as industrias criativas vivem os seus momentos mais luminosos, ajudando as nações a vencer a crise, uma opinião que é partilhada por Graydon Carter, director da Vanity Fair, que no editorial da edição de Fevereiro desta revista lembrou que foi entre 1929 e 1939, na Grande Depressão, que o talento criativo floresceu nos Estados Unidos como em nenhuma outra época do século passado.

“O IADE quer e pode ajudar Portugal a avançar”, diz Carlos Duarte, no quadro do esforço evangelizador que está a desenvolver para que o tecido empresarial português reconheça a importância do design. Sobre o papel da escola nestes tempos em que os céus estão carregados de nuvens, ele tem ideias bem claras e assentes: “A escola tem de saber induzir nos alunos a possibilidade de terem talento, de serem criativos, inovadores e capazes de surpreenderem as pessoas com aquilo produzem, por pensarem e percepcionarem de forma diferente aquilo que toda a gente vê”. Dito assim, até parece simples, não é?

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada pelo Diário de Notícias

 

 

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Ciao Bambina

Largo Vitorino Damásio 3, Lisboa

2 brushettas de tomate cereja com manjericão

2 spaghetti aglio, oglio e peperoncini picante

2 tiramisu

1 garrafa Chianti 0,75l

2 cafés

Total:  29,80 euros

 

 

Curiosidades

 

O IADE foi fundado em 1969 por António Quadros (filho de António Ferro, o célebre líder do Secretariado Nacional de Propaganda , do Estado Novo). A sua primeira casa foi na rua do Alecrim, o Palácio Quintela, que fora usado por quartel general por Junot. Actualmente lecciona três cursos (Design, Marketing, Fotografia) e sete mestrados, a 1800 alunos, dos quais cerca de 70% dos sexo feminino concelho

 

A bilha de gás da Galp ficou na nossa memória devido à bela modelo polaca, de pernas longílineas, que protagonizou a campanha publicitária. Mas é também uma  peça de design português admirada e replicada internacionalmente

 

Carlos considera uma erro tremendo, a nossa liderança ter decidido, algures nos anos 90, fazer de Portugal um país de serviços. Dá como exemplo desse erro o facto do investidor que está a desenterrar a marca Sanjo (um dos ícones do nosso design), ser obrigado a recorrer à China para fabricar estas sapatilhas, porque já não há ninguém no nosso país que vulcanize borracha

 

 

António Cunha

Cresceu no meio das flores que os pais cultivavam em Barcelos, sempre fascinado pelas cores, marketing e moda. Cantou as Janeiras para financiar as visitas de estudo, em que percorreu a Europa, enquanto fazia o curso de Engenharia Têxtil em Braga. Ainda deu aulas no Citex, antes de ser contratado pela Orfama para vender malhas fully fashion por esse mundo fora

 

Cresceu no meio das flores

a sonhar ser caixeiro viajante

 

Nome:  António Cunha

Idade: 41 anos  

O que faz: Sales manager da Orfama e coordenador de marca da Dom Colletto

Formação: Licenciatura em Engenharia Têxtil pela Lusíada de Braga, em 1994

Família:  casado com uma comercial do Santander (“ela vende dinheiro, eu vendo camisolas”), de quem tem dois filhos: a Maria Francisca, dois anos, e o António Maria, quatro meses

Casa:  Andar na zona da Constituição (Porto)

Carro:  Peugeot 5008 de sete lugares, ao volante da qual faz 150 km/dia (onde pesam sobretudo as deslocações Porto-Braga-Porto) sempre que está em Portugal - “Todos os três anos troco de carro”

Telemóvel: Blackberry

Portátil:  HP

Hóbis:  Aos fins de semana frequenta o Holmes, que fica mesmo em frente de sua casa. Sempre que tem tempo, gosta de entrar em provas de todo o terreno com o seu velho Range Rover   

Férias: Como passa uma boa parte do ano estrangeiro gosta de fazer as férias em Portugal e de variar sempre de lugar. Este ano, estiveram na Herdade dos Salgados (Albufeira). Em 2009 fizeram praia em Vilamoura     

Regra de ouro: “Sentir que estou a dar o meu melhor no trabalho, para andar de consciência tranquila e chegar à noite e não precisar de tomar Xanax para adormecer ”

 

O sabor da nossa comida é uma das coisas que mais sente falta quando anda pelo estrangeiro, de mala de amostras na mão, a vender as camisolas produzidas na fábrica de Braga da Orfama, que factura 12 milhões de euros/ano a vender malhas fully fashion (ou seja, em uma só peça, sem intervenção de tesoura, sem corte e cose) para uma diversificada carteira de clientes onde avultam marcas como Armani Jeans, Lacoste e Antonio Miró.

