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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Carlos Marta

A alcunha que transportou enquanto futebolista profissional deve-a aos fregueses da taberna do pai, a Nova Aurora, estrategicamente situada ao lado da Câmara Municipal, na praça principal de Tondela.

“Vai nascer um novo Águas”, vaticinavam os frequentadores da taberna, brindando a isso com copos cheios de vinho do Dão, desejo que agradava ao promitente pai, um benfiquista fanático que festejava as vitórias do seu clube oferecendo uma pipa de vinho, a que (conta o filho) prudentemente adicionava água com o duplo objectivo de controlar o prejuízo e a euforia da clientela.

Capitaneado por José Águas, o Benfica foi campeão em 1957, o ano em que nasceu Carlos Marta, com jeito para a bola  e que  – isso os fregueses  da Nova Aurora nunca conseguiriam adivinhar – acabaria por ocupar o melhor gabinete do edifício vizinho da taberna: os Paços do Concelho.

O Águas de Tondela debutou como futebolista aos 15 anos, com a camisola verde e amarela do clube local, mas na época 75/76, ainda miúdo de 18 anos, já o vemos na Académica, a  jogar ao lado de veteranos consagrados como Rui Rodrigues, Gervásio e Manuel António.

Académico de Viseu, U. Leiria e Marítimo foram as escalas seguintes de uma carreira que acabou com o regresso à terra, alinhando quatro épocas no Mangualde e começando a dar aulas.

O talento para a bola pode ter-lhe mudado o futuro (no liceu pensou fazer Medicina) mas não o impediu de fazer o curso do ISEF, em Lisboa, onde foi colega de Carlos Queiroz e Rui Caçador . “Eu era o único jogador de futebol, os outros eram empurradores de bola”, ironiza Carlos Marta, 54 anos, que cedo sacrificaria a docência no altar de uma carreira política, que o levou a ser deputado durante dez anos, eleito nas listas do PSD.

Em 2001 retornou a Tondela e foi eleito presidente da Câmara com 73% e a vitória em 24 das 26 freguesias. Na segunda reeleição, em 2009, manteve os 73% e  ganhou todas as 26 freguesias, incluindo a de Tonda, onde fica o Três Pipos, o restaurante que escolheu para almoçarmos.

A mesa já estava posta, com apetitosas entradas variadas, mas o melhor ainda viria a seguir: a vitela à Lafões regada com um tinto Dão, ou seja as duas componentes da marca Dão Lafões da Comunidade Intermunicipal (CIM) presidida por Carlos Marta.

Assada no forno, a vitela de Lafões deve a fama ao facto das rações não constarem da sua dieta (alimenta-se apenas nos pastos) e é cortada às postas, não à fatia. Uma das grandes apostas da CIM Dão Lafões é a gastronomia típica da região, onde constam a chanfana e o cabrito da Serra do Caramulo.

A oferta turística da região vai ser aumentada com a inauguração, em Maio, da maior ecopista do país, que tem 56 km de extensão e atravessa três concelhos (Viseu , Tondela e Santa Comba Dão). Este aproveitamento da antiga linha ferroviária do Dão vai ser gerido pela CIM Dão Lafões e é um dos 96 projectos, no valor de 73 milhões de euros, que candidatou ao QREN.

Carlos Marta está contente por a comunidade a que preside ter a segunda melhor taxa de execução do país e fala com entusiasmo de outros projectos em curso, com o da rede urbana para a competitividade, que fomenta o empreendedorismo em seis concelhos e em áreas pré-definidas: biotecnologia em Tondela (que acolhe empresas como a Labesfal e a Controlvet), automóvel em Mangualde, cultura em Viseu, empreendedorismo social em Santa Comba, e termalismo em S. Pedro do Sul (que tem as maiores termas da Península Ibérica).

Os ganhos de escala que a comunidade intermunicipal permitiu já deixam satisfeito Carlos Marta, que se declara desfavorável à Regionalização:

“ A Regionalização já está feita com as CCDR. Sou contra a criação de mais cargos políticos. Câmaras e juntas de freguesia têm dado muito bem conta do recado. E, quando é necessário, agrupam-se em organismos intermédios de gestão, como as comunidades intermunicipais. Sou um municipalista convicto”, afirma Carlos Marta, o antigo Águas de Tondela, que não teme os cortes que estão a ser cozinhados em Lisboa pela troika: “É preciso reduzir de forma assustadora o aparelho de Estado. Até chegarem aos municípios vão ter muito de cortar e em muito lado”.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

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Três Pipos

Rua Santo Amaro 876, Tonda, Tondela

Vinho da casa (Tinto do Dão)

Pão

Água

Entradas (pastas diversas, azeitonas, enchidos, provaduras, pataniscas, salada de polvo, moelas)

Mimos de vitela de Lafões

Manga

2 Cafés

 

 

Curiosidades

 

O momento mais alto da carreira de futebolista do Águas de Tondela foi ter marcado em Alvalade o golo da vitória por 1-0 do Académico de Viseu, que assim evitou a descida de divisão. “Foi a única vez em que o Académico fez duas épocas seguidas na I Divisão”, conta Carlos Marta. A vítima foi o guarda redes sportinguista Vaz 

 

Não satisfeito por não nos ter deixado pagar a conta, Carlos ainda por cima fez questão de nos oferecer uma bilha de segredos (o segredo é saber como se bebe por ela sem deixar verter liquido), uma peça de artesanato do concelho. Os barros de Molelos são famosos por serem negros, devido à redução de oxigénio durante o processo de cozedura.   

 

Criada em 2007, para candidatar projectos ao QREN, a Comunidade Intermunicipal Dão Lafões é constituída pelos seguintes 14 municípios: Aguiar da Beira, Carregal do Sal, Castro Daire, Mangualde, Nelas, Oliveira de Frades, Penalva do Castelo, Santa Comba Dão, S. Pedro do Sul, Sátão, Tondela, Vila Nova de Paiva, Viseu e Vouzela. Viseu e Tondela são os concelhos mais populosos desta comunidade, que reúne mais de 300 mil pessoas. No momento da fundação, todos os 14 concelhos eram laranja (ou não estivessemos no Cavaquistão!). Agora há três câmaras rosas, mas entendem-se todos bem  - e as decisões importantes são sempre tomadas por unanimidade.

Solange Ribeiro

A Matemática inviabilizou-lhe o sonho de fazer Arquitectura. Direito foi um recurso e um pesadelo. Não estava feliz e resolveu seguir o conselho do pai, que lhe perguntou: “Se não estás bem, porque é que não mudas?”. Uma boleia a uma amiga levou-a até ao IPAM. Apaixonou-se à primeira vista pela escola. Doze anos depois, está a fazer o Marketing de uma escola de Marketing 

 

 

Deu uma boleia e acabou a fazer

o Marketing da escola de Marketing

 

 

Nome:  Solange Ribeiro

Idade: 31 anos 

O que faz:  Directora de Marketing do grupo Talent, que, entre outras coisas, compreende o IADE e os IPAM do Porto, Aveiro e Lisboa

Formação: Licenciada em Gestão de Marketing pelo IPAM, com um mestrado em Marketing de Serviços feito no IADE (2008)

Família: Casada, tem dois filhos, o Vasco, sete anos, e a Matilde, quatro. Tem com o marido -  que competiu em motocrosse (ela própria também participou em algumas provas) - uma empresa que promove eventos relacionados com motas e motociclismo

Casa: Apartamento na Praia das Maçãs, em Sintra

Carro:  A3 ou A4 (um é dela outro do marido, e vão variando). Têm também um Honda na garagem

Telemóvel:  Blackberry

Portátil:  Toshiba

Hóbis:  Brincar com os filhos no parque, pinhal e praia. Ouvir música, no carro (anda entre a música alternativa da Antena 3  e a Rádio Comercial, por causa do Markl). Na televisão gosta de ver séries do AXN (CSI Miami e Nova Iorque,  Mentalista…)   

Redes sociais: Linkedin e Star Tracker. Não tem Facebook – “Tenho resistido…”

Férias:  Passam sempre 15 dias no Algarve, ou no Vau ou em Tavira. O ano passado fizeram um fim de semana prolongado em Milão, sem os filhos. Dos seus planos fazem parte umas férias em Bali

Regra de ouro: “Ser apaixonada por aquilo que faço. Se eu gostar muito, está tudo bem”

 

 

Uma banal boleia foi responsável pelo momento decisivo da vida de Solange, uma rapariga de Almoçageme (Sintra), que, após uma experiência de pesadelo em Direito, andava de nariz no ar a decidir-se em que curso apostar.

No secundário, feito entre Colares e Amadora (“Mudei para lá para sair da zona de conforto”, explica, acrescentando que a vida dela passou a ser bastante mais desconfortável pois tinha de apanhar o comboio das sete da manhã J), foi óbvio que tinha jeito para desenho e só desistiu da ideia de ir para Arquitectura quando os professores lhe explicaram que iria apanhar muita Matemática pela frente.

Direito foi um recurso e uma seca tremenda. Guarda péssimas recordações do ano que lá andou. Estar sentada numa mesa cheia de calhamaços e sem conseguir navegar pela matéria. Aulas em anfiteatros com 300 pessoas. Pouca (para não dizer nenhuma) atenção por parte dos professores. Dois chumbos na oral de Direito Constitucional (“Precisava de sete, davam-me 6,5…”). Resumindo e baralhando: não era feliz. Nesta curva da vida valeu-lhe o pragmatismo do pai.

“Se não estás bem porque é que não mudas?”, perguntou-lhe o pai, um comercial que trabalhava a representação dos fornos para a indústria de panificação da Bongard Iberia.

Solange resolveu mudar e andava mergulhada na prospecção da oferta de cursos (e com uma ligeira inclinação para tentar Comunicação Social) quando um belo dia de Setembro, deu boleia para Lisboa, no seu Citroen Saxo cinzento, à Andreia, a uma amiga que tinha de ir ao IPAM pagar a primeira propina.

“O IPAM era na Rovisco Pais, junto ao Técnico. Nunca teria ido lá parar por mim”, reconhece Solange, que enquanto Andreia resolvia o seu assunto foi coscuvilhando as instalações e conversando com a professora (Catarina Ferreira) encarregada das admissões. Foi coup de foudre. 15 minutos bastaram para ficar apaixonada pelo curso de Gestão de Marketing.

“Encantou-me ser um curso muito prático e a proximidade com os professores, duas coisas que contrastavam com Direito, onde não se sentia acompanhada e ninguém me explicava nada. Pensei logo: OK é por aqui, vais pensar produto!”, recorda Solange.

Nas questões de dinheiro, sempre foi uma rapariga desembaraçada e habituada a lutar pela auto-suficiência. Ainda adolescente, nas férias grandes arredondava a mesada a trabalhar em antiquários, feiras e colónias de férias. Mais tarde, já universitária, arranjou emprego numa agência de publicidade, a Pink (“a principio foi caricato porque nem um fax sabia mandar”), onde se demorou dois anos. “Sabia muito bem receber o dinheiro em notinhas dentro de um envelope”, lembra.

Ainda fez um estágio de seis meses com a equipa de Tecnologias de Informação da Tracy International antes de concluir o curso e de ser convidada a ficar a dar aulas no IPAM, primeiro da cadeira de Comunicação Institucional depois de Gestão de Comunicação e Publicidade.

“As oportunidades são para se agarrar”, diz Solange, explicando porque é que em 2008 aceitou o convite para suceder a Carlos Sá (administrador do IPAM) no lugar de director de Marketing de um grupo com 4000 alunos, 450 professores e 17 cursos distribuídos pelo IPAM e IADE.

“O IPAM é a escola de Marketing. O IADE é a universidade criativa”, sintetiza Solange, que aterrou de pára-quedas no IPAM, por ter dado uma boleia a uma amiga, e que adora dar aulas e fazer o marketing de uma escola de marketing.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias 

A 5 de Junho elegemos o director de marketing

Estava de férias, no Verão de 80, após passar para o 5.º ano da faculdade, quando fui surpreendido pela notícia de que o Governo minguara de cinco para quatro anos o meu curso de História.

Fiquei na dúvida sobre se já me teria licenciado sem saber, até o ministério vir esclarecer que não - eu e os meus colegas teríamos de completar o 5.º ano. O encurtamento só beneficiaria os alunos dos outros anos, a começar pelos do imediatamente anterior ao nosso, que mediante a adição ao currículo de mais um par de cadeiras acabariam o curso ao mesmo tempo que nós.

Este arranjo desencadeou pronta reacção sindical dos meus colegas de ano, que se revoltaram, pois sentiam-se prejudicados na saída profissional. No Portugal do dealbar da década de 80 já escasseavam as vagas para dar aulas no secundário. Por isso achavam injusto que os colegas do ano anterior se apresentassem em pé de igualdade com eles no concurso nacional de colocação de professores - pois a maneira assucatada improvisada pela 5 de Outubro para encolher os cursos de letras levava a que o 4.º e o 5.º anos concluíssem em simultâneo a licenciatura.

Reduzir a metade o nosso 5.º ano, permitindo-nos acabar o curso em Janeiro com a aprovação em duas cadeiras, foi a solução inventada para desenrascar o problema, que agradou ao pessoal do meu ano porque podiam apresentar-se em Março, já como licenciados, no concurso nacional.

Como nunca fez parte dos meus planos ser professor, esta polémica passou-me ao lado, e até acho graça ao facto de poder dar uma resposta original (quatro anos e meio) à pergunta sobre a duração do meu curso.

Vinte anos depois, as consequências desta originalidade voltam a estar em cima da mesa, já que a AR saída das eleições de 5 de Junho será chamada a votar uma petição para conceder o grau académico de mestre a todos os licenciados pré-Bolonha, com cinco ou seis anos de estudos - que temo me exclua devido ao meu curso ser de quatro anos e meio.

Espero que esta questão, bem como outras do género - como a petição solicitando ao Parlamento que legalize a introdução de carne de cão e gato na alimentação humana -, sejam esmiuçadas durante a campanha eleitoral. Mas temo que Passos Coelho e Sócrates optem por desconversar e centrem o debate em matérias sobre as quais não terão competência ou poder, já que o próximo primeiro-ministro vai ser uma espécie de director de marketing e comunicação das decisões que FMI, Comissão Europeia e BCE vão tomar sobre as matérias decisivas como a privatização da Caixa, o despedimento de funcionários públicos, o sequestro do subsídios de férias e do 13.º mês, a reorganização administrativa do País, etc., etc.

Jorge Fiel

Esta crónica foi publicada hoje no Diário de Notícias

 

Catarina Alves

Sem o saber, o irmão mais novo mudou-lhe a vida ao levar para casa da família, em Monção, uma cachorrinha rafeira que achara na rua. Ela tinha 14 anos, um bom coração, e apaixonou-se por animais para todo o sempre. Trocou o sonho de ser pediatra pelo de ser veterinária, que acabaria por transformar em realidade na UTAD. Em Vila Real, fez amizade com outra Catarina e o Miguel, sócios na aventura de criarem o seu próprio emprego abrindo uma clínica veterinária no Grande Porto

 

A cachorrinha rafeira que mudou

a vida da rapariga com bom coração

 

Nome:  Catarina Alves

Idade: 32 anos  

O que faz:  Médica veterinária e Sócia da Clínica Veterinária de Águas Santas (Maia, Porto)

Formação: Licenciada em Medicina Veterinária

Família: Casada (o marido é gestor) sem filhos, mas com dois gatos, o Gatuso (que ela tirou da rua) e uma gatinha vadia que uma senhora entregou na clínica e ela adoptou. De vez em quando, os gatos recebem a companhia da Graf (uma rafeira que a clínica adoptou no primeiro dia de actividade) e do Tobias (um Epagneul Breton, que era do pai do seu sócio Miguel, e como era muito medroso era péssimo para a caça). “Quando ficam lá em minha casa, dormem junto com os gatos e o Gatuso dá-lhes a boas vindas com turras nos focinhos”  

Casas: Apartamento em Águas Santas

Carro:  VW Golf na versão carrinha para transportar os cães e gatos

Telemóvel:  Nokia

Portátil:  Asus

Hóbis:  Viajar, jantar fora e ir ao cinema (“Pelo menos de 15 em 15 dias vamos ao Arrábida, que preferimos porque com 20 salas dá mais escolha”)   

Redes sociais: Tem Facebook mas não vai lá todos os dias

Férias:  Passa sempre 15 dias em Caminha, onde a família tem casa. Em Setembro, usando como pretexto a irmã estar a fazer um mestrado no Norte de Itália, deram uma volta de carro que começou em Milão e acabou em Veneza, com escalas no Lago Como, Suíça e Áustria. Em Maio vão a Marraquexe – já têm a viagem comprada na Ryanair

Regra de ouro: Todos os dias é preciso fazer algo para “mimar” a felicidade.

 

A culpa foi do irmão mais novo que levou lá para casa uma cachorrinha, adorável e completamente rafeira, encontrada na rua. Catarina tinha 14 anos e apaixonou-se pela cadela, baptizada Pipa. Ela já estava habituada a dar-se com a bicharada, pois o avô tinha uma quinta com cavalos e cães. Mas era a primeira vez que tinha a seu cargo a vida e conforto de um animal doméstico. Dois anos depois da Pipa (já falecida), adoptaram a Guga, achada a vagabundear pelo meio da linha de caminho de ferro em Caminha.

Os animais vieram para ficar na vida de Catarina, nascida há 32 anos em Monção, a capital do vinho Alvarinho, filha do meio do matrimónio de uma professora primária com um advogado – a mais velha seguiu a carreira do pai, especializando-se em Direitos Humanos, enquanto o mais novo, o que a viciou em animais, se quedou pela terra natal, dirigindo A Terra Minhota, um jornal fundado há 60 anos pelo avô.

A meio da adolescência, Catarina já tinha uma ideia bastante clara sobre a sua vocação. Como queria auxiliar os seres humanos indefesos, que não sabem como pedir ajuda, começou por encarar a hipótese de ir para Medicina e depois especializar-se em Pediatria, antes de mudar a agulha e tomar a solene de decisão de ser médica veterinária.

Como o último teste de Química lhe correu muito mal e os 17,2 valores de média se revelaram curtos para entrar à primeira em Medicina Veterinária, na UTAD, inscreveu-se em Zoologia por onde passou por um cometa antes de ser aceite, na 2ª fase, em Novembro, no curso que queria. “Fui praxada duas vezes”, conta, em jeito de balanço dos danos colaterais da pequena desgraça que foi o último teste de Química não lhe ter corrido bem.

Mudou de Monção (Minho), para Vila Real (Trás-os-Montes), onde cedo fez amizade com outra Catarina (Silva) uma rapariga do Porto que se tornaria namorada (primeiro), mulher e sócia (depois) de Miguel (Mateus), um rapaz de Tomar.

Enquanto andavam na universidade, várias vezes os três falaram na hipótese de fazerem juntos uma clínica. Mas se fossem desafiados a isso, não apostariam dinheiro em como esse sonho se viria a tornar em realidade.

No final do curso, os caminhos dos três amigos bifurcaram-se. A nossa Catarina e Miguel estagiaram, durante um trimestre, para a Washington State University, em Seattle (EUA), enquanto a outra Catarina viajou para Barcelona.

De regresso a Portugal, arranjaram uns biscates nem muito atraentes nem especialmente bem remunerados (Catarina, por exemplo, fazia as tardes na Clínica Catassol). Um belo dia, estavam à conversa no café Velasquez (Porto), onde paravam, quando desenterraram o velho projecto de fazerem a sua própria clínica.

Começaram por pensar ir para Leiria. Depois reconsideraram o pressuposto inicial que não havia mais espaço para mais uma clínica veterinária no Grande Porto. Fizeram e refizeram as contas, bateram a todas as portas em busca de apoios, gastaram solas à procura de um local, até reunirem os 200 mil euros necessários para transformar em clínica um antigo stand de automóveis, em Águas Santas, Maia.

“Achávamos que as coisas iam ser mais fáceis”, confessa Catarina, olhando para os quase seis anos que se passaram desde a abertura da clínica, a 25 de Julho de 2005. Não foi fácil. Mas as centenas de gatos (com infecções urinárias ou vitimas de quedas) e de cães (com problemas de pele ou vitimas de atropelamento) que trataram compensam largamente esses espinhos.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

Ide fazer pirogas para o carago!

Um grupo de três antropólogos (um inglês, um francês e um português) parte numa arriscada expedição científica para estudar os hábitos de uma tribo tibetana de canibais, famosa pelos seus poderes prodigiosos e por usar a pele humana para fabricar as melhores pirogas do mundo.

Chegados à fronteira do território desta tribo terrível, de onde ninguém regressara vivo, os guias sherpas piraram-se, deixando os três intrépidos cientistas entregues à sua sorte. Preparados para o pior, estranharam a recepção fidalga e hospitaleira dispensada pelos canibais, que os estragaram com mimos de toda a espécie.

Só repararam que tinham estado no período da engorda quando o chefe da tribo lhes comunicou, com uma solene amabilidade, que eles iam ser submetidos a uma prova.

Cada cientista tinha o direito a um pedido - o mais extravagante que a sua imaginação concebesse. Seria devolvido à civilização, se eles conseguissem satisfazer esse o pedido. Caso contrário entraria imediatamente no circuito alimentar da tribo e a sua pele seria usada no fabrico de uma piroga.

“Quero um cognac Cornet Vintage de 1811, servido pela miúda do anúncio da Martini, trazida no Rolls Royce dos Beatles”, pediu, bastante seguro de si, o cientista inglês.

Uma onda de agitação percorreu os canibais, que se afadigaram numa lufa-lufa de faxes e telefonemas. Duas horas volvidas, a menina da Martini, saída do célebre Rolls, patinava com a bandeja na mão em direcção ao inglês, que fleumaticamente saboreou o cognac pré filoxera antes de ser atirado para o fundo da panela.

“Quero ver aqui, a desfilarem à minha frente, nuas e montadas em camelos albinos, as dez últimas Miss Mundo”, exigiu o francês. A seguir à azafama habitual dos indígenas, o desejo foi satisfeito, o segundo cientista chacinado e os seus restos mortais transformados em salsichas e pirogas.

Chegada a sua vez, o português surpreendeu tudo e todos ao pedir um garfo.  “Um garfo?!? Um garfo de ouro? O garfo cravejado de diamantes do imperador Bokassa”, interrogou atencioso o chefe dos canibais.

“Não, um garfo qualquer”, precisou o português que, após ver o pedido atendido, desatou a furar furiosamente a sua pele, espetando-se com o garfo enquanto gritava repetidamente:“Ide fazer pirogas para o carago!!!”

O espírito tuga desta anedota apoderou-se dos nossos compatriotas que esgotaram os seus destinos preferidos – Algarve, Cabo Verde, Brasil e Caraíbas – nestas férias da Páscoa. A troika do FMI e os economistas bem alertam para a necessidade de poupar e avisam que no 1º trimestre a taxa de aforro caiu 75% face a 2010. “Ide fazer pirogas para o carago!!!”, respondem os tugas.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

Bernardino Meireles

Leão, Portugal, Produtos Estrela (PE), Siul são algumas das históricas marcas portuguesas de fogões que foram parar ao cemitério. Com turcos e brasileiros a tomarem conta do mercado do preço e a imagem pouco sexy do Made in Portugal, não é nada fácil sobreviver em Portugal neste negócio. Que o diga Pinto da Costa, muito menos bem sucedido a vender fogões do que a gerir o FC Porto.

A Meireles, que faz 80 anos, é única sobrevivente da enclítica geração de fabricantes fogões. Os segredos desta longevidade foram o tema da conversa, à volta de um polvo à lagareiro  (cozinhado num forno Meireles), com um neto do  fundador da empresa.

Bernardino Meireles, 54 anos, presidente da administração, escolheu almoçarmos no Líder, nas Antas, e hesitou entre o sável e o polvo numa refeição regada por um tinto do Douro que ajudou a relembrar histórias dos tempos do liceu (ambos frequentamos o Alexandre Herculano, no mesmo ano, mas em turmas diferentes).

“A mão de obra pesa 16% no custo final do fogão”, conta Bernardino, justificando porque é que se afastou do mercado do primeiro preço. A hora  mão de obra custa nove a dez euros no nosso país, cinco euros na Polónia  (em parceria com os italianos da Nardi, a Meireles tem um fábrica em Wroclaw), e 21 a 22 euros em Itália.

Depois da tropa (EPC Santarém, 78/79) lhe ter interrompido o curso de Electrotecnia, Bernardino não mais voltou à FEUP (Engenharia do Porto) – foi directo para a fábrica, ajudar o pai.

Quando, em 1996, Bernardino assumiu a presidência, a Meireles era forte como um Titanic, liderando o mercado nacional com uma quota de 24%. Mas percebeu que se não mudasse o rumo iria chocar com um enorme iceberg e naufragar.

Para não evitar fazer companhia no fundo do mar às outras marcas históricas de fogões, começou a exportar, apostou na inovação e estabeleceu uma aliança estratégica com os italianos da Nardi para dar resposta à moda dos encastráveis.

“O fogão foi o electrodoméstico que menos evoluiu”, afirma Bernardino, antes de descrever o programador que a Meireles instalou em fogões eléctricos topo de gama, que permite, antes de sairmos de casa pela manhã, deixar a carne no forno com a hora marcada (e temperatura definida) para ele começar a trabalhar, de modo a termos o assado pronto para o jantar.

Esta é apenas uma das inovações. Para satisfazer uma encomenda de três mil fogões de máxima segurança feita por cliente australiano, a Meireles está a fabricar um fogão com a porta fria, com três portas (o forno normal tem duas) e um sistema de refrigeração que baixa para 70º (em lugar dos habituais 110º) a temperatura da porta exterior quando o forno está a 250º..

Mas o grande trunfo competitivo são as instalações para restauração e hotelaria (que valem 15% da facturação) e o maxi-forno, com largura de 90 cm por 60 cm de profundidade (as medidas standard são 60x60 ou 55x60), desenhado a pensar no Médio Oriente.

As cozinhas de palácios de vários membros da família real saudita foram equipadas pela Meireles, que tem no Médio Oriente o seu segundo maior mercado de exportação, a seguir a Espanha, onde tem uma quota de mercado de 11,5%.

“Os sheiks têm palácios onde são servidas três mil refeições/dia”, conta Bernardino, acrescentando que o maxi-forno Meireles, com capacidade para assar um cabrito inteiro ou quatro frangos ao mesmo tempo, é o adequado aos hábitos alimentares das famílias numerosas do Médio Oriente, que usam mais o forno (até para fazer a doçaria) que as ocidentais.

Marrocos, Argélia, Tunísia, Egipto, Jordânia, Bahrein e Irão fazem por isso parte da geografia da expansão da Meireles, que fabrica 100 mil fogões/ano e faz fora de portas 44% do seu volume de negócios de 20 milhões de euros.

Bernardino sabe que para continuar a ter sucesso é preciso manter os sentidos bem despertos aos sinais do mercado e saber adaptar-se às suas mudanças e idiossincrasias.

“Por ser Made in Portugal, o preço dos nossos fogões tem de ser 10% a 15% inferior ao que seria se levasse a etiqueta Made in Italy”, lamenta Bernardino, que com a aposta na exportação, inovação e na parceria com a Nardi ainda conseguiu que a quota da Meireles no mercado interno subisse de 24% para 36%.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

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Lider

Alameda Eça de Queiroz 126, Porto

Couvert …6,00

2 Polvo assado  … 37,00

Água 1 l … 3,50

Prazo Roriz (Douro, Symington) … 16,00

4 cafés … 4,00

Ananás natural … 4,50

Total …71,00

 

 

Curiosidades

 

António Meireles (1900-1976), o avô de Bernardino  tinha a 3ª classe e 31 anos quando fabricou o primeiro fogão eléctrico português, depois de ter desmontado e montado por vários vezes um fogão Husqvarna importado da Checoslováquia. Chefe do turno da noite na estação de Massarelos (onde recolhiam os carros eléctricos do Porto), em vez de passar o dia a dormir e jogar bilhar, aproveitou o facto de ser curioso e jeitoso de mãos para começar a ganhar mais umas coroas fabricando camas de ferro e fogões no quintal da sua casa, na rua de S. Cosme, na zona Oriental do Porto. Foi assim que nasceram os célebres Fogões Meireles

 

Um fogão Meireles, para uso doméstico médio, custa em média 300 euros. No caso de um semi-profissional, o preço sobe para 1500 euros. O fogão a gás é esmagadoramente (90%) maioritário nos lares portugueses. Apenas 10% usam o fogão misto (mesa de trabalho a gás, por ser mais rápido, e forno eléctrico), que Bernardino considera o ideal

 

O programa intensivo de construção de vários bairros sociais no Porto, desenvolvido entre os anos 50 e 60, ajudou ao crescimento da Meireles, já que as habitações eram entregues aos moradores já equipadas com um pequeno fogão 

 

Cristóvão Cunha

 

Uma maravilhosa máquina de calcular Casio, em que tropeçou quando passeava em Oxford Street, mudou por completo a vida de um jovem adolescente que sonhava ser engenheiro químico. Trocou as experiências num laboratório doméstico pela iniciação, em regime auto-didacta, nos segredos da programação Basic. Nascia um empreendedor na área das novas tecnologias, que nem Jardim Gonçalves conseguiu desencaminhar

 

O miúdo que se apaixonou por

uma máquina de calcular Casio

 Idade: 46 anos  

O que faz: Director geral Voxtron Ibérica

Formação: Licenciado em Engenharia de Sistemas Decisionais, pela Cocite, em 1987, formação de base a que acrescentou cursos nas áreas da Gestão e Marketing Relacional

Família: Casado, tem três filhos (15, 13 e 12 anos), sendo que a mais velha quer ser médica como o bisavô

Casa: Andar em Sete Rios, Lisboa

Carros:  Audi Q 7 e um Mercedes SLK descapotável

Telemóvel:  iPhone

Portátil:  Mac Book Pro (é um fã da Apple)

