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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Quatro dias ou meia hora?

É extraordinário o percurso de vida de Manuel Carvalho da Silva, que, nascido há 63 anos numa família de pequenos agricultores minhotos, teve a sorte de escapar à servidão da gleba devido à pressão e persistência do seu professor primário.

Poderia ter cumprido o sonho de ser engenheiro electrotécnico (até aos 13 anos não teve luz em casa) se no final do curso industrial de montador electricista não tivesse sido chamado para a tropa e despachado para a guerra colonial em Cabinda.

Poderia ter sido empresário se em vez de vir ao mundo no pós-guerra tivesse nascido uns dez anos mais tarde, quando começou a florescer a industrialização têxtil dos vales do Cávado e Ave, uma vez que ainda adolescente já evidenciava uma costela empreendedora que lhe permitiu acumular o capital para comprar os primeiros rádio e relógio ao trabalhar as terras dos vizinhos com a debulhadora pedida emprestada ao pai.

Poderia ter sido um alto dirigente do PCP, quem sabe se até mesmo secretário-geral, se tivesse optado por colocar ao serviço do partido os seus imensos talentos de organização que encantaram os gestores das filiais portuguesas das multinacionais alemãs onde trabalhou - ao ponto de o tentarem seduzir com uma carreira internacional.

Poderia até estar com assento na Conferência Episcopal Portuguesa se o pai, em vez de insistir em que o mais velho dos seus seis filhos o ajudasse na lavoura, o tivesse mandado para o seminário.

Católico de formação, temperado pela militância nas fileiras da JEC e da Juventude Agrária, Manuel fez a escolha generosa de dedicar 30 anos da sua vida à defesa dos interesses dos trabalhadores - da melhor maneira que soube e pode.

Há exactamente uma semana, entre o final na tarde e o início da noite, tive o privilégio de estar à conversa com Manuel Carvalho da Silva, a menos de dois meses dele iniciar um novo fôlego da sua vida, em que vai tirar partido do curso e doutoramento em Sociologia, feitos após ter retomado os estudos já com 45 anos.

Perguntei-lhe se ainda acreditava em Deus e na Igreja. Respondeu-me que tinha uma forma muito própria e pessoal de viver essas dimensões.

Ontem, no momento de reflexão antes de escrever esta crónica, vieram-me à cabeça estas palavras sábias do líder da CGTP.

Revi-me nelas. Na verdade, eu tenho uma forma muito própria e pessoal de viver esta dimensão da luta sindical e da greve geral.

E essa forma própria e pessoal leva-me a preferir que o patrão me peça para trabalhar mais meia hora por dia do que apenas quatro dias por semana - como se prepara para fazer António Costa (o amigo com que Carvalho da Silva tomou café durante a campanha para as últimas autárquicas) aos trabalhadores da Câmara de Lisboa. Gosto de me sentir desejado.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Facilitem-me a ida às compras

Sou uma minoria no género masculino. Gosto de ir às compras. Mas não a todas as compras. Não me convidem para experimentar roupa nos apertados gabinetes de prova das lojas. O que eu faço com muito prazer são as compras para abastecer a dispensa e o frigorífico.

Não compro tudo no mesmo sítio. As compras para o mês - do tipo arroz, esparguete, leite, manteiga, azeite, cereais, mel, etc - faço-as no Continente. O marketing da Sonae fidelizou-me com o cartão de descontos.

Depois retoco o abastecimento entre o Pingo Doce (o papel higiénico e o sumo de cenoura/laranja são muito bons), o Lidl (a relação qualidade/preço do mozarella fresco é imbatível) e o Supercor, onde a fruta é regra geral melhor (se bem que mais cara) e me perco com alguns pequenos mimos, como a azeitona kalamata ou os pimentos recheados com queijo.

Não foi preciso a Lehman Brothers abrir falência e mergulhar o mundo nas ondas de incerteza em que vamos sobrevivendo, esforçando-nos por manter a cabeça fora de água, para eu me converter à compra de marcas brancas, onde a oferta das grandes cadeias de distribuição já é muito excelente, não só em quantidade mas também em qualidade.

Agora acabo de tomar a decisão de me tornar um comprador ainda mais inteligente. Além do preço e da qualidade, a origem dos produtos vai passar a pesar muito mais no momento de escolher o que transfiro da prateleira para o carrinho.

A decisão tem efeitos imediatos. Da próxima vez, não vou poupar dois ou três cêntimos por litro se isso significar correr o risco de estar a comprar leite de vacas polacas. Vou comprar o leite da Lactogal que estiver em promoção.

Continuarei a usar a manteiga do Continente, porque, além de magnífica, é dos Açores - quem sabe se até feita com leite daquelas vacas da Graciosa que Cavaco surpreendeu, satisfeitíssimas e gulosas, a olharem para os pastos verdejantes.

Sei que vou deparar com algumas dificuldades nesta minha opção por comprar o que é nosso. O prefixo 560 não é garantia de que o produto é mesmo fabricado em Portugal (pode apenas ter sido embalado e registado cá). Há produtos - como a fruta, vegetais, o azeite, o mel - em que é obrigatória a identificação da sua origem, mas na maioria dos casos ela pode ser escondida. E há batotices, como as detectadas pela ASAE que apreendeu figos turcos, uvas italianas e amêndoas californianas disfarçadas de portuguesas.

Por isso aproveito este desabafo para pedir ao ministro Álvaro que prepare legislação no sentido de tornar obrigatória a denominação de origem nacional nos produtos de marca branca. Não só é patriótico, amigo do ambiente e facilita as minhas idas às compras (será que o iogurte grego do Continente é feito em Portugal?) como, ainda por cima, deve ajudar o grupo Jerónimo Martins a abandonar o lugar destacado que ocupa no top ten dos maiores importadores portugueses.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

O Rui tem bom coração

Sou tentado a dar razão às pessoas que acham que o Porto não andou muito para a frente com Rui Rio na Câmara. Conheço muita gente que diz que a cidade até andou para trás, mas acredito que essa análise mais severa pode ter a ver com um erro de que todos já fomos vítimas.

Quando estamos sentados numa carruagem parada na estação e o comboio estacionado ao lado inicia a sua marcha, dá a ideia que o nosso está em marcha atrás, mas tudo isso não passa de uma ilusão de óptica.

A velocidade com que Gaia se modernizou e prosperou com Luís Filipe Menezes é a responsável pela impressão que muitos portuenses têm de que a cidade progride às arrecuas como os caranguejos ou o nosso PIB.

O Porto tem estado um bocado parado mas talvez seja exagerado dizer que andou para trás e ignorar as qualidades do presidente da Câmara. Rui Rio não é um Fontes Pereira de Melo, um Duarte Pacheco ou um Fernando Gomes. Não é o líder de que o Norte precisa, mas é seguramente um político honesto e com bom coração, tantas vezes incompreendido pelos media.

Há coisa de dez dias, por exemplo, o JN responsabilizou a Câmara pelo despejo de um menina de nove anos do Bairro do Regado, quando, na verdade que foi reposta, o delicado assunto foi tratado pela DomusSocial, a empresa municipal criada pela Câmara para gerir a habitação social - pode parecer que não, mas se calhar faz toda a diferença!

O bom coração do Rui manifestou-se quando recebeu os motoristas da STCP e declarou-lhes a sua solidariedade - ou quando juntou os trabalhadores camarários no Rivoli e lhes confidenciou que o que mais o preocupa nestes dias cinzentos é saber que eles, como os outros funcionários públicos, "estão a ser tratados de forma injusta e desigual em relação a outros sectores da sociedade".

Há gente de mente tortuosa que diz que estas palavras não lhe saem do coração e as interpreta como uma mera manobra política de colagem a Cavaco e distanciamento de Passos para se posicionar numa eventual corrida à sua sucessão.

Da maledicência à calúnia é só um pequeno passo, e há também quem veja a mão de Rui por detrás do frenesim que se apodera da Polícia Municipal que multa sem piedade todos os carros mal estacionados nas imediações do edifício JN nos dias seguintes à publicação de notícias menos favoráveis à Câmara.

Sei que o Rui tem bom coração e seria incapaz de ordenar uma vingança tão mesquinha. Era capaz de jurar que se as vítimas do excesso de zelo localizado da Polícia Municipal se associarem e lhe pedirem uma audiência, ele vai recebê-las, mostrar-se solidário e accionar um inquérito interno ao estranho facto da tolerância zero em Gonçalo Cristóvão coincidir com a publicação no JN de notícias que não lhe agradam.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Um desabafo do 128949/7

Os meus 16 meses de funcionário público foram um dos períodos mais excitantes dos 33 anos que levo a trabalhar. Apanhei o gosto pelas grandes caminhadas. Aprendi a importância da disciplina - e a perceber por que é que o sábio Calouste Gulbenkian nos recomendou beijarmos a mão que não ousamos morder. Fiquei a conhecer as novas fronteiras da minha resistência física e psicológica. E fiz bastante turismo interno, de Mafra até ao Funchal, com escalas em Beja e Santa Margarida a propósito do Orion, o equivalente militar à romagem anual do 13 Maio a Fátima.

Achei bastante divertido calcular a trajectória dos tanques e estudei com afinco as especificidades do tiro curvo e do tiro tenso, para me habilitar a concluir com sucesso a especialidade de Anticarro e Morteiro Médio, cuja existência desconhecia. Antes de ser chamado a cumprir o serviço militar obrigatório julgava que a oferta de Infantaria se esgotava entre o arranhanço dos Atiradores e a semipeluda do pessoal de Transmissões.

Atendendo ao que se dizia que custava cada granada (e apesar de ter andado um dia surdo), deu-me um grande gozo disparar o canhão sem recuo 90. Tornei-me familiar com a G3, se bem que para desfiles e paradas preferisse usar a FBP, bem mais elegante, maneirinha e leve.

Confirmei que as botas da tropa, usadas e bem engraxadas, são do mais confortável que há para andar. Não me espantei quando o verde militar e as calças com grandes bolsos laterais entraram na moda, porque sempre achei muito fashion a farda n.º 3. Finalizando o capítulo do vestuário, devo declarar que além de útil, a rede mosquiteiral ficava a matar como cachecol quando andava de camuflado.

Arrependi-me de não ter aproveitado para tirar a carta e aprender a jogar bridge, mas mesmo assim não dou os 16 meses por mal empregues. Posso ter trazido o fígado em pior estado e atrasado a vida, mas o que ganhei em desembaraço compensa bem isso.

Num momento em que os militares se promovem à má-fila e andam pelas ruas a manifestar-se, o Otelo delira sem chutar para a veia, e as Forças Armadas reivindicam mais generais (temos uns 180, dos quais 156 no activo), apesar da IGF ter concluído que já temos 54 generais excedentários, procedi a este breve inventário do meu período de funcionário público com o número mecanográfico 128 949/77 para declarar que não há mal-entendidos entre mim e o Exército.

Posto isto, declaro que não consigo descortinar uma boa razão para continuarmos a gastar 1,2 mil milhões de euros/ano nos salários de 40 mil efectivos de umas Forças Armadas que não conseguem defender-nos das reais ameaças à nossa soberania e independência nacional que são os gananciosos mercados financeiros viciados em short selling, dos credores impacientes e desconfiados e das agências de rating.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

 

Zé Cariocas e Peninhas

Há de tudo nas empresas. Gente competente, que se empenha em merecer o seu salário, gosta de fazer tudo bem à primeira e está sempre disponível para ajudar o colega do lado. Mas também há gente intriguista, que deixa um rasto de discórdia por onde passa, tal como o Tullius Detritus, o personagem da Zaragata, uma das mais deliciosas aventuras do Astérix e Obélix.

Há também Zés Cariocas, que não se poupam a trabalhos para fugir do trabalho. Há ainda Peninhas, muito bem intencionados - mas que definitivamente não nasceram para trabalhar.

Uma das maiores injustiças do Mundo reside no facto de haver gente empregada que detesta ou não sabe trabalhar e pessoas de-sempregadas que gostam, sabem e precisam de trabalhar. Num mundo perfeito, os primeiros davam a vaga aos segundos e toda a gente viveria feliz.

Nas redacções, há uma espécie de criminosos, muito temida por editores e directores, vulgarmente conhecidos como assassinos de notícias, que por norma escapam impunes devido à sua habilidade e à natureza do delito. Trata-se de jornalistas a quem se entrega uma informação prometedora, bem embrulhada e acompanhada dos números de telemóvel de contactos a fazer, e cometem a proeza de liquidar a notícia a sangue-frio.

No caso concreto dos Peninhas (bem intencionados mas incapazes), o meu primo Fernando, que é gestor e percebe muito mais disto do que eu, garante que a empresa lucra mais se eles estiverem quietos do que a desenvolverem esforços patéticos para se tornarem úteis.

A partir desta teoria do Fernando dei um passo e cheguei à conclusão que uma empresa ganha quando os seus Tullius Detritus, Peninhas e Zé Cariocas fazem greve. Não só não estorvam como ainda por cima deixam de receber. Vai daí, se quiserem prejudicar mesmo o patrão, o que eles têm a fazer nos dias de greve é comparecerem como habitualmente no local de trabalho.

Vem esta reflexão a propósito das greves no sector público de transportes que - perdoem-me a franqueza - me parecem uma rematada idiotice.

Quando o pessoal da STCP, Carris, Metro de Lisboa ou Transtejo faz greve, os principais prejudicados são os trabalhadores que compram o passe e dependem em exclusivo dos transportes públicos. Quando o pessoal da CP faz greve numa sexta-feira, os principais beneficiários são a Brisa e a Galp - e quem mais perde é o país e o planeta.

A greve é um direito intocável, mas está velha e perdeu a eficácia. Até para se manifestar a indignação é preciso ser criativo. Mais tarde ou mais cedo (quanto mais cedo melhor) todos teremos de perceber que não se tira sangue das pedras - e que parar de escavar é a regra número um para quem está metido num buraco.

Jorge Fiel

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Do chispe ao Take Another Plane

Em 1987, quando Portugal tresandava a optimismo, deu-se o fenómeno curioso de aparecerem nos bancos clientes a pedirem para comprar chispe. Ao contrário do que à primeira vista pode parecer, eles dirigiram-se ao sítio certo. A confusão não era entre talho e banco, mas sim entre chispe e CISF - as iniciais da Companhia de Investimentos e Serviços Financeiros, que era uma das estrelas ascendentes na bolsa que subia a 5% ao dia.

Este episódio teve um enorme impacto na minha carreira profissional, pois levou-me a investir na educação financeira. Se toda a gente estava a comprar furiosamente acções, os jornais teriam de satisfazer a sua sede de notícias das empresas cotadas e dos mercados.

Jamais esquecerei a paciência que João Veiga Anjos, então presidente da Bolsa do Porto, teve para me explicar a diferença entre acção e obrigação, o que é uma blue chip e o cash flow, como calcular o PER e o PCF de uma acção, bem como o mecanismo das OPV à holandesa muito em voga è época.

Desde estes tempos, em que comecei a desvendar os mistériso do mercado de capitais, sempre que me sobra dinheiro depois de cumpridas as obrigações mensais, invisto em acções o que destino a poupança de longo prazo.

Há um misto de racionalidade e emoção na selecção das empresas em que invisto. Por isso, mesmo que a TAP já estivesse privatizada e cotada em bolsa, não compraria acções desta companhia.

Chateia-me solenemente continuar a alimentar, como contribuinte, uma companhia que se diz "de bandeira" (ou seja, ao serviço dos superiores interesses do país) para reivindicar protecção do Governo e da ANA - mas que deixa a bandeira cair sempre que isso lhe interessa.

Os superiores interesses de Portugal foram sacrificados no altar da estratégia da companhia quando a TAP desertou do Porto e abandonou Faro. "Volta e meia tenho muitos empresários zangados a dizerem que a TAP não faz nada pelo Algarve. Não vale a pena. "Levar um avião para o Algarve sai muito caro. Não temos dinheiro para isso", confessou, com candura, Luiz Mor, um dos administradores brasileiros da transportadora.

A TAP não é companhia de bandeira para o Porto nem para Faro. É só para Lisboa, onde apostou todas as suas fichas e quer manter uma situação de privilégio face à crescente concorrência das low cost, que alimentam o país com turistas.

Não quero continuar a ser accionista à força de uma companhia que quis matar o aeroporto do Porto, aumentou os custos operacionais no 1º semestre (fazendo orelhas moucas ao corte de 15% decretado pelo Governo), aumentou chefes e directores em 50%, apesar de ter perdido 137 milhões de euros - e agora vem pedir-nos uma recapitalização de 400 milhões de euros.

Lamento muito que o Governo esteja atrasado na venda da TAP, adiada para 2012, apesar de estar prevista para este ano no memorando da troika. E, como nortenho, sigo conselho de quem acha que as iniciais de TAP querem dizer Take Another Plane.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Espero que Passos não engonhe

Como detesto secar-me, guardo para depois do duche as outras tarefas que medeiam entre o acordar e a saída de casa, como escovar os dentes, fazer e tomar o pequeno almoço, espreitar o email e assegurar-me que levo no meu saco de carteiro, tudo quanto suspeito que vou precisar durante o dia.

Enquanto me desembrulho das pequenas obrigações quotidianas, o roupão turco vai-se encarregando de me secar, alimentando a minha preguiça.

Atendendo à impressionante quantidade de decisões que temos de tomar durante um dia de trabalho, é inteligente apetrecharmo-nos de rotinas formatadas que nos poupam a escolhas que podemos antecipar.

Sei perfeitamente que, às vezes, quando tenho em cima da mesa um assunto importante para decidir, faço batota e tento enganar-me, sobrevalorizando escolhas menores num esforço para me convencer que sou decisor impiedoso, que não hesita, recua ou adia quando lhe surge pela frente uma opção dolorosa e prenhe em consequências.

É muito mais fácil optar por almoçar uma americana no Big Ben ou um chao min de lulas e legumes no chinês do largo Tito Fontes, do que decidir se o Jornal de Notícias deve continuar a publicar diariamente a programação de todos os cinemas das regiões Norte e Centro.

A amostra de quatro meses de Governo Passos deixa-me moderadamente satisfeito. Trata-se de gente competente e bem intencionada, empenhada em tirar o país do buraco em que nos meteram e romper com uma tradição de favorecimento de interesses privados que durava desde 2º Governo Cavaco.

Só temo que Passos esteja a engonhar, enganando-se e enganando-nos com a tomada de pequenas decisões relativamente indolores, como a fusão de freguesias, quando se impõe uma grande reforma administrativa, que logo à partida exige um processo bem mais doloroso de fusão de municípios,

No caminho de regresso a casa, chegar ao semáforo da praça da Galiza, vindo da D. Manuel II, e decidir se sigo em frente até à Rotunda ou viro para o Campo Alegre, é bem mais simples de tomar do que marcar uma reunião com a troika para explicar-lhes que precisamos de mais 25 mil milhões de euros - e talvez também de aliviar um pouco o calendário do ajustamento.

O problema é que precisamos mesmo de mais dinheiro porque as empresas públicas de transportes não se conseguem financiar lá fora e estão a usar todo o crédito que a banca pode disponibilizar, o que está a asfixiar a economia e a atirar para a falência empresas com bom produto e encomendas - mas sem fundo de maneio e privadas do crédito dos fornecedores, que passaram a exigir pagamento à cabeça.

Apesar de não ser religioso, rezo para que Passos e Gaspar tenham coragem para tomar a dificil mas inadiável decisão de pedir aos credores um reforço do pacote de resgate que impeça a morte da nossa economia.

Jorge Fiel

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Cavaco não sabe escolher gravatas

A coisa parece difícil - mas não vai ser fácil. Esta frase de humor marxista, tendência Groucho, assenta como uma luva ao paciente trabalho de criação do primeiro banco privado após o 25 de Abril, desenvolvido, há 30 anos, por Artur Santos Silva.

Sozinho, de pasta na mão e sem remuneração, andou dois anos a reunir a centena de accionistas privados da SPI (antecessora do BPI) que subscreverem o capital inicial de 1,5 milhões de contos - e a tentar receber luz verde governamental.

Apesar de a AD de Sá Carneiro ter ganho as legislativas, foi mais fácil convencer TMG, RAR, Sogrape, Riopele & C.ª a abrirem os cordões à bolsa do que obter o sim do ministro das Finanças, Cavaco Silva, que por duas vezes torceu o nariz ao pedido, alegando que a abertura da banca a privados era "um dossiê muito sensível". Persistente, Artur não desistiu e acabou por conseguir a autorização em 1981, assinada por João Morais Leitão, o ministro das Finanças de Balsemão.

O banqueiro é não só persistente ao ponto da teimosia, como também paciente, como fica demonstrado pelo facto de ter adiado um ano a abertura do escritório em Lisboa da SPI - durante esse tempo esteve à espera que Fernando Ulrich, a pessoa que ele desejava para dirigir a operação da sociedade na capital, se libertasse das funções de chefe de gabinete de João Salgueiro.

Para explicar esta espera, Santos Silva cita Segismundo Warburg (fundador da SG Warburg), que recrutava pessoas da mesma maneira que comprava gravatas: não as contratava por necessidade (ninguém compra uma gravata porque precisa) mas porque gostava delas. Por necessidade, compramos líquido amarelo para a louça, papel higiénico, leite ou meias pretas - não gravatas.

A escolha da pessoa certa para o lugar certo é uma das mais difíceis tarefas de um gestor, em que mesmo os mais pintados já meteram água. Que atire a primeira pedra quem nunca se enganou na avaliação das capacidades e carácter de um ser humano.

A mesma dificuldade se sente na selecção dos amigos com que mais privamos. Que atire a primeira pedra quem nunca foi desiludido por um amigo em que confiava.

Olhando para o rol de patifarias de que são suspeitos vários ex--amigos do peito e da política do PR - Oliveira e Costa (seu companheiro no Banco de Portugal, secretário de Estado e conselheiro de investimentos), Dias Loureiro (seu ex-braço direito no PSD e Governo), Isaltino Morais (seu ministro e autarca laranja modelo) e Duarte Lima (seu vice-presidente no partido e líder parlamentar) - sou forçado a concluir que ele falha na escolha das pessoas.

A alternativa à conclusão de que Cavaco não sabe escolher gravatas é muita má. Atendendo à péssima qualidade das companhias de que se rodeou, seria terrível sujeitar o presidente à prova do provérbio popular "diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és".

Jorge Fiel

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O fim da lei do menor esforço

Após definir um país como a soma dos defeitos e qualidades dos seus cidadãos, o Almada Negreiros não resistiu a um exercício de ironia certeira e apelou : "Coragem portugueses, só faltam as qualidades".

No capítulo do trabalho, temos seguramente muitas qualidades, mas quase sempre escondidas, só se revelando quando emigramos ou somos geridos por multinacionais que nos balizam o comportamento com uma gramática rígida de regras a observar no dia a dia laboral.

Esta incapacidade para sermos naturalmente honestos e produtivos no trabalho é filha da cultura de uma nação que se habituou a viver dos recursos dos outros - e entrou em crise sempre que perdeu uma mama.

A perda do trato da Índia teve como consequência a União Ibérica. A independência do Brasil, que pôs termo ao fluxo de ouro, café e madeiras preciosas, foi a causa remota da queda da Monarquia e gerou mais de um século de turbulência.

No século XX, a incapacidade em mantermos as colónias africanas foi o fermento do desmoronar do Estado Novo, deixando-nos a vaguear até descobrirmos em Bruxelas uma nova fonte a jorrar dinheiro.

A lei do menor esforço foi a regra que nos regeu ao longo de seis séculos. Os poderosos enriqueciam roubando, um hábito lamentável que os casos Oliveira Costa, Duarte Lima e Isaltino nos fazem suspeitar que chegou aos nossos dias.

Os mais espertos das classes baixas tornaram-se comerciantes com lábia suficiente para vender aquecedores aos guineenses e frigoríficos aos esquimós, inspirando Hergé na criação do Oliveira da Figueira, o impagável personagem português do Tintin.

E os que não conseguiam sair da cepa torta, vingavam-se, com manha e ronha, fazendo o mínimo possível.

Agora, chegámos ao fim da linha. Já não vai mais ser possível viver ao abrigo da lei do menor esforço. Os poderosos corruptos têm de ir para a cadeia - e os incompetentes têm de ser varridos para o desemprego. Os empreendedores têm de subir na escala de valor, passarem a ser mais Belmiros do que Oliveiras da Figueira. E aqueles que, como eu, optaram por trabalhar por conta de outrém, em vez de arriscarem criar o seu próprio emprego, têm de ser mais produtivos para fortalecer e tornar competitivas as empresas - e a nossa economia.

A dez horas a mais por mês que vamos trabalhar, o fim da rigidez da legislação laboral, o subsídio mais baixo e de menor duração que vamos receber se formos despedidos, são o preço a pagar por termos distribuido mais riqueza do que a produzimos.

Do ponto de vista dos trabalhadores, as novas e draconianas regras significam trocar mais horas e algum dinheiro pela preservação do emprego. Do ponto de vista dos empresários, significa um trunfo mais (os ganhos de competitividade derivados baseados da flexibilidade e redução dos custos) na luta pela sobrevivência.

Os sindicatos terão de perceber que nesta curva apertada em que fomos apanhados, os interesses dos trabalhadores e dos empresários podem ser os mesmos.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

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