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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Imbecilmente sublime, disse Marx

Como é hábito na nossa terra, ao mínimo descuido recorro ao calão e tenho especial apreço pelo insulto, uma disciplina elevada à categoria de arte pelo capitão Haddock. Da fabulosa colecção de insultos do velho marinheiro, destaco aqui alguns avulso, como analfabeto diplomado, astronauta de água doce, apache, cataplasma, flibusteiro, protozoário (acho delicioso insinuar que alguém é um ser unicelular, sem funções diferenciadas) e troglodita - um insulto que o professor Marcelo adora usar.

"Sua badalhoca! Não te lavas por baixo", foi o mais espectacular insulto que ouvi, algures nos anos 80, numa briga entre mulheres na Ribeira.

A arte do insulto não é um exclusivo de personagens de banda desenhada ou mulheres arreliadas. Também é declinada por políticos ilustres.

"Vadio grotesco, desajeitadamente manhoso, velhacamente ingénuo, imbecilmente sublime, superstição premeditada, paródia patética, anacronismo inteligentemente estúpido, palhaçada histórico-mundial, hieróglifo indecifrável" foi o comentário escrito por Karl Marx a propósito da esmagadora vitória de Luís Napoleão nas presidenciais francesas de 1848.

Entre nós, o "vá para a puta que o pariu", cuspido a Francisco Sousa Tavares por Raul Rego, e registado no Diário da Assembleia da República de 19 Março 1980, soa cru e brutal, mas a altercação valeu pela resposta do marido de Sophia: "O senhor é um escarro moral".

Um insulto pode ser voluntário e Scut (ou seja, sem consequências), como foi o caso do cabo da GNR que mandou "pró caralho" o sargento que lhe recusou uma troca de turno e foi absolvido pela Relação de Lisboa, que lhe perdoou a virilidade verbal.

Um insulto pode ser involuntário e portajado (ou seja, ter consequências), como está a ser o caso do presidente da República que faltou ao respeito de 9,9 milhões de portugueses ao queixar-se que os dez mil euros que recebe por mês não lhe vão chegar para as despesas.

Cavaco arrependeu-se e ficou desorientado, como se vê pelo facto de ter tentado emendar a mão através de um circunspecto comunicado à Lusa, em vez dos habituais e modernaços posts no Facebook.

Compreende-se que ele queira controlar os danos e virar as atenções para outro lado. Mas, caramba, ele e a sua rapaziada deviam ter aprendido alguma coisa com aquela barraca das escutas a Belém inventadas no Verão de 2010 em benefício do "Público".

Pior que o insulto involuntário é tentar encobri-lo pondo "fontes da Presidência" a jorrar uma intriga de meia-tigela que no fim-de-semana fez as primeiras páginas do "Expresso" ("Cavaco contra Estado mínimo de Passos Coelho") e do "Público" ("Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia"), baseadas naquilo que Marcelo apelidou, com graça, "cavaquistas anónimos".

A um PR exige-se mais profissionalismo e competência. Em tudo. Até nas manobras de intoxicação e contra-informação.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

 

A propósito do Banco Fiel

As miúdas da minha geração sonhavam ser hospedeiras da TAP e os rapazes aspiravam a ser pilotos de avião. Eu sempre sonhei ser banqueiro. Nunca fiz segredo disso.

Sempre que passava pela esquina da Sampaio Bruno com a Sá da Bandeira e olhava de baixo para a imponência da sede do Banco Pinto de Magalhães sonhava acordado com a hipótese de um dia ser dono de um banco e ter os bolsos fundos para comprar não um mas dois ou três Cubillas e assim habilitar o meu Porto a interromper o longo jejum e voltar a ser campeão.

Sem falsas modéstias, acho que tenho o apelido ideal para ser banqueiro. Banco Fiel é uma marca seguramente melhor que Banco Mello ou Banco Pinto de Magalhães. E pelo menos tão boa como Banco Espírito Santo.

Crescer não me tirou o sonho da cabeça. Antes pelo contrário. Qualquer adulto destro a fazer contas de cabeça fica excitado pela desarmante simplicidade de um negócio como o bancário, que ainda é mais sexy que a Scarlett Johansson e a Charlize Theron juntas.

Ter as pessoas a fazerem fila para nos emprestarem dinheiro barato e depois emprestar esse dinheiro a um preço bem mais caro é um negócio de sonho.

Espertalhões, os banqueiros inventaram uma língua própria (vendas a descoberto, imparidades, carência de capital...), recheada de vocábulos em inglês (spread, warrant, yeld...), para nos convencer que a profissão de banqueiro só é acessível a um punhado de eleitos.

O negócio é tão bom e tão simples, que para abrir um banco e ser banqueiro é preciso uma autorização do Banco de Portugal, que foi concedida a João Rendeiro (Banco Privado) e a Oliveira Costa (BPN), mas está obviamente fora do alcance de alguém como eu que não sou imensamente rico, não milito num partido do arco governativo, não faço parte da Maçonaria ou da Opus Dei, nem sequer sou sócio do Benfica.

Pragmático como me orgulho de ser, há muito interiorizei que nunca serei banqueiro - nem sequer bancário, profissão bastante jeitosa, pois é a que menos sente os efeitos da crise, já que os que estão no activo continuam a ter 25 dias de férias e os reformados são os únicos a receberem 13º mês e subsídio de férias.

Depois de durante anos a fio terem apresentado lucros gordos e recordes, os bancos vão revelar resultados modestos na próxima 6.ª (com excepção do BPI, que os divulga na 5.ª), um dia judiciosamente escolhido para diluir o impacto negativo das notícias durante um fim-de-semana em que não há bolsa e os jornais económicos não saem.

Os banqueiros são os espertalhões, como está demonstrado pelo BCP, que fez uma chicotada psicológica e foi ao Santander contratar o
André Villas-Boas da banca (o Mourinho está no Lloyd's) para anestesiar a dor dos prejuízos (fala-se em 600 milhões) que vai anunciar.

Os banqueiros são uns espertalhões, por isso não tenha pena deles. Faça antes como eu, que tenho inveja deles. E tenha pena de mim por não
ter conseguido fundar o Banco Fiel.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Tenho medo de ir ao médico

Tenho muito medo de ir ao médico. Não que tenha razão de queixa dos médicos. Antes pelo contrário. Sempre que vesícula, coração ou amígdalas me obrigaram, não hesitei em pôr-me nas mãos deles e as coisas correram bem, como está afinal demonstrado pelo simples facto de vos estar a maçar com estas linhas.

Tenho medo de ir ao médico porque, diz-me a experiência, corro o sério risco de me descobrirem doenças que eu preferia continuar a ignorar, se bem que esteja careca de saber que esta atitude é igual à da avestruz que mete a cabeça na areia ou à da criança que fecha os olhos na vã tentativa de se tornar invisível.

Enquanto cliente, não tenho a mínima razão de queixa dos cuidados prestados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS). Os hospitais não são um sítio  gradável de se visitar e sempre me aterrorizou a perspectiva de ter de ficar a pernoitar . Logo para começar detesto o cheiro. Mas esta fobia pelos hospitais nada tem a ver com os profissionais que lá trabalham, desde os auxiliares aos médicos, passando pelo pessoal de enfermagem e administrativo. De todas as vezes que as circunstâncias me forçaram a recorrer a eles, só tenho a dizer bem.

Se enquanto cliente não tenho razão de queixa, já enquanto contribuinte sinto-me horrorizado pelo terrível desperdício gerado pela desorganização e neficiência do SNS.

Horroriza-me saber que no hospital da Guarda há médicos a ganharem 20 mil euros por mês, devido às horas extraordinárias que fazem nas Urgências, porque os médicos mais novos acham insuficiente o prémio de 750 euros/mês que lhes oferecem para ir para o Interior.

Horroriza-me a inexplicável variação do custo médio padrão do doente nos hospitais públicos, que oscila entre os 4022 euros no Norte e os 6458 euros no Alentejo, passando pelos 4358 no Centro, 4464 no Algarve e 5306 em Lisboa.

Aflige-me não perceber por que é que, em média, cada cirurgião faz menos de duas cirurgias por semana.

Aflige-me não compreender por que é que o passivo consolidado do sector público empresarial da saúde cresceu 26,7%, entre 2009 e 2010, fixando-se nuns astronómicos 4,5 mil milhões de euros, que davam para construir o TGV Porto-Lisboa.

Horroriza-me saber que os hospitais públicos precisam de arranjar 1,6 mil milhões de euros até ao fim do mês para fazerem face aos compromissos.

Aflige-me saber que a gestão ruinosa do SNS está a arrastar para a falência centenas de boas empresas e a lançar no desemprego milhares de bons trabalhadores.

A saúde está muito doente e não a coisa não vai lá com analgésicos. Não é preciso ser médico para diagnosticar que tem de ser internada nos Cuidados Intensivos. Não é preciso ter um Nobel da Economia para perceber que está na hora do Estado deixar de ser prestador de cuidados de saúde e se remeter ao papel de atento e competente regulador. O sistema privado é sempre mais eficiente a gerir o financiamento e a gerar o lucro.

Jorge Fiel

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Como espalhar um boato

A repressão funciona. Custa-me reconhecê-lo, mas é verdade. Enquanto me lembrar dos 120 euros que paguei de multa, sempre que estiver ao volante e o telemóvel tocar, ele fica a ladrar sozinho. Eu não atendo.

Se, em 1992, não tivesse sido obrigado a viver durante uma semana num sítio (uma enfermaria do Hospital de St.º António) onde o tabaco era proibido, o mais certo era ter acontecido uma de duas coisas: ou continuava a fumar dois maços de SG Filtro por dia, ou já estava a fazer tijolo - o tabagismo é a principal causa de morte prematura.

Vinte anos depois, estou muito satisfeito por ter deixado de fumar. Economizei dinheiro e pulmões. Passei a respirar e a dormir melhor - e a acordar mais feliz. Confesso que nas primeiras semanas senti a falta do cigarro quando tomava café no final de uma boa refeição, mas essa carência era compensada pela redescoberta de sabores e aromas.

Aplaudi a legislação antitabágica de 2006, cujo impacto positivo já é mensurável: o contingente de fumadores minguou 5% e 22% dos viciados reduziram o consumo, que apesar de ter caído de 12 para 11 biliões (entre 2011 e 2010) de cigarros ainda garante ao Estado uma confortável receita fiscal de 1,35 mil milhões de euros, oito vezes superior à proporcionada pelo vício do álcool (175 milhões).

Apoio o provável endurecimento da lei do tabaco e sigo com curiosidade as consequências do proibicionismo, em particular desde que li um artigo do New York Times que salientava duas tendências curiosas: a satisfação dos donos dos restaurantes (as receitas tinham aumentado porque a diminuição da venda de digestivos, cujo consumo está associado ao cigarro, fora compensado pelo aumento da rotação das mesas) e o anormal crescimento dos divórcios nos casais mistos (um fumador e outro não), recenseado por estatísticas e sociólogos: no final da refeição, vai lá fora fumar um cigarrito, à porta do restaurante trava conhecimento com outros fumadores, começam a conversar e, já se sabe, muitas vezes é mesmo a ocasião que faz o ladrão.

Esta última consequência será muito mitigada se, como tudo indica, for para a frente a intenção já anunciada de ilegalizar as concentrações de fumadores à porta de restaurantes e bares.

No nosso país, a proibição teve o excelente efeito secundário de desencadear o ressurgimento das esplanadas e de alterar de uma forma profunda o relacionamento nos locais de trabalho.

Os não fumadores passam o dia sem levantar o cu da cadeira, interagindo pessoalmente cada vez menos com os colegas - quando têm algo a dizer, usam o telefone interno, o mail ou o Messenger. Os fumadores encontram-se cá fora, várias vezes ao dia, nas pausas para fumar um cigarro, que aproveitam para pôr a má língua em dia. Hoje, para pôr a circular um boato numa empresa, é preciso escolher um fumador para o espalhar.

Jorge Fiel

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Guimarães somos todos nós

Viajar à borla e conhecer pessoas (muitas e variadas) foram as duas razões fundamentais que me levaram a aspirar ser jornalista, uma decisão sábia tomada mais ou menos a meio do meu curso de História, algures na segunda metade dos anos 70.

Não foi fácil, mas compensou. "O caminho é sinuoso, mas o horizonte é radioso". Não encontro melhor frase do que esta, pedida emprestada ao livrinho vermelho de citações do presidente Mao, para sintetizar o que aconteceu na sequência de minha decisão de me tornar jornalista.

Não foi fácil. Até conseguir ser jornalista habilitado a pedir a carteira profissional, fui revisor de provas aqui no JN e colaborador do "Norte Desportivo", especializado em todas as modalidades que metiam água (natação, canoagem, remo, vela...) e em relatos de jogos de futebol feitos via rádio.

Mas compensou. Ainda não tinha passado um ano sobre o orgulho de ter visto o meu nome impresso pela primeira vez num jornal quando tive o meu baptismo do voo, viajando até à Grécia para acompanhar a estreia de velejadores portugueses num Mundial de Windsurf, como enviado especial do "Norte Desportivo" - onde tive a sorte e o privilégio de conhecer, trabalhar e aprender com jornalistas já consagrados, como o Manuel Tavares, o Fernando Santos e o Couto Soares, que 32 anos depois reencontrei na Redacção do nosso JN.

Ao longo destes anos, o jornalismo tem sido muito bom para mim e deu-me tudo (e em quantidades mais que generosas...) quanto eu ambicionava quando era um jovem universitário e deitava contas ao futuro. Fartei-me de viajar, de viver experiências e conhecer pessoas e mundo.

Jamais esquecerei as viagens ao fim da tarde, a bordo do Star Ferry, entre Kowloon e Central, a primeira vez que passeei deslumbrado na Broadway, o prazer de estar deitado na relva, numa manhã quente de Verão, na Place des Vosges, ou de dar um mergulho logo após o acordar, em Ipanema.

Sou urbano. Se me pedissem a lista das minhas cidades preferidas, eu teria de fazer duas. Na das cidades tipo Scarlett Johansson, que nos deixam de boca aberta e a salivar, constariam obrigatoriamente Hong Kong, Nova Iorque, Paris e Rio de Janeiro. No outro top ten, no das cidades tipo Juliette Binoche, que nos dão vontade de namorar, têm lugar cativo Cracóvia, Santiago de Compostela, Praga - e Guimarães.

Com o peito cheio pelo orgulho por termos uma cidade tão bela, cujo Centro Histórico foi classificado pela UNESCO como Património da Humanidade, não podemos deixar de dizer, em coro, Guimarães somos todos nós.

A três dias da inauguração da Capital Europeia de Cultura 2012, sinto a obrigação de fazer notar que é imperdoável não aproveitarmos esta oportunidade que Guimarães nos está a oferecer para visitar, conhecer, saber mais e viver a cidade onde começou esta grande aventura chamada Portugal.

Jorge Fiel

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Tirem as patas do porto de Leixões

Sempre me intrigou o fascínio dos políticos pelos académicos. Após matutar no assunto concluí que essa atracção se deve a um misto de admiração e cumplicidade.

Admiração por os académicos estarem equipados com persistência e tempo para consagrar ao estudo e investigação, enquanto eles tiveram de focar toda a sua atenção e esforços na perigosa prática de alpinismo no aparelho do partido, sendo, por isso, não raro obrigados a optarem por atalhos embaraçosos para se munir de um título académico.

Cumplicidade porque ambos, políticos e académicos, estão irmanados na ambição de atravessarem a vida razoavelmente protegidos do cortejo de maçadas que aflige todos os que estamos expostos aos vexames que os humores do mercado infligem a quem trabalha e arrisca no mundo real das empresas privadas.

Só este fascínio dos políticos pelo mundo universitário, que chega a revestir-se do carácter místico e pouco científico de fé, explica que, num dos momentos mais críticos da nossa História, Passos Coelho tenha entregue o superministério que reúne Economia, Trabalho, Obras Públicas e Transportes a um estrangeirado que viveu metade da vida adulta a 8270 km de distância da pátria.

Compreende-se que Passos tenha sublinhado a sua chegada ao Poder com a divulgação de sinais de um estilo de governação mais austero (como a opção de voar em económica) e tenha começado por poupar no número de ministérios.

Mas custa a entender por que é que o primeiro-ministro de um país que balouça à beira do abismo concentra uma data de tarefas vitais (privatizações, revisão da legislação laboral, trágica situação das empresas públicas de transportes, comunicações, turismo, comércio, etc.) nas mãos de um académico com zero de experiência política, zero de experiência governativa e zero de experiência de gestão.

Ter um superministério não bastou para fazer de Álvaro um superministro e a melhor prova disso é o facto de ele ter permitido que desenterrassem do fundo da gaveta o projecto, abandonado pelos governos Santana e Sócrates, de reunir numa empresa todo o sistema portuário nacional.

Depois de, no passado, ter tido a fama de ser o mais caro porto do Mundo e palco de conflitos laborais constantes, Leixões vive há um quarto de século em paz social, é o mais lucrativo dos nossos portos, teve em 2011 o melhor ano de sempre, registando um crescimento de 12%, rebocado pelas exportações, que subiram 27,5%.

O Norte e Portugal não podem tolerar que este exemplo luminoso de gestão seja usado para disfarçar incompetências alheias e tapar os buracos dos prejuízos dos outros portos. O ministro Álvaro já devia ter percebido que não se deve mexer no que funciona bem - e que os superiores interesses do Norte e do país impõem que ninguém ponha as patas em cima do porto de Leixões.

Jorge Fiel

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Principio de Peter e Lei de Murphy

Afinal já temos medidas para o crescimento: franchisar os pasteis de nata. Esta frase chegou-me 6ª feira, por SMS, enviada pelo meu amigo Anibal, empresário metalomecânico com actividade industrial no distrito de Aveiro e uma forte base comercial em Inglaterra.

Li a frase - suficientemente curta para ser um tweet - e logo a identifiquei como a certidão de óbito político de Álvaro. O ridículo mata.

Atingir o Princípio de Peter (num sistema hierárquico, todo o funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetencia) equivale a accionar a Lei de Murphy - e tudo quanto pode correr mal começa, inevitavelmente, a correr mal. É o que o que nos está a acontecer com o mega-ministério que devia funcionar como uma dose de Prozac mas não passa de um réplica dos trágicos coros grego e só acentua o ambiente depressivo.

Até foi favorável a minha primeira impressão de um ministro que pedia para o tratarem pelo nome próprio, arregaçava mangas, no sentido literal, e prometia também fazê-lo no sentido figurado: "Chegou a hora de reconstruir Portugal. Só falta a necessária vontade de o levar a cabo".

Um par de meses chegou para confirmar que não basta a vontade. Também é preciso saber. E o Álvaro não sabe, para grande pena e desgraça nossa.

Há cinco anos, a AEP iniciou uma campanha de promoção do consumo dos produtos portugueses, com a marca Compro o que é nosso. Mais de 800 empresas aderiram à iniciativa, cujo sucesso é mensurável pelo crescimento das vendas, que oscilam entre um mínimo de 5% e um máximo de 15%, das 8500 marcas que usam o rótulo garantindo que o valor acrescentado português do produto é superior a 50%.

Ora há cinco anos o nosso Álvaro estava em Vancouver a dar aulas e a questionar-se sobre as razões que levaram Deus a demorar tanto tempo a criar o Universo, o tema abordado na sua obra O diário de Deus criacionista.

Talvez por isso, talvez por se terem esquecido de o avisar da campanha da AEP, talvez por ser distraído e lá em casa o pelouro das compras estar atribuído à sua mulher Isabel, talvez pela conjugação de alguns ou todos estes talvez, o ministro da Economia convenceu-se estar na posse de uma ideia nova e luminosa e em Setembro, deu uma conferência de imprensa, anunciando o lançamento da iniciativa Mais Portugal justificada pela "incipência da aposta na produção nacional".

"A diminuição do défice passa pela diminuição das importações", explicou com o ar impante de quem acabava de inventar a roda.

Com diplomacia e tacto, a AEP fez ver ao ministro que já estava no terreno uma campanha com o mesmo objectivo e que, se ele quisesse, teria todo o gosto em ceder a marca Compro o que é nosso. Álvaro deixou a associação sem resposta. Não tugiu nem mugiu. Foi o primeiro sinal de um terrível erro de casting.

Antes de trocar Vancouver por Lisboa, Álvaro fez uma declaração de amor: "Gosto muito de Portugal e gostaria muito que o meu país tivesse futuro". Neste momento, já não tenho dúvidas. O futuro do nossa pátria será mais sorridente se ele sair da Horta Seca e voltar às salas de aula no Canadá.

Jorge Fiel

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Como fugir ao desemprego

Antes desta inevitável fúria liberalizadora da legislação laboral, os patrões queixavam-se de que contratar um trabalhador equivalia a casar com ele para toda vida. No geral tinham razão. Apesar de ser bastante permissiva quanto a despedimentos colectivos (não foi por acaso que cresceram 54% entre 2010 e 2011), a lei portuguesa ainda é bastante rígida no que toca ao despedimento individual.

Não faz sentido que um empregador se sinta acorrentado a um trabalhador. Da mesma maneira que não estava certo que um casamento só pudesse ser dissolvido se ambos os cônjuges se pusessem de acordo em divorciar-se. Para um casamento ser justo, ambas as partes devem ter a liberdade de a qualquer momento lhe porem termo.

Está mal que um trabalhador seja livre de se despedir e que a contrária não seja verdadeira. Estava mal que uma mulher não pudesse divorciar se o homem se opusesse - ou vice-versa.

A nova lei do divórcio flexibilizou a ruptura do contrato entre um casal e só não inverteu a tendência de queda dos casamentos porque, no entretanto, o mercado das relações entre as pessoas se ajustou, escapando à rigidez e iniquidade da legislação através das uniões de facto, o equivalente afectivo-sexual ao expediente dos recibos verdes usado no mercado do trabalho.

A instituição casamento está em crise, o que se compreende até porque os seus principais propagandistas são solteiros e comprometidos para a vida com o celibato, o que configura aquela situação equivoca do "olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço".

Os portugueses casam-se cada vez menos. Entre 2000 e 2011 o número de casamentos caiu de forma continuada de 53.899 para 37.166. E casam-se cada vez mais tarde. Em 20 anos, a idade média dos noivos subiu quatro anos, para 28 (mulheres) e 30 anos (homens).

Não há estatísticas para a evolução das uniões de facto, mas tudo leva a crer que cresce em regime de vasos comunicantes com a quebra nos casamentos. O facto dos filhos de pais não casados representarem já cerca de 40% dos nascimentos é a prova dos noves desta tese.

A ligeira interrupção no crescimento exponencial dos divórcios - de 4.380 (2000) para 19.532 (2010) - registada no ano passado (18.211) não deve ser lida como um inversão de tendência, mas antes à luz da lei da precedência. Só podemos divorciar-nos se estivermos casados - e há cada vez menos portugueses casados.

São cada vez menos os casamentos que resistem ao teste dos tempos. São cada vez menos os empregos que resistem às alucinantes mudanças da economia. O emprego para a vida acabou. O casamento para a vida também - como bem o notou o Frei Bento Domingues: "Não vejo como o casamento possa ser estável um mundo tão instável".

Neste mundo em desvairada mudança, a única solução para evitarmos estarmos no desemprego, afectivo ou laboral, é sermos capazes de estar sempre a reinventar-nos. Este é o desafio do século XXI.

Jorge Fiel

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Está na hora de Rui sair do armário

Todos navegamos pela vida com uma carga de manias. Não ser muito dado à poesia é uma das minhas manias. A Adília, o O'Neil e o Pina são as excepções. Custa-me a perceber por que é que numa altura destas, em que é urgente poupar, a generalidade dos poetas teima em desperdiçar papel e não aproveita as linhas até ao fim.

Para não prejudicar a imagem razoavelmente lisonjeira que tenho de mim próprio, atribuo este pecadilho ao défice excessivo de sensibilidade que ataca sobretudo nos homens - e tento convencer-me de que este desinteresse se deve ao facto do poeta ser um fingidor, a acreditar num dos nossos expoentes máximos na matéria.

Não conheço em pormenor as manias do presidente da Câmara do Porto, que ontem celebrou dez anos no cargo, mas já deu para perceber que ele tem uma aversão pelo risco que lhe está a prejudicar a carreira.

Como todos os políticos, Rui Rio tem uma costela de poeta. Finge que não quer sair do Porto, mas ambiciona regressar a Lisboa e sonha ter o retrato na escadaria principal da sede do PSD, na São Caetano à Lapa, decorada com as fotos dos 16 líderes que antecederam Passos Coelho.

Apesar de nem às paredes confessar esta ambição, já todos percebemos que Rui governa o Porto obcecado com duas coisas: dourar a imagem que o resto do país laranjinha tem dele e impedir que Menezes atravesse o rio e se instale no seu gabinete.

Tenho pena de que Rio seja apenas mais um dos políticos que encaram o Porto como um trampolim - um ponto de partida e não de chegada. Mas compreendo as suas ambições.

O que não compreendo é por que é que deixa a obsessão anti-Menezes toldar-lhe o discernimento e prejudicar-lhe a carreira. O que eu não compreendo é por que é que não se cura do medo de arriscar e assume uma candidatura à liderança do PSD, já no Congresso de Março.

O Rui tem tudo a ganhar se puser um dedo no ar e der um passo em frente. Depois de Cavaco, todos os barões que ousaram candidatar-se acabaram por ter direito a retrato na sede.

Em 95, Durão perdeu para Nogueira, mas quatro anos depois chegou à liderança em Coimbra, derrotando Santana Lopes e Marques Mendes.

Santana esperou quatro anos pela sua vez. Marques Mendes teve de ser mais paciente e aguardou cinco anos pelo Congresso de Barcelos, onde derrotou Menezes - que viria a conquistar o partido uma dúzia de anos após ter abandonado o Coliseu, de madrugada e a chorar, depois de ter acusado os barrosistas de serem "sulistas, elitistas e liberais".

Até chegar onde chegou, Passos teve de engolir a derrota com Ferreira Leite e a humilhação de ser riscado da lista de deputados. Na política, como na vida, é preciso ter a coragem de perder - e assim ganhar balanço para uma vitória. A história sopra um bom conselho ao ouvido de Rui: Está na hora de saíres do armário, de deixares de ser uma mera caixa de ressonância das críticas de Belém a Passos - e assumires uma candidatura à tua cadeira de sonho.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Um almoço com Durão no Tivoli

Durão Barroso ainda era secretário de Estado quando intercedeu junto do comissário Manuel Marín para que os PALOP pudessem beneficiar de um programa comunitário. O espanhol aceitou o empenho e disse: "Gosto de vocês. São como os italianos. Menos brilhantes, mas mais honestos".

O presidente da Comissão Europeia usou este episódio para responder à pergunta sobre como é que nós somos olhados na Europa, feita ontem durante um almocinho de duas horas, no Tivoli Lisboa, com 16 responsáveis de jornais, rádios e televisões.

Estava tudo impecável. Abrimos com carpaccio de novilho, acompanhado por Vinha Grande. A seguir, foi uma tranche de robalo com um branco alentejano. Antes do café, servido com "petits macarons", tivemos direito a uma espetada de frutos tropicais. Há vidas bonitas. A refeição foi boa, mas a conversa ainda melhor.

Não vou cometer inconfidências sobre o que foi dito à mesa, porque aceitámos que o almoço era em off, mas sinto que devo partilhar as impressões com que fiquei do pensamento e estado de espírito de Durão.

Fiquei satisfeito por ele não ser daqueles que olham para os dois lados antes de atravessar uma rua de sentido único. Pelo contrário.

Está optimista e crítico das cassandras e do "intelectual glamour of pessimism".

Está optimista, apesar de consciente de que a UE se encontra no pior momento da sua vida - ou caminha para a integração ou para a desintegração.

Acha que a esmagadora maioria dos estados-membros (Alemanha incluída) está empenhada em salvar o euro. Os avanços institucionais são a prova disso. A Comissão Europeia nunca teve tantos poderes. E o novo tratado está, em alguns aspectos, mais à frente que os EUA.

Atribui o pessimismo dominante ao controlo de 95% do mercado da informação pelos anglo--saxónicos (que não são entusiastas do euro). O resto vai atrás, contagiado. Gostei da análise. Em termos de comunicação, a Alemanha vale cem vezes menos que o Financial Times, Economist e Wall Street Journal juntos.

Sobre Portugal, fiquei com a ideia de que Bruxelas pensa o que diz em voz alta. Faz uma avaliação positiva, acha que o Governo está a esforçar--se por safar a coisa, mas que ainda nada está decidido - enquanto a Irlanda está a cair para o lado bom e a Grécia para o lado mau.

Pareceu-me que o grande medo de Durão é que a Grécia caia (estava com cara de tripla se a questão fosse um Totobola), não só pelos efeitos devastadores para os gregos, mas também pelo risco de contágio nos afectar - e as novas firewalls não serem ainda suficientemente fortes para nos proteger. Resta-nos a consolação de sermos mais honestos que os gregos, que quando vão ao hospital só são atendidos se levarem no bolso dinheiro vivo para pagar aos médicos e enfermeiros.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

PS. Mantive-me fiel às minhas duas resoluções de Ano Novo. Comi devagar, ao ponto de ser admoestado pela Leonor Ribeiro (a jornalista que há uns bons dez anos faz de canivete suíço do Durão) por estar a empatar o repasto - e não abri a boca, pois não tinha nada de importante para dizer.

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