Hóbis:  Joga ténis pelo menos três vezes por semana, entre o CIF e o Clube 7 (onde faz ginástica regularmente, em especial aulas de alongamento). Está a preparar-se para voltar ao golfe. E gosta muito de viajar

Férias:  Miami (Palm Beach) e Algarve (o Sheraton Pine Cliffs, “vou para lá há 16 anos, é como se fosse uma segunda casa”) são os seus dois sítios preferidos para fazer praia. Dos seus planos de curto prazo, fazem parte um safari no Kruger, com os filhos, e uma viagem romântica às Maldivas com a mulher  

Regra de ouro: “Corpo são, mente sã. Se por causa da chuva diminuo a carga de exercício físico noto logo que o meu raciocínio fica mais lento, menos musculado”

 

O clique deu-se algures em Agosto de 1980, quando parou na montra de uma loja de Oxford Street, com o olhar preso numa calculadora Casio. Foi coup de foudre. “Apaixonei-me logo por aquela máquina cheia de botões”, conta Cristóvão.

Passou fome nos últimos dias da viagem a Londres dos finalistas do Liceu Camões, pois torrou na compra da máquina de calcular quase todo o dinheiro que tinha.  E não descansou enquanto não descobriu as funções de cada um das teclas. A informática estava num ponto de viragem. Estava a acabar a era dos cartões perfurados. E na sua espantosa Casio, em regime de absoluto auto-didactismo, iniciava-se no maravilhoso mundo da programação Basic.

“Fiquei fascinado”, confessa. Mudou logo a agulha do percurso académico. AC (antes da Casio) queria ser engenheiro químico e divertia-se em casa a fazer experiências num laboratório. DC matriculou-se em Engenharia de Sistemas Decisionais.

Mais velho dos três filhos do casamento de um quadro da Nestlé com uma húngara que conhecera em S. Paulo (onde família se refugiara após a tomada de poder pelos comunistas), Cristóvão nasceu no Porto, mas cresceu nas avenidas novas, em Lisboa, atravessando a adolescência a frequentar o Apolo 70 e o Imaviz, entre sessões de cinema no Monumental.

Revelou-se bastante venturosa a mudança da Química para a Informática, operada pela Casio, que lhe proporcionou notas altíssimas a todas as cadeiras de Estatística e Matemáticas Aplicadas até que, no 3º ano, colegas invejosos fizeram queixa dele aos professores, que desconheciam ser possível ter as fórmulas todas alojadas na memória da máquina…

Rapidamente começou a converter os conhecimentos em dinheiro. Ainda universitário, já orientava formação, prestava serviços de consultadoria e dava os primeiros passos como empreendedor, fazendo jogos para o ZX Sprectrum, que depois vendia nas lojas.

O negócio das cassetes de jogos (com capas bonitas, ilustradas fotografias de naves espaciais e outras coisas do género, pois ele já tinha a noção da importância do marketing) prosperou ao ponto de ter de por o irmão (engenheiro mecânico e professor no Técnico) a trabalhar para ele – e permitiu-lhe comprar, quando andava no 4º ano, o seu primeiro carro, um Fiat Uno 55 S, branco, com jantes especiais e vidros fumados.

Acabado o curso em 1987, foi muito requisitado para orientar a avalanche de acções de formação financiadas pelo Fundo Social Europeu e tinha já uma boa carteira de clientes quando um dia, a jogar golfe em Belas, foi desafiado pelo parceiro (um engenheiro chamado Jorge Jardim Gonçalves) a embarcar na aventura da fundação do BCP.

Terrível dilema, que o torturou até se decidir a ficar com os clientes e continuar empresário desenvolvendo vários negócios nas áreas da tecnologia e informática, o mais recente dos quais é a comercialização na Península Ibérica dos sistemas inteligentes de contact center fabricados na Bélgica pela Voxtron, um software aberto que corre em equipamentos de diferentes marcas e dá inteligência às centrais telefónicas.

“Quando uma ATM fica sem papel, notifica logo o nosso sistema, que automaticamente liga ao responsável por aquela máquina informando-o do que está a acontecer”, exemplifica Cristóvão, acrescentando que o grande valor acrescentando do sistema Voxtron consiste em dispensar a telefonista e fazer com que o telefone passe a ser parte integrante da gestão da empresa.

Jorge Fiel

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Um abraço com desembaraço

 

Nunca fui eleitor do Partido Comunista (votei uma vez APU para a junta de freguesia, porque o candidato era meu vizinho e pessoa boa e competente), mas sempre simpatizei com Jerónimo de Sousa.

A primeira impressão foi logo favorável. Num tempo de antena das presidenciais de 1996, em que ele não chegou a ir às urnas, explicou a desistência a favor de Sampaio com o argumento simples e demolidor de que (cito de cor) não podíamos correr o risco de entrar num novo século e novo milénio com Cavaco Silva na presidência.

Meus Deus, como ele estava cheio de razão! Já aturávamos há dez anos aquela cara de sapato (de biqueira quadrada)! Iluminado pelo argumento de Jerónimo, fui a correr inscrever-me num almoço-comício de apoio a Sampaio, num gimnodesportivo de Matosinhos. Depois arrependi-me, mas, que querem?, foi um impulso...

A simpatia aumentou quando o vi desembrulhar-se, com uma desenvoltura à Mário Soares, de uma situação potencialmente gaga. Tinha acabado de ser eleito secretário-geral e estava numa acção de rua, com as câmaras de televisão a segui-lo, quando foi interpelado por um adolescente, que solenemente lhe comunicou que acabara de se inscrever como militante do partido.

"Fizeste bem, camarada. Dá cá um abraço. Vais ver que não te arrependes", respondeu-lhe de pronto Jerónimo (imaginem o embaraço que o seu antecessor Carvalhas sentiria naquele momento), enquanto envolvia o jovem militante num abraço forte, genuíno e entusiasmado.

Ultimamente, Jerónimo voltou a surpreender-me pela positiva. Primeiro, fazendo uma oportuna e inteligente actualização da teoria marxista, ao declarar, na Casa do Alentejo, em Lisboa, na sessão comemorativa do 90.º aniversário do partido, que "os novos proletários são os trabalhadores dos call center".

Os proletários de todo o mundo, a que Marx e Engels apelaram em 1848, no Manifesto do Partido Comunista, já não são mais os operários aburguesados da Autoeuropa, mas sim os trabalhadores dos call center, o pessoal que anda de motocicleta a entregar pizas ao domicilio e os falsos profissionais liberais que ganham a vida atrás do balcão de uma loja num centro comercial ou a servir à mesa numa cervejaria.

Jerónimo voltou a brilhar a grande altura ao sentar-se à mesa com Louçã, numa primeira abordagem a futuras caminhadas conjuntas. O que une PCP e Bloco é bem maior do que aquilo que os divide. E com a provecta idade de 90 anos, sem Sol na Terra para apontar como farol (sim, Bernardino, é melhor não voltares a falar da Coreia do Norte), os comunistas devem apressar-se a abraçar o Bloco - enquanto ainda têm força e desembaraço.

Jorge Fiel

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Joana Espadinha

Ainda mal tinha acabado de largar as fraldas e já era notório que Joana tinha sido prendada com uma bela voz, que exercitava com gosto repetindo os cantares alentejanos  que os pais lhe ensinavam. E pouco depois de ter deixado de ser analfabeta, logo começou a escrever poemas. Juntando a boa voz com o gosto pelo canto e o prazer da escrita, talvez estivesse escrito nas estrelas que Joana Espadinha, 27 anos, se iria licenciar em jazz no Conservatório de Amesterdão e daria o nome a um quinteto.

Filha mais velha do matrimónio entre dois alentejanos (ela de Serpa, ele da Vidigueira), que se conheceram no Liceu de Beja mas só começaram a namorar em Lisboa, onde cursaram História, Joana cresceu em Cascais numa família com queda para a música – o irmão é guitarrista de jazz e a irmã toca piano clássico.

Aos 12 anos vemo-la no coro dos Pequenos Cantores do Estoril. Quatro Verões mais tarde já está a liderar os Mind Astray, uma banda de covers , formada na Secundária de Cascais, com u mrepertório se baseava em êxitos dos Cranberries, Bryan Adams e por aí adiante… Sheryl Crow e Bem Harper eram dois dos seus cantores favoritos.

Hesitou muito quando chegou a altura de escolher o curso. Era apaixonada por música e pela escrita. Encarou ser jornalista. Ainda que um bocado contrariada, deixou-se convencer pelo argumento que muitos jornalistas eram juristas e matriculou-se em Direito.

Foi uma enorme chatice. “Toda a gente me conhecia por estar sempre a adormecer nas aulas”, conta Joana, que, por altura do 3º ano, começou a acumular as aulas de Direito com as de canto, na escola do Hot Club, prometendo aos pais que isso não iria pesar mais no orçamento familiar.

Durante os três anos em que estudou jazz no Hot Club, pagou as propinas  com o dinheiro poupado das prendas de anos e Natal, mas também com a voz -  actuava no Coro SOS, que abrilhantava casamentos e conferia uma solenidade a enterros  (“nos funerais não cobrávamos cachet”), e, pela mão do baterista Gualdino Barros, começou a cantar em público um reportório de standards celebrizados por Billie Holiday,  Carmen McRae, etc.

Já sabia perfeitamente o que queria fazer quando acabou  Direito, em 2006, e não se deixou convencer das vantagens em, pelo sim pelo não, fazer o estágio de advocacia. Decidiu ir estudar jazz no Conservatório de Amesterdão com a mesma determinação com que insistiu em encomendar o magret de pato, apesar de ter sido aconselhada a optar pelas costeletas de borrego pela chefe de mesa  do Rossio, o restaurante do último andar do Altis Avenida.

 “Guiar com muita atenção à música pode ser perigoso”, gracejou Joana, quando comentávamos que a maioria das pessoas raramente consome a música como actividade exclusiva, mas sim como banda sonora, quando está a estudar, comer, ler, trabalhar ou conduzir  - no carro, ela gosta de ouvir a Europa-Lisboa e a Marginal.

Na escolha de Amesterdão pesou não só a boa reputação do seu Conservatório, mas o dinheiro. Senão teria preferido a Manhattan School of Music. Durante os quatro anos em que viveu em Amesterdão, foi praticamente auto-suficiente – o praticamente justifica-se pelo facto de a mãe lhe ter pago algumas viagens a Portugal. Joana beneficiou da generosidade do Estado holandês (que oferece aos trabalhadores um cartão para os transportes públicos e uma bolsa mensal de 250 euros), não desperdiçava uma hipótese de ganhar dinheiro a cantar, e trabalhou em restaurantes – num argentino (em que só lhe davam frango para comer) e num mexicano ( galo, pois ela não gosta de comida picante).

A conversa ia boa, mas teve de ser interrompida, pois às 15h30 Joana tinha de dar uma aula de canto a Oeiras. Em Julho do ano passado, quando regressou de Amesterdão, foi dizendo que sim a tudo e acabou a dar por ela professora em quatro escolas (Hot Club, Crescendo Musical, Interartes e Centro Musical de Cascais).  “Gosto de dar aulas, mas não posso dedicar-lhes tanto tempo. Um músico profissional não pode deixar de estudar senão estagna”, concluiu Joana, uma música que toca voz - ou, se preferirem a expressão feliz de Bernardo Moreira, toca garganta.  

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

 

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Brasserie  Rossio

Altis Avenida Hotel

Rua 1º Dezembro, 120, Lisboa

Couvert …5,00

Magret de pato, açorda de espargos e maçãs, molho frutos silvestres  … 16,50

Carré de borrego em crosta de ervas, batata a murro e peixinhos da horta… 18,00

2 Copos Areias Arinto … 9,00

1 café ristretto … 2,75

Total … 57,25

 

Curiosidades

“Em palco fico sempre nervosa”, confessa Joana, acrescentando ter ficado mais sossegada quando soube que Elis Regina (“uma das minhas maiores influências”), antes dos concertos, andava sempre numa pilha de nervos. “Um bocadinho de nervoso em palco até nem é mau se o conseguirmos canalizar para dar mais energia à actuação”, conclui

 

Joana foi estudar para Amesterdão acompanhada por dois Joões, com quem partilhou uma casa, “com ratos por todo o lado”, alugada por mil euros/mês. Os dois Joões tocam ambos no seu quinteto  - o Hasselberg (que se tornou seu namorado) no contrabaixo, e o Firmino (que se tornou no melhor amigo dela) na guitarra. As primeiras impressões de Amesterdão não foram muito favoráveis,  devido ao Red Light District. As segundas também não foram espectaculares. “O dinheiro é demasiado importante na mentalidade holandesa. E nota-se uma desconfiança relativamente aos estrangeiros”, diz

 

50 euros é o cachet médio que um músico de jazz cobra para uma actuação num café, clube ou pequena sala de espectáculos  

Joana Roque do Vale

 

Estava escrito nas estrelas de que ia ganhar a vida a transformar as uvas em vinho. Nasceu em Lisboa, cresceu entre Torres Vedras, Évora e Beja. Agora vive em Vila Real e não raros são os dias em que faz mais de mil quilómetros ao volante da sua carrinha Passat. Uma breve história da vida enóloga da Roquevale

 

A nómada que não escapou

ao destino de viver do vinho

 

Nome:  Joana Roque do Vale

Idade: 37 anos 

O que faz: Enóloga e directora de exportação da Roquevale

Formação: Licenciada em Engenharia Alimentar, pela Escola Superior Agrária de Beja, fez dois estágios na Escola de Enologia de Bordéus 

Família: Casada, tem dois filhos, o Artur, nove anos, e o Pedro, sete

Casas: Moradias em Vila Real e Évora

Carro:  Carrinha VW Passat que já fez mais de 330 mil quilómetros desde que a comprou em Dezembro de 2003

Telemóvel:  Samsung

Portátil:  Toshiba

Hóbis:  Não tem tempo para hóbis. Descontrai aos fins de semana na quinta da família, em Torres Vedras, em reuniões de amigos   

Redes Sociais: “Tenho resistido muito a aderir. Uso o Skype para falar a adega e o estrangeiro”

Férias:  Passa sempre a primeira quinzena de Agosto numa casa que a família tem  na praia da Luz (Algarve), a menos de cem metros do mar. “Aproveito para não pegar no carro durante 15 dias”

Regra de ouro: Máxima liberdade, máxima responsabilidade – tanto em casa como no trabalho

 

Apesar de ser uma força de expressão, pode muito bem escrever-se que Joana nasceu com o vinho a correr-lhe no sangue. Os bisavôs, do lado materno, já faziam vinho, que comercializavam com as marcas Casal do Castelão e Quinta Manjapão. Ela ainda se lembra do avô, com 86 anos, andar com o carro carregado de caixas de vinho para venda. E ela tinha dez anos quando os pais transformaram a quinta alentejana da família (a Herdade da Madeira, no Redondo) na base de operações da Roquevale, famosa pelos vinhos Tinto da Talha e Terras de Xisto.

Joana nasceu em Lisboa, no último ano antes do 25 de Abril, mas cresceu e fez-se mulher entre Évora, Torres Vedras e Beja. A sua actual geografia de vida não é muito mais simples, pois apesar da sua primeira residência ser em Vila Real, mantém quartos com a cama feita (e uma escova de dentes na casa de banho) em Lisboa, Torres Vedras e Évora.

Este nomadismo, que só pode atrapalhar os técnicos do INE encarregados do Censos, obriga-a passar longas horas ao volante da sua Passat. “Há dias em que chego a fazer mil km”, confessa.

Para ela, férias grandes foram sempre sinónimo da azáfama das vindimas, pelo que se pode dizer que estava escrito nas estrelas que iria ganhar a vida a transformar as uvas em vinho. Mas ainda resistiu. ”Para ter outras saídas”, quando acabou o secundário, em vez de ir para lá do acidentado Marão, fazer o Enologia na UTAD (Vila Real), preferiu quedar-se pela planície alentejana e cursar Tecnologia das Indústrias Agro-Alimentares, onde estudou vinhos mas também azeite, conservas, etc.

Mas o vinho não a largou. No final do curso, o estágio curricular levou-a até à Herdade do Esporão, “era uma das adegas tecnologicamente mais evoluídas”, onde trabalhou na vindima de 1995, aprendendo com enólogos famosos como David Baverstock, Luis Duarte e Richard Mayson. E rendeu-se ao seu destino.

Aperfeiçoou em Bordéus os seus conhecimentos, antes de finalmente começar a trabalhar com o pai, na Roquevale, a ganhar 60 contos/mês. “Fazia de tudo. Andava com as mangueiras às costas, subia às cubas, carregava as sacas de ácido tartárico…”, recorda.

Na altura eram menos de meia dúzia e faziam 200 mil litros de vinho/ano. Hoje são 34 empregados permanentes e produzem anualmente três milhões de litros. Esta viagem foi pilotada por Joana, que, no entretanto, casou, completou em Beja a licenciatura em Engenharia Alimentar, teve o seu primeiro filho (o Artur, que andava com ela para todo o lado, adega incluída), acumulando as funções de enóloga com as de directora comercial para os mercados externos.

A Roquevale inovou ao fazer o bag-in-box com a marca Alecrim (“Poupam-se seis garrafas, seis rolhas e pode estar dois/três meses aberto e não se estraga”), alargou o portefólio de marcas e cresceu na exportação (onde escoa 23% da produção, sendo que Brasil e Macau são os principais mercados).

Entretanto os pais reformaram-se e foram viver para a Herdade da Capela, em Pias, e como, não conseguiam estar quietos, logo fizeram um vinho, o Monte da Capela, onde Joana dá uma mão.

“Sempre gostei mais de tintos do que de brancos”, confessa Joana, acrescentando que o seu próximo desafio é fazer um vinho com o marido (o enólogo transmontano Luís Soares Duarte), “uma coisa pequena, para dar e vender aos amigos, não é para fazer negócio” - e declarando não estar preocupada com a conjuntura económica: “Nas alturas de crise bebe-se mais vinho”.

Jorge Fiel

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