António dorme mais de cem noites por ano em hotéis norte-americanos, alemães, argentinos ou italianos, e acumula milhares de horas de voo e de milhas, que apenas consegue gastar em upgrades. Mas não se queixa desta vida de moderno caixeiro viajante. Pelo contrário. Era isto que ele queria. Está sentado na sua cadeira de sonho.

Nasceu em 1969, em Pousa (Barcelos), ou seja na região onde bate o coração da nossa indústria têxtil, mas foi parar aos negócios dos trapos por vontade própria e não por herança ou influência familiar. Os pais, empresários agrícolas,  produziam flores, de rosas a orquídeas, passando por cravos cuja procura cresceu exponencialmente após o 25 de Abril.

Cresceu no meio das flores, evidenciando precocemente talento para o marketing e uma atracção irresistível pelas cores. A mãe tratava das contas. O pai ocupava-se da parte técnica. Ele, logo desde o tenro início da adolescência, encarregava-se de dar palpites sobre como coordenar as flores e jogar com as cores para os arranjos terem um aspecto mais apelativo.

“Desde miúdo que sou fascinado pelas cores e percebi que num mundo globalizado para se ter sucesso é precioso diferenciar o nosso produto”, explica António, que ajudou a evoluir o negócio quando sugeriu ao pai que tingissem as flores na tonalidade mais procurada – os cravos vermelhos, por exemplo.

Após o liceu, feito no Sá de Miranda, em Braga, não teve dúvidas em  inscrever-se em Engenharia Têxtil onde deu nas vistas integrando um grupo activo que organizava simpósios, com peritos internacionais, e viagens de estudo, que realizavam todos os anos nas férias grandes – a primeira foi a Itália, onde visitaram o Centro Cottoniero em Milão.

O financiamento destas viagens tinha duas origens. As empresas e centros visitados arranjavam-lhes alojamento e comida. As despesas da deslocação, feita em duas carrinhas de nove lugares alugadas (“como nos revezávamos  no volante, andamos 24 horas por dia”), eram cobertas  com o encaixe conseguido em Janeiro, quando eles andavam a cantar as Janeiras em casas bracarenses escolhidas a dedo.

O primeiro dinheiro ganhou-o quando passou para o 4ª ano e foi convidado pelo Citex para dar aulas de quatro cadeiras (Introdução à Engenharia Têxtil, Modelagem, Matérias Primas e Controlo de Qualidade), o que fez durante dois anos.

Mal acabou o curso, desatou a enviar currículos para empresas de vestuário, oferecendo os seus serviços de engenheiro têxtil para trabalhar na área comercial. “O que eu queria era ter contacto com a moda e viajar”, explica.

Um dia, estava a passar na rua Quinta de Santa Maria, em Braga, e olhando  para a fábrica da Orfama, pensou para os seus botões: “Ora aqui está uma boa empresa para eu trabalhar” Deixou lá um currículo.  Foi chamado e, após quatro entrevistas, admitido como responsável pelos mercados americano, australiano, alemão e sul africano. Foi há 15 anos e muitos milhares de horas de voo e de noites passadas em hotéis que chegou à sua cadeira de sonho.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

Recado a Pereira, ministro e benfiquista

A minha admiração por Banksy não mais parou de crescer desde que me apercebi da sua existência quando ele, há coisa de cinco anos, expôs obras nos mais prestigiados museus de Nova Iorque - à revelia das respectivas direcções.

Disfarçado de reformado, gabardina e chapéu, nariz e barba postiças, plantou no MoMa uma tela pintada com uma lata de sopa da Tesco e enriqueceu durante três dias (o tempo que demorou até ser notada pelos responsáveis do museu) a exposição permanente do Metropolitan com um retrato de um almirante colonial com um spray na mão e slogans anti-guerra no fundo do quadro.

Esta genial e subversiva inversão do clássico golpe do roubo do quadro no museu, foi fotograficamente documentada por um cúmplice de Banksy, o nome de guerra de um artista britânico, de identidade e aparência desconhecidas.

O anonimato permite-lhe protagonizar acções espectaculares como a de atirar ao ar, no meio do desfile de Carnaval de Notting Hill,  centenas de notas falsas de 10 libras, com a cara de Lady Di no lugar da da rainha, que são vendidas no ebay a 200 libras cada – ou a substituição, em 43 lojas londrinas, de 500 CDs de Paris Hilton por outros em que ela está em top less na capa e as músicas foram remixadas por Danger Mouse.

Banksy, 35 anos, é um artista de rua, que apesar de ter sido reconhecido pelo sistema -  um graffiti dele num quiosque de Tottenham Court Road foi vendido por meio milhão de libras -  continua a espalhar gratuitamente o perfume do seu talento por paredes que não lhe pertencem. Representa para a arte o mesmo que Picasso no início do século XX. É o ícone da transgressão, o símbolo da arte urbana que alguns dos novos donos das cidades já compreenderam e outros teimam em rejeitar.

Antonio Costa percebeu, e a Câmara de Lisboa apoia não só o projecto Crono, que decorou com grafittis gigantes prédios devolutos no centro da cidade, mas também a recuperação, com o patrocínio da CIN, de quatro murais degradados, pintados no pós 25 de Abril.

Rui Rio não percebeu e ordenou à polícia municipal do Porto que detenha e acuse de vandalismo quem ousar pintar as paredes da cidade com mensagens políticas ou graffitis artísticos.

Os agentes da esquadra da PSP da Olaias também não perceberam e não se limitaram a prender cinco jovens comunistas que pichavam um slogan partidário no muro da sua escola -  também submeteram as duas raparigas do grupo à humilhação de se despirem à sua frente, sob o pretexto de que procuravam droga e armas dissimuladas. 

Era com escândalos como estes que o MAI Rui Pereira se devia preocupar – e não em conceder audiências ao presidente do seu clube para debaterem a segurança do autocarro do Benfica na deslocação ao Porto.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

António Pais Antunes

O aviso vem do telemóvel: Pode descer, o seu autocarro chega dentro de cinco minutos. A recolha, tratamento, personalização e distribuição de informação vai ser, num futuro bem próximo, a mais poderosa das armas de combate ao congestionamento do trânsito nas cidades, que além de nos enervar também desgraça o planeta, pois é responsável por 40% das emissões de CO2 e destrói milhões de horas de trabalho/dia.

A sofisticação irá muito além dos lembretes. Antes de sair de casa ou do local de trabalho, vamos poder ver no telemóvel a melhor maneira para de chegarmos rapidamente ao destino, recorrendo não só aos meios tradicionais (carro próprio, metro, eléctrico, autocarro, táxi), mas também a soluções novas como car sharing, car pooling, táxis colectivos… 

“Estamos à beira de um revolução tecnológica nos transportes urbanos, com o uso de tecnologias e soluções que ainda não existem e vão mudar as cidades”, garante António Pais Antunes, 55 anos, engenheiro civil de Coimbra, que deu aulas em Princeton (EUA) e se doutorou em Louvaina (Bélgica), com um tese sobre planeamento de equipamentos colectivos, cujo modelo foi usado na definição do novo mapa judiciário português.

António é o motor, na área dos transportes, do projecto MIT Portugal, em que colaboram investigadores do Massachusets Institute of Technology, Técnico e das Engenharias do Porto e Coimbra. As suas credenciais são fáceis de estabelecer: integra o pequeno grupo que reúne a nata de especialistas mundiais que vai aconselhar o Governo de Singapura no desenvolvimento da sua rede de transportes – que é uma das avançadas do mundo.

Além disso, dirige o grupo contratado pela DLR (autoridade alemã que integra, entre outros, Lufthansa e o aeroporto de Frankfurt) para a ajudar a definir um plano estratégico para os próximos 25 anos – se devem ser criar mais aeroportos (e onde) e/ou expandir os existentes (e como). “A nossa parceria com o MIT aumentou de forma exponencial a nossa credibilidade e pôs-nos a jogar noutra divisão”, diz António Pais Antunes, para explicar a súbita procura internacional dos seus conhecimentos.

A informação é o combustível que alimenta os modelos de apoio à decisão construídos por António. Ele desenterra-a em praticamente todo o lado, como nas antenas dos operadores de telemóvel, que lhe dizem como é que as pessoas se estão a deslocar (a velocidade permite saber se vão ou não a pé) e para onde – e também às câmaras de segurança espalhadas pelas cidades, que o ajudam a medir o caudal de trânsito.

Apesar de viver em Coimbra (onde jogou futebol na Académica), tem um apartamento na avenida de Roma. “Neste país, é quase impossível passar uma semana sem vir a Lisboa”, lamenta António, que dirige mestrados e doutoramentos no Técnico, que fica a três estações de metro da sua casa (mas ele vai a pé quando faz bom tempo e não está muito carregado).

Almoçamos no Courenses, atrás do mercado de Alvalade, um restaurante barulhento que está sempre cheio como um ovo porque oferece comida boa e serviço rápido a preços razoáveis. Anteontem, Ana Maria Lucas, a primeira Miss Portugal, e Paulo Bento ajudavam a lotar as duas salas desta casa.

Ele escolheu o prato do costume (posta de carne). O vinho (Graco) foi-nos sugerido por Lasalete Fernandes e Jaime Antunes, que almoçavam numa mesa perto. Assinado por Paulo Laureano, é feito com uvas da herdade alentejana do casal fundador do Diário Económico.  A boa qualidade da pinga não afectou a prudência de António, quando lhe perguntamos se achava ou não necessário o TGV.

“Vou dar-lhe uma resposta de professor. Necessidade temos sempre. Diminuir o tempo de viagem é sempre bom. Mas dado o volume de investimento, é demagogia dizer que é uma decisão técnica. Só um político pode fazer a ponderação”. Mas lá foi acrescentando que dado o seu raio máximo (mil km) o TGV deixa-nos em Barcelona. “No sítio onde estamos, para ir para lá dos Pirinéus, temos de usar o avião. A minha impressão é que a primeira prioridade devia ser o novo aeroporto de Lisboa. Do ponto de vista de condições aeroportuárias, a Portela é um aeroporto muito fraquinho”.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

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Os Courenses

Rua José Duro 27D, Lisboa

2 postas de vitela mirandesa … 22,00

Graco 2008 da Herdade Sousa da Sé … 16,00

2 pães … 1,20

4 cafés … 3,00

Total… 42,20 euros

 

 

Curiosidades

 

O aeroporto do Porto é a primeira coisa que lhe vem à cabeça, quando lhe perguntamos por coisas de grande qualidade que o nosso país tem na sua área de conhecimento. “O Sá Carneiro é um dos melhores a nível mundial na sua categoria”. A seguir elencou o metro do Porto, “um projecto extraordinário, pela sua extensão, adesão e eficácia”, e a A2.

 

“A A2 tem um traçado a todos os títulos magnífico, entradas correctíssimas, óptima integração na paisagem. É sempre muito elogiada a nível mundial nos congressos rodoviários. Há especialistas que vêm a Portugal de propósito para a verem”, revela António Pais Antunes, que fez ainda questão de salientar a Emel, que está a trabalhar em soluções inovadoras, como a de substituir os parquímetros por um sistema que identifica a chegada e saída dos carros e cobra o estacionamento recorrendo à Via Verde

 

O sistema de detecção e resolução de incidentes na rede de auto-estradas da Brisa é de categoria mundial. Se um cão entra numa auto-estrada, ou uma pessoa encosta o carro à berma para urinar, um segundo depois esses incidentes são detectados no centro de controlo. O sistema de monitorização da Brisa é provavelmente o melhor do mundo”, conta António Pais Antunes  

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