A morte faz parte da vida
As pessoas deixam subitamente de morrer o que origina uma crise sem precedentes. “Brutalmente desprovidas da matéria prima”, as empresas do negócio funerário reuniram-se em assembleia geral e elaboraram um caderno reivindicativo. Para evitar o despedimento de milhares de trabalhadores”, exigem duas coisas.
Em primeiro lugar, que o Governo que lhes arranje, por decreto, um novo negócio, tornando obrigatório o enterro ou incineração, de todos os animais domésticos falecidos – e deixando esses preparos terão de ser contratados à indústria funerária.
Em segundo lugar, pedem dinheiro – uma linha de crédito bonificado e empréstimos a fundo perdido - pois a reconversão para os irracionais de uma indústria até então orientada para os racionais carece de vultuosos investimentos em equipamentos e know how.
Saramago resumiu magistralmente a alma e manha de uma classe de patrões e gestores portugueses que têm uma visão muito particular dos negócios: os lucros, o Mercedes e os salários de cinco ou seis dígitos ficam por sua conta; o risco fica por conta do Estado (ou seja de todos nós, contribuintes).
Cavaco Silva concorda a análise de Saramago e já denunciou “a falta de autonomia revelada por alguns dos nossos empresários, que fazem depender o seu sucesso da permuta de favores com o poder político, e a sua tendência para viverem encostados ao Estado, que tem sido muito nociva para a nossa economia”.
O problema é que apesar do comunista Saramago e do social democrata Cavaco estarem de acordo, e apesar de nenhum candidato a primeiro ministro se esquecer de incluir no seu programa eleitoral a frase velha e batida “menos Estado, melhor Estado”, a verdade é que quando se instalam em São Bento não sossegam enquanto não engordam o Estado.
Durão prometeu privatizar um dos dois canais da RTP. Quando fugiu para Bruxelas, deixou-nos com três canais públicos (acrescentou-lhe a RTPN). Sócrates planeou a privatização da TAP, que não só continua pública como ainda por cima comprou a Portugália aos privados.
A tentação é grande. Quanto maior for o Estado, maior é o poder dos políticos que o gerem - e maiores são os lucros dos que estão habituados a viver à custa dele. Os parasitas gostam de ver o parasitado gordo – têm mais alimento. Os contribuintes e o país são os únicos perdedores desta equação.
Eu vejo a Caixa a engolir todos os buracos financeiros que lhe aparecem pela frente e sinto que há cada vez mais gente a viver dentro dos meus bolsos.
Eu olho para os programas de compra de empregos na indústria automóvel e só vejo remendos.
Eu leio Saramago e reparo que a crise provocada pela ausência da morte abre uma extraordinária oportunidade de investimento em lares para a Terceira, Quarta e Quinta Idades.
Na vida real, a morte continua a fazer parte da vida - e às vezes é preciso ter coragem para deixar morrer.
Jorge Fiel
www,lavandaria.blogs.sapo.pt
Esta crónica foi publicada no Diário de Notícias