Joana Roque do Vale
Estava escrito nas estrelas de que ia ganhar a vida a transformar as uvas em vinho. Nasceu em Lisboa, cresceu entre Torres Vedras, Évora e Beja. Agora vive em Vila Real e não raros são os dias em que faz mais de mil quilómetros ao volante da sua carrinha Passat. Uma breve história da vida enóloga da Roquevale
A nómada que não escapou
ao destino de viver do vinho
Nome: Joana Roque do Vale
Idade: 37 anos
O que faz: Enóloga e directora de exportação da Roquevale
Formação: Licenciada em Engenharia Alimentar, pela Escola Superior Agrária de Beja, fez dois estágios na Escola de Enologia de Bordéus
Família: Casada, tem dois filhos, o Artur, nove anos, e o Pedro, sete
Casas: Moradias em Vila Real e Évora
Carro: Carrinha VW Passat que já fez mais de 330 mil quilómetros desde que a comprou em Dezembro de 2003
Telemóvel: Samsung
Portátil: Toshiba
Hóbis: Não tem tempo para hóbis. Descontrai aos fins de semana na quinta da família, em Torres Vedras, em reuniões de amigos
Redes Sociais: “Tenho resistido muito a aderir. Uso o Skype para falar a adega e o estrangeiro”
Férias: Passa sempre a primeira quinzena de Agosto numa casa que a família tem na praia da Luz (Algarve), a menos de cem metros do mar. “Aproveito para não pegar no carro durante 15 dias”
Regra de ouro: Máxima liberdade, máxima responsabilidade – tanto em casa como no trabalho
Apesar de ser uma força de expressão, pode muito bem escrever-se que Joana nasceu com o vinho a correr-lhe no sangue. Os bisavôs, do lado materno, já faziam vinho, que comercializavam com as marcas Casal do Castelão e Quinta Manjapão. Ela ainda se lembra do avô, com 86 anos, andar com o carro carregado de caixas de vinho para venda. E ela tinha dez anos quando os pais transformaram a quinta alentejana da família (a Herdade da Madeira, no Redondo) na base de operações da Roquevale, famosa pelos vinhos Tinto da Talha e Terras de Xisto.
Joana nasceu em Lisboa, no último ano antes do 25 de Abril, mas cresceu e fez-se mulher entre Évora, Torres Vedras e Beja. A sua actual geografia de vida não é muito mais simples, pois apesar da sua primeira residência ser em Vila Real, mantém quartos com a cama feita (e uma escova de dentes na casa de banho) em Lisboa, Torres Vedras e Évora.
Este nomadismo, que só pode atrapalhar os técnicos do INE encarregados do Censos, obriga-a passar longas horas ao volante da sua Passat. “Há dias em que chego a fazer mil km”, confessa.
Para ela, férias grandes foram sempre sinónimo da azáfama das vindimas, pelo que se pode dizer que estava escrito nas estrelas que iria ganhar a vida a transformar as uvas em vinho. Mas ainda resistiu. ”Para ter outras saídas”, quando acabou o secundário, em vez de ir para lá do acidentado Marão, fazer o Enologia na UTAD (Vila Real), preferiu quedar-se pela planície alentejana e cursar Tecnologia das Indústrias Agro-Alimentares, onde estudou vinhos mas também azeite, conservas, etc.
Mas o vinho não a largou. No final do curso, o estágio curricular levou-a até à Herdade do Esporão, “era uma das adegas tecnologicamente mais evoluídas”, onde trabalhou na vindima de 1995, aprendendo com enólogos famosos como David Baverstock, Luis Duarte e Richard Mayson. E rendeu-se ao seu destino.
Aperfeiçoou em Bordéus os seus conhecimentos, antes de finalmente começar a trabalhar com o pai, na Roquevale, a ganhar 60 contos/mês. “Fazia de tudo. Andava com as mangueiras às costas, subia às cubas, carregava as sacas de ácido tartárico…”, recorda.
Na altura eram menos de meia dúzia e faziam 200 mil litros de vinho/ano. Hoje são 34 empregados permanentes e produzem anualmente três milhões de litros. Esta viagem foi pilotada por Joana, que, no entretanto, casou, completou em Beja a licenciatura em Engenharia Alimentar, teve o seu primeiro filho (o Artur, que andava com ela para todo o lado, adega incluída), acumulando as funções de enóloga com as de directora comercial para os mercados externos.
A Roquevale inovou ao fazer o bag-in-box com a marca Alecrim (“Poupam-se seis garrafas, seis rolhas e pode estar dois/três meses aberto e não se estraga”), alargou o portefólio de marcas e cresceu na exportação (onde escoa 23% da produção, sendo que Brasil e Macau são os principais mercados).
Entretanto os pais reformaram-se e foram viver para a Herdade da Capela, em Pias, e como, não conseguiam estar quietos, logo fizeram um vinho, o Monte da Capela, onde Joana dá uma mão.
“Sempre gostei mais de tintos do que de brancos”, confessa Joana, acrescentando que o seu próximo desafio é fazer um vinho com o marido (o enólogo transmontano Luís Soares Duarte), “uma coisa pequena, para dar e vender aos amigos, não é para fazer negócio” - e declarando não estar preocupada com a conjuntura económica: “Nas alturas de crise bebe-se mais vinho”.
Jorge Fiel
Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias