O PSI 20 é que conta, o resto é paisagem
Quando era miúdo e ia à Feira Popular, depois de andar na roda gigante e antes de jogar matrequilhos, adorava mirar-me naqueles espelhos côncavos e convexos que distorcem a imagem, fazendo-nos parecer muito gordos ou muito magros, e que , se não me engano, ficavam junto ao poço da morte, onde evoluíam motociclistas virtuosos e destemidos.
Na altura não fazia a menor ideia de que iria passar a vida numa indústria (a dos Media) que se dedica a distorcer a realidade.
Ao folhearmos os diários de informação económica somos levados a concluir que o essencial da riqueza é produzida pelo PSI 20, o nosso Dow Jones que agrupa as cotadas de maior dimensão e cujas acções são mais transaccionadas.
A cobiça alheia pela operação da PT em Marrocos, a exploração de petróleo pela Galp no Brasil e o trimestral do BES são a realidade da economia portuguesa reflectida ao espelho distorcido dos Media.
O PSI 20 é que conta e o resto é paisagem - apesar do resto serem 99,3% das empresas que têm menos de 50 trabalhadores mas produzem mais de 70% da nossa riqueza e garantem 82,6% do emprego.
Compreende-se que assim seja. Sabedoras da influência das notícias (1) nas cotações, as companhias do PSI 20 trabalham a informação e a sua divulgação com tal profissionalismo que não há-de tardar o dia em que haverá mais jornalistas nas agências de comunicação do que nas Redacções.
Justiça seja feita, não é fácil calibrar a informação, quando se dirige Redacções magras e low cost, em empresas sequiosas de receitas publicitárias que lhes equilibrem a conta de exploração. E além de ser feio é também muito imprudente morder a mão que nos dá de comer…
Tudo isto apenas para vos dizer que me estou a marimbar para as trapalhadas internas na Cimpor. O que me preocupa mesmo é que os industriais de calçado – que exportam 91% da sua produção e contribuem para o PIB com 1,4 mil milhões de euros/ano - estão desesperados, não por falta de encomendas, mas antes porque as seguradoras (e mais de metade do sector está nas mãos da Caixa) cortaram de forma cega e criminosa os seguros de crédito à exportação e eles temem perder os clientes.
Num momento em que precisamos de exportar como de pão para a boca, os gestores que não desbloqueiam os seguros de crédito merecem espaço de destaque na secção de crime e escândalo, ao lado das malfeitorias públicas dos banqueiros do Banco Privado e BPN. O problema é que eles, os industriais de calçado, são lá de cima, do Norte, de Felgueiras e S. João da Madeira - e ainda se calhar ainda não se lembraram de contratar uma agência de comunicação.
Jorge Fiel
(1) Advirto que nem sequer estou a falar de notícia no conceito restritivo e fundamentalista de Hearst, que considerava notícia apenas o que alguém queria que não fosse publicado, classificando tudo o resto como publicidade.
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias