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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

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A morte faz parte da vida

 

O catastrófico cenário da extinção da morte, num dia de Ano Novo, é a base da intriga de As Intermitências da Morte, provavelmente o mais bem humorado dos romances de José Saramago.

As pessoas deixam subitamente de morrer o que origina uma crise sem precedentes. “Brutalmente desprovidas da matéria prima”, as empresas do negócio funerário reuniram-se em assembleia geral e elaboraram um caderno reivindicativo. Para evitar o despedimento de milhares de trabalhadores”, exigem duas coisas.

Em primeiro lugar, que o Governo que lhes arranje, por decreto, um novo negócio, tornando obrigatório o enterro ou incineração, de todos os animais domésticos falecidos – e deixando esses preparos terão de ser contratados à indústria funerária.

Em segundo lugar, pedem dinheiro – uma linha de crédito bonificado e empréstimos a fundo perdido -  pois a reconversão para os irracionais de uma indústria até então orientada para os racionais carece de vultuosos investimentos em equipamentos e know how.

Saramago resumiu magistralmente a alma e manha de uma classe de patrões e gestores portugueses que têm uma visão muito particular dos negócios: os lucros, o Mercedes e os salários de cinco ou seis dígitos ficam por sua conta; o risco fica por conta do Estado (ou seja de todos nós, contribuintes).

Cavaco Silva concorda a análise de Saramago e já denunciou “a falta de autonomia revelada por alguns dos nossos empresários, que fazem depender o seu sucesso da permuta de favores com o poder político, e a sua tendência para viverem encostados ao Estado, que tem sido muito nociva para a nossa economia”.

O problema é que apesar do comunista Saramago e do social democrata Cavaco estarem de acordo, e apesar de nenhum candidato a primeiro ministro se esquecer de incluir no seu programa eleitoral a frase velha e batida “menos Estado, melhor Estado”, a verdade é que quando se instalam em São Bento não sossegam enquanto não engordam o Estado.

Durão prometeu privatizar um dos dois canais da RTP. Quando fugiu para Bruxelas, deixou-nos com três canais públicos (acrescentou-lhe a RTPN). Sócrates planeou a privatização da TAP, que não só continua pública como ainda por cima comprou a Portugália aos privados.

A tentação é grande. Quanto maior for o Estado, maior é o poder dos políticos que o gerem - e maiores são os lucros dos que estão habituados a viver à custa dele. Os parasitas gostam de ver o parasitado gordo –  têm mais  alimento.  Os contribuintes e o país são os únicos perdedores desta equação.

Eu vejo a Caixa a engolir todos os buracos financeiros que lhe aparecem pela frente e sinto que há cada vez mais gente a viver dentro dos meus bolsos.

Eu olho para os programas de compra de empregos na indústria automóvel e só vejo remendos.

Eu leio Saramago e reparo que a crise provocada pela ausência da morte abre uma extraordinária oportunidade de investimento em lares para a Terceira, Quarta e Quinta Idades.

Na vida real, a morte continua a fazer parte da vida - e às vezes é preciso ter coragem para deixar morrer.

Jorge Fiel

www,lavandaria.blogs.sapo.pt

Esta crónica foi publicada no Diário de Notícias

 

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