Conduzir com os olhos vendados
Eu não dava para médico. Não gosto de ver sangue. Fico muito incomodado com a presença da doença e o cheiro da morte. Evito visitar doentes. Fujo de hospitais e enterros. O ideal era que a minha presença só fosse requerida em mais um funeral: o meu, porque a minha falta de comparência inviabilizaria a cerimónia.
Compreendem, por isso, quanto me está a custar passar estes dias antes da passagem do ano. Toda a gente em que tropeço, no mail, shopping ou telemóvel, remata com o desejo de um Bom Ano Novo (nunca sei se cínico, sentido ou apenas maquinal) a mais negra das previsões sobre os tempos que se avizinham.
Sinto-me no meio dos preparativos para um gigantesco funeral. Ligo o televisor e vejo, arrepiado, que os financeiros já se começaram a suicidar. Sintonizo o rádio e estremeço ao ouvir o ministro das Finanças a classificar a “crise” como a mais preocupante desde que vivemos em democracia. Abro o jornal e leio, apavorado, a previsão de que 2009 “vai ser um ano trágico, histórico e com consequências terríveis”, feita pelo presidente da CIP.
Sou um veterano de três recessões (84, 93 e 03). E não sou pessimista ao ponto de olhar para os dois lados antes de atravessar uma rua de sentido único. Mas fui contagiado pelo ambiente de funeral e já me passou pela cabeça formular apenas um desejo na 4ª feira à meia noite: que me seja permitido hibernar, como os ursos, durante o longo Inverno da crise, e despertar apenas quando já fosse Primavera e tudo de mau estivesse passado.
Depois pensei melhor, e reparei que o desejo de hibernar, como os ursos, é uma versão descafeinada da condenável atitude das avestruzes. Não vou enterrar a cabeça na areia.
O Voltaire aconselhou-nos a não insultar o futuro tentando prevê-lo. Mas todos os economistas e políticos, analistas e polítólogos são unânimes em considerar que 2009 vai ser tenebroso. Se calhar, usaram todos a mesma bola de cristal.
Para me animar, repito o meu novo mantra – “o futuro já não é o que era” - e recordo que, apesar da sua imensa sabedoria e visão estratégica, nenhum destes gurus conseguiu descortinar a chegada desta crise que nos está a consumir. Também me iniciei nas artes da adivinhação e tentandoler o futuro nas folhas do chá Montagne de Jade, da Mariage Fréres, que me deram no Natal.
Li na folhas deste estupendo chá verde que Sócrates vai tentar empurrar com a barriga (que já se começa a notar desde que deixou de fumar) as consequências gravosas da crise, pelo menos até Outubro.
E apesar de saber que puxar é melhor do que empurrar, fiquei um pouco mais aliviado, pois as costas folgam enquanto o pau vai e vêm.
Mas o que me reconfortou mesmo, foi recordar a minha frase preferida sobre previsões, cunhada por José Ferreira Machado, um economista da Nova de Lisboa: “Fazer previsões é como conduzir um carro com os olhos vendados e a seguir as instruções de quem está a olhar para a estrada pelo vidro de trás”.
Como a unanimidade nem sempre é consensual, desejo a todos um 2009 fabuloso!
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias