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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

O que é ser preguiçoso na cama?

Tenho-me divertido imenso com o folhetim em exibição sobre as Secretas e o Superespião, um enredo cómico, adequado a uma ópera bufa e povoado por uma rica galeria de personagens, onde abundam malandros (não necessariamente dos bons), descarados e cretinos pomposos, que têm em comum uma noção de ética tão firme como uma teia de aranha cansada.

A história está a ganhar velocidade e pressinto que nos próximos capítulos a trama vai ser condimentada com o picante das sempre sumarentas cenas de sexo e traição.

Ao que nos é dado a conhecer, os desgraçados dos agentes que era suposto serem secretos - mas todos os leitores de jornais já conhecem pelo nome e apelido - elaboravam relatórios tão exclusivos como um modelo da Zara ou uma casa de banho pública.

Num desses relatórios, encomendado pelo Superespião - o Jorge Silva Carvalho deve delirar que o tratem por este cognome que o transporta para o exclusivo universo dos Superheróis povoado pelo Super Homem, o Hulk e o Homem Aranha, entre outros - , figura, por exemplo, a misteriosa informação de que alegadamente Francisco Balsemão "até na cama é preguiçoso".

Fiquei intrigado. Tenho dado voltas à cabeça para tentar perceber o que pretendem significar com esta insinuação da suposta preguiça de Balsemão na cama.

Os cientistas que estudam o comportamento humano durante o sono concluíram que, em média, nós mudamos de posição 30 vezes por noite. Será que Balsemão se vira apenas umas 20 vezes e é por isso que impende sobre ele a acusação de até na cama ser preguiçoso?

Uma sondagem da revista Esquire, recentemente divulgada, revela que a posição da amazona, em que ela fica por cima, ultrapassou nas preferências dos homens norte-americanos, a tradicional posição do missionário. Será que Balsemão está sintonizado com a nova moda dominante nos States e é por isso perfidamente insinuam que até na cama ele é preguiçoso?

O relatório sobre o Balsemão não passa de uma torpe recolha de boatos e mexericos misturados com factos do domínio público. A grande revelação que faz é sobre o caráter de quem o redigiu e encomendou - tudo almas perdidas em que há muita a sombra triunfou sobre a luz.

A lição que se deve extrair deste deplorável e ridículo folhetim em curso (ou ongoing, como se diz em inglês) é que Oscar Wilde estava cheio de razão quando, no longínquo século XIX, escreveu que "dado o caráter do jornalismo atual, a profissão de espião deixou de fazer sentido". Agora, que temos o Google e o Facebook, ainda é mais anacrónico estar a gastar dinheiro em agentes secretos falsificados. O bom senso e a profilaxia aconselham ao encerramento de todos os SIS, SIED e ofícios correlativos.

PS. O ministro Relvas tinha a obrigação de saber que um político queixar-se dos Media é tão ridículo como uma marinheiro queixar-se do tempo.

 

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Ser batoteiro não pode compensar

No treino para as consultas a sério, os alunos de Medicina da Universidade do Minho têm ao dispor cerca de 70 doentes standard, atores formados durante um ano até se tornarem especialistas numa doença, pericardite, infeção renal, insuficiência respiratória, diabetes, etc.

Os atores que fazem de doentes foi uma das muitas coisas que deixou muito bem impressionado quando o Nuno Sousa me proporcionou uma visita guiada às instalações da escola que dirige.

Parte dos exames são feitos num consultório equipado com uma câmara de vídeo, que permite aos professores, que estão no gabinete ao lado, seguirem o diálogo entre aluno e ator, a quem previamente entregaram o guião - o falso doente pode começar a consulta a dizer ao futuro médico que só precisa que ele lhe passe uma receita...

Nenhum aspeto da relação médico/doente é deixado ao acaso nas avaliações. E conta para a nota se o aspirante a médico, quando for chamar, à sala de espera, a atriz/doente, que está carregada com sacos, desperdiçar a oportunidade de estabelecer empatia com ela ajudando-a a transportar os sacos.

A escolaridade obrigatória e a Universidade são apenas uma primeira e decisiva fase da aprendizagem. Para sermos competitivos nestes tempos exigentes é indispensável um esforço permanente de atualização e sermos capazes de viver com a mudança efervescente.

No século XXI, o período de formação não se esgota quando saímos da faculdade, mas apenas quando saimos do mercado de trabalho.

A minha confiança no futuro fica seriamente abalada quando me lembro do episódio, ocorrido há um ano, em que dezenas de candidatos a juízes foram apanhados a copiar num teste e da direção do Centro de Estudos Judiciários queria pactuar com este ato vergonhoso, correndo a dez valores toda a gente, ou seja nivelando batoteiros e honestos.

O meu otimismo também fica abalado ao saber que 55% dos universitários já copiaram num exame, de acordo com as conclusões de estudo feito por uma investigadora da Faculdade de Economia do Porto num um universo de 5403 estudantes de 400 cursos e cem diferentes escolas de ensino superior.

Não será sendo bom a copiar que um recém licenciado vai conseguir arranjar um emprego. Não será recorrendo a truques como o de entregar o mesmo trabalho em mais de uma disciplina (prática confessada por quase metade dos inquiridos) que um jovem vai preservar o emprego e subir na vida.

A culpa deste lamentável estado de coisas não pode ser atirada apenas para as costas de estudantes. Neste banco dos réus também se sentam a escola e família que não lhes ensinaram a ter um comportamento ético, os professores que preparam exames onde copiar compensa pois a trafulhice não é detetada - bem como um ensino baseado na acumulação e débito de conhecimentos, em que exemplos luminosos como do curso de Medicina não são a regra. Infelizmente.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Democracia e delícias do mar

Como o Pedro estava a atulhar o prato com delícias do mar, chamei-lhe a atenção para a existência de pedaços de lagosta no bufete frio do restaurante de rodízio. Achava preferível que ele se banqueteasse com o verdadeiro produto, que nem todos os dias estava ao seu alcance, em vez de se empanturrar com aqueles baratos sticks de contraplacado, aromatizados com extrato de caranguejo e tingidos de vermelho por fora.

Estávamos a jantar no Chimarrão da Expo, antes de assistirmos ao arranque da Up Tour, dos REM, no Pavilhão Atlântico. Como só tinha 11 anos, o meu filho encarou a sugestão como uma ordem, mas depois de provar a lagosta confessou gostar mais das delícias do mar.

Tem a ver com a maneira como o nosso gosto é educado. O meu filho Pedro estava tão habituado ao sucedâneo que estranhou o paladar do produto. Tem também a ver com o facto de, por norma, nós apenas gostarmos do que já gostamos e querermos o que já quisemos.

Eu próprio, viciado em salmão de aviário - que apenas ganhou a sua cor característica graças à ação de um corante -, temo estranhar o sabor se um dia, numa escala em Anchorage, Alaska, ou algures junto à foz de um rio escocês, me aterrar no prato uma posta de salmão selvagem.

Vem esta deriva gastronómica a propósito do sistema político em que vivemos, a que nos habituamos a chamar democracia, apesar de, bem vistas as coisas, ter tanto a ver com a democracia original como as delícias do mar com a lagosta.

Há bem mais tempo do que seria desejável, os dois pilares em que tradicionalmente assentava a democracia - a igualdade dos cidadãos e a soberania do povo - deixaram de ser observados pelos administradores do regime político vigente, de acordo com a opinião dos mais diretamente interessados na matéria: o povo.

Consultada pelo Barómetro da Qualidade da Democracia, uma larga maioria representativa de 59% dos portugueses acusa a Justiça de tratar os cidadãos de maneira diferente, consoante o seu estatuto económico, social e político. Basta recordar o caso Isaltino para ficarmos conversados sobre o princípio da igualdade dos cidadãos.

O mesmo barómetro revela que 78% dos cidadãos acham que os políticos se preocupam apenas com os seus interesses e que as decisões políticas no nosso país favorecem sobretudo os grandes interesses económicos. Ou seja, também estamos conversados sobre o princípio da soberania do povo.

A regeneração do nosso sistema político implica que os governantes encarem o dinheiro público como sagrado e percebam que deve ser o Governo a trabalhar para os cidadãos e não os cidadãos a trabalhar para alimentar o Governo.

A qualificação da nossa democracia exige, ainda, que todos nós tenhamos consciência que o Estado não dá nada, apenas distribui o que recebe de nós, cobrando para si uma gorda comissão que alimenta um anafado aparelho de Estado que não há meio de emagrecer.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Morte aos tolos pessimistas

A fantástica galeria de personagens do Tintin ficou mais rica, em Charutos do Faraó, com a chegada de Oliveira da Figueira, bem disposto comerciante, sempre pronto a oferecer um cálice de Vinho do Porto para agilizar a conversão em cliente e amigo de um novo conhecido.

A facilidade em convencer os outros a comprar-lhe artigos de utilidade duvidosa é a principal característica deste português, a que Hergé recorreu em mais três aventuras (No País do Ouro Negro, Carvão no Porão e Joias da Castafiore).

Menino para vender ventoinhas as esquimós e aquecedores na Guiné, Oliveira da Figueira simboliza o desenrascanço e o espírito aventureiro que fazem parte do nosso código genético e se revelaram em todo o seu esplendor na empresa dos Descobrimentos e da expansão marítima, em que demos novos mundos a conhecer ao Mundo, enquanto fazíamos negócio com o ouro da Mina e a pimenta da Índia.

Este nosso jeito não desapareceu com o fim do Império e foi ele que, aliado à grande capacidade exportadora da indústria do Norte, poupou o país à bancarrota na dúzia de anos que mediou entre a perda das colónias e a admissão no clube que nos deu dinheiro fácil.

Após 25 anos em que a fonte que jorrava de Bruxelas disfarçou a incompetência da governação, assegurada à vez por PS e PSD, Portugal volta a balouçar à beira do abismo, por culpa de um modelo errado de desenvolvimento que apostou todas as fichas nos serviços e em Lisboa, criou uma abundante classe de corruptos e parasitas (Duarte Lima e Oliveira e Costa são apenas a ponte do iceberg) e negligenciou a agricultura e a indústria, produtoras de bens transacionáveis.

Um quarto de século volvido, são novamente as PME e o Norte que estão a impedir o país de ir pelo esgoto abaixo. Com três motores (investimento e os consumos público e privado) em desaceleração, as exportações, que no 1.oº trimestre cresceram 11,6%, são o único motor que mantém o avião da nossa economia a voar, creio que na boa trajetória.

Face a este formidável desempenho, os velhos do Restelo preferem chamar a atenção para o abrandamento de março (em que as exportações cresceram 8,3% face aos 13,5% dos dois primeiros meses), esquecendo-se de referir a grande queda no consumo verificada em Espanha (que absorve 1/4 das nossas vendas externas) e na Alemanha nesse mês em que as importações caíram 10%.

As cassandras catastrofistas acusam Vítor Gaspar de um "otimismo incompreensível" por prever para 2012 um aumento de 3,4% nas exportações, que, recordo, cresceram 11,6% no 1.0º trimestre, e 7,9% no ano passado - uma excelente surpresa face às estimativas de que apenas subissem 2,2%.

Em vez de se entregarem a inúteis exercícios de autoflagelação, os tolos pessimistas, que olham para os dois lados antes de atravessarem uma rua de sentido único, fariam melhor em aplaudir de pé os heróis que fazem de Portugal o país da Zona Euro onde mais crescem as exportações - apesar das extremas dificuldades no acesso ao crédito e a seguros de exportação.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

O drama da mitologia benfiquista

 

Há muitos, muitos anos, os nossos antepassados inventaram deuses para explicar fenómenos - o vento e a chuva, o sol e a lua, o fogo e a tempestade, o dia e a noite - para os quais não tinham explicação, e organizaram religiões com o objetivo de influenciar os humores imprevisíveis da mãe Natureza.

Bastante empreendedores, como está documentado pela capacidade de construírem as pirâmides do alto das quais 43 séculos de História nos contemplam, os antigos egípcios arquitetaram uma narrativa religiosa bastante completa, onde, por exemplo, Rá, deus do Sol, cuspiu Shu, deus do Ar, e Tefnut, deus da Humidade.  No panteão de deuses egípcios, Ísis encarregava-se dos seres vivos, mas nem o futuro (Osíris superintendia a todo o  processo da jornada até ao Além) nem os sentimentos - Seth era a divindade que tratava do ódio - eram negligenciados.

Interesseiros, os gregos abriram espaço na sua mitologia para Hermes, deus dos comerciantes, a quem rezavam e dedicavam o sacrifício de animais, na tentativa de o satisfazer e melhorarem as vendas.

Coube aos hebreus o louvável esforço de racionalização desta confusão panteísta de adoradores de uma multidão de deuses. Abraão foi, à época, o equivalente à Maria Manuel Leitão Marques, o rosto do Simplex religioso, da fundação de uma religião monoteísta, em que um só Deus, todo poderoso, esponsável por toda a Criação, que se ocupa em regime de acumulação de todos os pelouros - e a quem os fiéis podem recorrer seja qual for a índole da sua aflição. Muito melhor que a Loja do Cidadão.

Nove em cada dez dos seis milhões de benfiquistas refugiaram--se na religião para achar uma explicação para a esmagadora hegemonia portista no      nosso futebol. Os panteístas atribuem as culpas a efeitos conjugados da ação malfazeja de alguns anjos e demónios, como Jesus (o Jorge), Vítor Pereira (o dos árbitros), Luís Filipe Vieira e Pinto da Costa. Outros, monoteístas, optam por culpar apenas os árbitros por todas as suas desgraças.

Como portista e agnóstico compreendo a desorientação teológica que se apoderou dos benfiquistas. A moderação da minha satisfação pela conquista do bicampeonato deve-se ao facto de por mais de uma vez ter festejado tris, tetras e até um penta. Mas para se gabar de ter vivido um bi, um benfiquista tem de ter pelo menos 28 anos -e um sportinguista 59 anos!

Enjeitar as responsabilidades pelas derrotas e fracassos, atirando- -as para as costas largas da arbitragem, não é o caminho certo para os benfiquistas contrariarem o domínio azul e branco e devolverem algum suspense à indústria do futebol.

Demonizar os árbitros e sacrificar animais à Fortuna (a deusa romana da Sorte) é o drama da mitologia benfiquista. Para voltar às vitórias, o Benfica tem de aprender com Minerva (a deusa romana da Sabedoria) a lição de que as vitórias portistas são filhas da combinação de talento com competência e muito, muito, trabalho. Só assim a sua fé no futuro terá fundamento.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Saramago foi feliz com a Pilar

Os espanhóis têm uma data de coisas adoráveis como o manchego, as plazas mayores, o pulpo à galega, a alegria de viver, Penélope Cruz, Manuel Vasquez Montalban, o Jerez fino, Lluis Llac, Santiago de Compostela, Goya, Almodóvar e o Barcelona - para citar só uma dúzia de exemplos tirados ao acaso de uma lista que seguramente não caberia neste espaço.

Os espanhóis têm coisas que eu adoro, mas outras que nem tanto, como a horrível mania de dobrar os filmes (ninguém no seu perfeito juízo pode  ostar de ouvir o De Niro a falar em Castelhano), chamar pantalones vaqueros aos jeans e tratar o Pepe pelo brasileiro Pepe - quando querem elogiar as suas exibições - e por o português Pepe - quando se trata de criticar a sua excessiva dureza.

Os espanhóis são diferentes dos portugueses, pois preferem as coisas deles às dos outros, ao contrário de nós, que achamos sempre a galinha da vizinha mais bonita que a nossa.

A bem dizer, os espanhóis - ou, se quisermos ser mais rigorosos, galegos, castelhanos, bascos, catalães, andaluzes, estremenhos e por aí adiante - também são muito diferentes uns dos outros, e apesar dos quatro séculos em que estivemos de costas voltadas e com as fronteiras fechadas, um andaluz é mais parecido com um algarvio do que com um basco, e um minhoto é mais parecido com um galego do que com um alentejano.

O provérbio "de Espanha nem bom vento nem bom casamento" foi cunhado no tempo em que estivemos de costas voltadas e já deixou de ser verdadeiro, como ficou demonstrado por Saramago, que foi muito feliz com Pilar e ficou em parte a dever o Nobel ao facto de ter sido adotado pelos nossos vizinhos do lado. E são os ventos de Espanha que curam os deliciosos presuntos de pata negra de Barrancos.

A abertura das fronteiras, o Erasmus e a natural osmose das duas economias eliminaram as desconfianças, filhas do desconhecimento, entre os povos ibéricos, agora circunscritas a pequenos grupos que se entretêm a tentar manter vivas causas quixotescas, como a questão de Olivença ou a manutenção do feriado nacional antiespanhol.

Quando precisa de ir a Bruxelas, o presidente da Junta da Extremadura vai a Lisboa apanhar o avião, porque Lisboa (280 km) fica mais perto de Mérida do que de Madrid (320 km). E quando querem viajar para Londres ou Paris, os galegos voam a partir do Porto na Ryanair.

Portugal e Espanha são os dois vizinhos que habitam a Península Ibérica e por isso condenados a entender-se. Hoje, na Alfândega do Porto, há uma reunião de condomínio entre Lisboa e Madrid. É um encontro importante. Mas mais importante que a cimeira é o reforço dos laços estabelecidos entre a Galiza e o Norte, a Extremadura e o Centro.

Temos de construir uma Ibéria multipolar, porque, na UE, os ventos da História sopram no sentido de um regime federalista, em que os poderes concentrados nas capitais vão ser progressivamente distribuídos por Bruxelas e as regiões.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Mais cm2, menos cm2

Um pequeno incidente marcou a chegada desta primavera chuvosa. A 20 de março, fiz uma pergunta retórica: "Para que serve o presidente da República?", a que dei uma resposta disfarçada de conselho: "Não vale responder: para torrar 17 milhões de euros/ano, que é quanto custa manter a Presidência da República, cujos gastos subiram 31% nos cinco anos do primeiro mandato de Cavaco".

Esta frase, que gastou 10 cm2 do nosso JN (e usou números publicados e nunca antes desmentidos), não caiu bem em Belém, que enviou uma clarificação logo publicada, ocupando 248 cm2 da edição de 21 de março, o que coloca duas questões.

Faz sentido dar à clarificação de uma frase um espaço 24,8 vezes superior ao ocupado pela frase que clarifica?

Apesar de um não ser muito tentador, eu respondo que sim. Sim, porque o respeito que a Presidência da República (PR) nos deve merecer exige que lhe seja concedida toda a latitude para esclarecer a maneira como ela gasta os dinheiros públicos.

Quem tem razão? Eu ou Cavaco?
Aqui a resposta certa é os dois. Belém diz que em 2006, no ano em que Cavaco assumiu funções, o Orçamento da PR foi de 17 milhões de euros. É verdade. Eu digo, em 2006, a verba inscrita no Orçamento para o funcionamento da PR foi de 14,1 milhões. Também é verdade. Uma coisa é verba inscrita outra é verba gasta. Belém diz que tem vindo a diminuir as despesas e compara os 17 milhões, gastos em 2006, com os 15,1 milhões inscritos no Orçamento 2012. É verdade. Eu digo que comparando o último ano completo de Sampaio com o primeiro de Cavaco, as despesas de funcionamento da PR subiram 2,53 milhões, ou seja 19%.

Podia estar aqui a gastar cm2 de jornal a fazer comparações, dispondo os números à luz da perspetiva que melhor ilustra o meu ponto de vista, mas sinto que não só não posso (o espaço desta crónica é finito: 220 cm2) como também não devo fazê-lo.

Não sei se deva comparar os 16 milhões de euros que PR portuguesa gastou em 2011 com os 8 milhões de euros gastos nesse ano pela Casa Real espanhola.

Sei que corro o risco de passar por monárquico ao comparar os 1, 6 euros que Belém custa, em média, a cada português, com os 0,93 euros que a Coroa britânica custa aos seus súbditos, ou os 55 cêntimos per capita que os suecos pagam para manter o Carlos XVI Gustavo, rainha Sílvia e respetiva família.

E não quero parecer demagógico ao comparar os 500 funcionários dependentes do Palácio de Belém com os 400 ao serviço do Palácio de Buckingham.

Se calhar vou abster-me de criticar o que me parece serem os gastos excessivos de Belém, porque, como bem sublinhou a PR na sua clarificação de 248 cm2, os 16 milhões de euros cobrem também as despesas do Museu da Presidência, o Conselho de Estado e os conselhos das ordens honoríficas, bem como os gabinetes dos anteriores chefes de Estado - e se Eanes é austero (no seu tempo a PR gastava 163 vezes menos que agora), já não ponho as mãos no fogo por Soares, que noutro dia até queria pôr-nos a pagar os 300 euros de multa que apanhou por ser apanhado a 200 à hora.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

O caso das prostitutas gregas

Um dos feitos maiores do cavaquismo, de que o próprio Aníbal mais se orgulhou à época, foi conseguir tirar Portugal da cauda da Europa, quando passámos aos gregos a lanterna vermelha do último lugar na estatística do PIB per capita na UE. Foi uma enorme alegria patriótica mas não durou muito, por causa não só da esperteza dos gregos mas também dos alargamentos que levaram a casa europeia a crescer da antiga dúzia para os atuais 27.


Os gregos sempre foram muito marotos, e em 2006, num golpe de magia abençoado por Bruxelas, aumentaram o seu PIB em 25%, através de uma mudança do método de cálculo da riqueza produzida, que passou a contabilizar o contrabando de tabaco, a lavagem de dinheiro e o valor acrescentado produzido pelas prostitutas.

Esta operação bizarra não foi inédita. Em 1987, a Itália tinha feito crescer o seu PIB em 15% num passe idêntico, que pôs os italianos a serem estatisticamente mais ricos que os ingleses.  

 

Estes aumentos artificiais têm efeitos práticos bastante simpáticos numa data de estatísticas importantíssimas. Ao aumentar em 25% o PIB, mediante a incorporação do suposto valor acrescentado produzido de atividade ilegais, Atenas reduziu automaticamente o défice de 2,4% para 1,9%.


A simplicidade desarmante destes truques contabilísticos obriga-nos a olhar com desconfiança para as estatísticas que nos servem diariamente e estão a transformar a nossa vida num pesadelo - pois só de pensar no futuro ficamos logo com dores de cabeça.


Se o Eurostat autorizasse o INE a reavaliar em alta o nosso PIB, pondo uma lupa em cima do contributo da economia subterrânea, tiraria um grande peso de cima de Vítor Gaspar, que veria facilitada a tarefa de cumprir as metas que prometemos à troika - mas, na vida real, continuaríamos tão pobres ou tão ricos como antes desse exercício de caráter iminentemente ficcional.


As estatísticas valem o que valem - e na maior parte das vezes valem pouco. Sabe como é calculada a contribuição para o PIB de professores, médicos e enfermeiros do SNS, militares, políticos e restantes funcionários públicos? É simples. O contributo deles para a ficção da riqueza nacional medida pelo PIB é calculado pelo que ganham e gastam.

 

Dito por outras palavras. O recuo do PIB é umas das consequências negativas de um saudável emagrecimento do Estado e diminuição das suas despesas. Ao baixar em 25% o poder de compra dos funcionários públicos, o Governo está também a encolher o PIB!


As estatísticas valem o que valem - e na maior parte das vezes valem pouco, como o demonstra a anedota do homem que casou com a sua mulher a dias. Ela continuou a fazer a mesmas coisas que fazia enquanto era solteira, mas como o homem lhe deixou de pagar, ao passar de patrão para marido, o PIB diminui, apesar de tudo levar a crer que eles ficaram mais felizes.


Moral da história. O que temos a fazer é não levar isso do PIB muito a sério - e sermos felizes.


Jorge Fiel

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Como lidar com a ressaca

 

Há duas maneiras de lidar com a ressaca. A tentação é de aliviar o mal-estar repondo os níveis de álcool no sangue. Mas a solução boa e duradoura consiste em tirá-lo do organismo, o que implica uma certa dose de sacrifício.
Na ressaca de duas décadas de bebedeira despesista, o Governo Passos não teve outra solução senão recorrer ao atalho de meter mais álcool para a veia. Os seis mil milhões dos fundos de pensão da Banca compuseram as contas de 2011 e permitiram-nos cumprir o prometido à troika, mas debilitaram a Segurança Social que assumiu responsabilidades com bancários que implicam uma despesa anual suplementar estimada em 500 milhões de euros.
Teve de ser, e o que tem de ser tem muita força, mas foi uma espertice igual à dos miúdos nórdicos que fazem xixi nas calças para aquecer as pernas que estão a tremer de frio. No imediato, dá resultado, mas a prazo ainda vão sofrer mais.
As estatísticas do primeiro trimestre confirmaram o que já se suspeitava: a Segurança Social é a mais perigosa das bombas-relógio que o Governo tem nas mãos, pois a sua sustentabilidade assenta no delicado equilíbrio entre uma série de variáveis tão voláteis como o desemprego, inflação, envelhecimento da população, esperança de vida e crescimento da economia.
De janeiro a março, o buraco da Segurança Social agravou-se à razão de 3,3 milhões de euros/dia, devido ao efeito conjugado da quebra de 2,5% nas contribuições e do aumento de 23% nas despesas com reformas e subsídio de desemprego.
O congelamento dos subsídios aos pensionistas e das reformas antecipadas não é senão o início de uma série de medidas de emergência que visam conter as proporções de um incêndio ateado pelo aumento do desemprego e a recessão e que se propaga a uma enorme velocidade no terreno seco de um sistema em que há cada vez menos a descontar e mais a receber.
Não é preciso ser um Einstein para perceber a insustentabilidade do sistema pay-as-you-go em que assenta a nossa Segurança Social, em que os que estão no mercado de trabalho descontam parte do ordenado para pagar as pensões dos que estão na reforma - na expetativa (otimista) de que mais tarde, quando chegar a sua vez, haverá outros a descontar para lhes pagar a reforma.
O ideal, mas impraticável neste momento, é o modelo sueco, em que há um desconto mínimo obrigatório para o regime público, e acima de um determinado montante (três a cinco salários mínimos), o contribuinte é livre de entregar a públicos ou privados a gestão da sua poupança para o futuro.
Enquanto o estado lamentável das contas públicas não permitir a evolução para este regime de plafonamento de contribuições e reformas, o Governo não pode nunca esquecer que neste particular das reformas está a brincar como o fogo, com o dinheiro que os contribuintes pouparam ao longo de uma vida - e entregaram nas mãos do Estado para acautelar a sua subsistência futura quando por alguma razão tiverem de deixar de trabalhar. Trata-se, por isso, de dinheiro sagrado.
Jorge Fiel

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