Desliguem a televisão
O Alberto da Ponte é um tipo muito divertido, um pândego com um sentido muito apurado do espetáculo, o que só pode ajudar quando se é presidente da RTP. Algures nos anos 80, quando era uma estrela ascendente da Unilever - onde teve a seu cargo campeões de vendas como o Vim, Pepsodente e Rexina -, convocou a sua equipa para uma reunião de emergência em que confessou, com semblante carregado, que cometera um ato infeliz, de graves consequências para a vida e carreira de todos eles.
Dito isto, pediu desculpa, sacou de uma pistola, deu um tiro na cabeça e caiu inanimado no chão, perante o desespero dos colegas, que demoraram longos segundos até se aperceberam que tinham acabado de presenciar a partida de Carnaval do Alberto da Ponte.
Apesar de ter mais vidas do que um gato, a RTP atravessa um dos momentos mais difíceis dos seus 55 anos de vida. Para começar, ninguém compreende porque é que um país que corta nas pensões dos reformados teima em manter uma televisão com uma programação idêntica à dos canais privados - e que este ano nos custou 508 milhões de euros (Relvas dixit). Para terem um ideia, o Hospital de S. João custa 289 milhões/ano e na Casa da Música, para poupar um milhão, o Governo não respeitou a palavra dada.
Com as audiências em queda livre e incapaz de concorrer no prime time com o forte pacote de novelas da SIC (Dancin' Days, Gabriela e Avenida Brasil) e o misto da TVI, que serve a Casa dos Segredos como sobremesa a duas telenovelas (Louco Amor e Doce Tentação), a RTP resolveu transformar-se num reality show - o Brutosgate - com um elenco de gente conhecida (apesar de deficitário na componente feminina) e os ingredientes certos: traição e perseguições, polícia e política.
Danado para a brincadeira, Alberto da Ponte é coprodutor deste reality show mas desempenha um papel secundário na telenovela da privatização da RTP, realizada por Miguel Relvas, que se está a revelar um thriller, cheio de reviravoltas inesperadas, onde o papel do principal protagonista (António Borges) se tem vindo a apagar e ainda ninguém conseguiu perceber a importância que os novos atores (os angolanos da Newshold), recém-chegados ao elenco, vão ter nas cenas dos próximos capítulos.
O enredo é apaixonante e eu até era capaz de me estar a divertir com o assunto, se tudo isto não passasse de uma brincadeira, de uma partida de Carnaval. O problema é sermos nós, contribuintes, que estamos a pagar (e caro) esta tragicomédia. Por isso, não nos resta senão rezar para que esta novela esteja em últimas exibições e que a RTP seja despachada o mais depressa possível.
E já agora, se querem um bom conselho, para preservar a nossa sanidade mental o melhor que temos a fazer é desligar a televisão e ir para o café conversar.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no JN