Os gatos mordem a malagueta
No intervalo de uma reunião do Politburo, Mao perguntou a Chu Enlai e a Deng Xiaoping: “Sabem como se faz para um gato morder uma malagueta?”
Chu respondeu: “Segura-se nele, abre-se-lhe a boca e mete-se a malagueta lá dentro”.
Mao disse que não: “Isso é obrigá-lo e nós queremos é que o gato morda na malagueta de livre vontade”.
Foi a vez de Deng: “Pega-se na malagueta, envolve-se num deliciosa posta de peixe e, antes mesmo de o saber, o gato já mordeu a malagueta”.
Mao voltou a dizer que não: “Isso seria uma intrujice, pois nós queremos que o gato saiba que está a morder a malagueta”.
Chu e Deng desistiram: “Como é que fazes então para que o gato morda a malagueta?”
“É fácil”, respondeu Mao. Mete-se a malagueta no rabo do gato. Ele não vai querer outra coisa senão mordê-la”.
Vem esta anedota chinesa a propósito da solução ardilosa que o presidente da Associação Nacional de Farmácias (ANF) arranjou para obrigar os outros protagonistas do sector da saúde a clarificarem a sua posição sobre os genéricos.
Durante uma semana, a maioria das farmácias filiadas na ANF forneceu o medicamento mais barato (genérico) em vez do de marca, mesmo que essa troca não fosse expressamente autorizada pelo médico que passou a receita. No final, João Cordeiro revelou que esta troca gerou, em meia dúzia de dias, uma poupança superior a 200 mil euros (112 mil aos utentes e 93 mil ao Estado).
Ana Jorge mordeu a malagueta. A ministra de um Governo que fez campanha pelo uso de genéricos meteu os pés pelas mãos. Acusou a troca de “ilegal” – mas não precisou à luz de que lei. Falou em “perigo para a saúde pública” o que soa como a delírio depois do Infarmed ter vindo garantir que os genéricos “têm a mesma substância activa, forma farmacêutica e dosagem do remédio original, de marca, que lhe serviu de referência” – só que são mais baratos entre 20% a 35%.
O bastonário dos Médicos também mordeu malagueta ao defender a prescrição do medicamento mais barato, “em igualdade de circunstâncias” (que o Infarmed jura existir).
Já só falta morderem a malagueta os destinatários da acusação que Cordeiro fez ao dizer que a polémica dos genéricos seria muito mais fácil de perceber se as principais agências de viagens do país publicassem a lista dos seus maiores clientes.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias