Não deixem o comboio descarrilar
Andei sempre de Alfa ou Intercidades entre o Porto e Lisboa. Veterano de meia dúzia de anos com idas à segunda de manhã e regressos na sexta ao final da tarde, não tenho a menor dúvida de que o comboio é meio de transporte ideal entre as duas cidades.
Relativamente ao carro, o que se perde em flexibilidade de horários é amplamente compensado pelo muito que se ganha em segurança, tempo de trabalho ou descanso (ao volante não é conveniente ir a ler ou a dormir), dinheiro e custos ambientais.
O tempo que se demora é apenas ligeiramente superior ao que se consegue de automóvel, uma desvantagem que fica a dever-se apenas ao desperdício de 1,3 mil milhões de euros torrados nas obras inacabadas de renovação da Linha do Norte.
O Alfa, com capacidade para velocidades médias na ordem dos 200 km/hora, precisa de 2.45 h para fazer 300 km porque anda numa linha ultracongestionada onde circulam diariamente 591 comboios!
Este país com mais autoestradas por km2 (e menos km de linha eletrificada) é resultado da conjugação do labor do lóbi do betão com a inépcia da nossa classe política.
Durão Barroso e Manuela Ferreira Leite tiraram o TGV do fundo da gaveta em que Ferreira do Amaral arrumou um projeto que tinha sido colocado em cima da mesa por João Oliveira Martins, o primeiro ministro das Obras Públicas de Cavaco.
Antes de bazar para Bruxelas, Durão acordou com Aznar, numa cimeira ibérica, não uma, nem duas, nem três, mas cinco linhas de TGV: Lisboa-Madrid, Porto-Vigo, Porto--Lisboa, Aveiro-Salamanca e Évora-Faro-Huelva.
O TGV não foi uma maluquice de Sócrates, que ganhou a primeira maioria absoluta do PS prometendo TGV mais Ota e conseguiu a reeleição batendo Ferreira Leite que cometeu o erro de transformar as legislativas num referendo nacional sobre a alta velocidade.
Nos últimos 15 anos, os governos conseguiram a proeza de desperdiçar dinheiro, ao ponto de deixarem a economia do país em pior estado que o chapéu de um trolha, e não construíram um só km de TGV, que tiveram a arte de diabolizar e passou a ser sinónimo de luxo supérfluo - apesar de estar em fase adiantada de construção em Marrocos.
Não é preciso ser um Einstein para perceber que a escalada louca do preço do petróleo e os custos ambientais do transporte rodoviário e individual aconselham investimentos em transportes públicos e ferroviários, movidos a energias limpas e renováveis.
Não tem de se chamar TGV. Os espanhóis batizaram-no de AVE. Não tem de andar a 350 km/hora. Bastam os tais 200 km/h de que fala Álvaro para as Linhas de Alta Prestação - e podemos chamar-lhe isso mesmo: LAP.
Mas arranjem p.f., e o mais depressa possível, LAP que escoem rapidamente mercadorias e pessoas, de Sines e Aveiro para Badajoz e Salamanca, e cosendo o litoral, de Setúbal a Vigo, amarrando os nossos portos e centros urbanos à rede de alta velocidade espanhola.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias