O espanhol poliglota que sabe fazer outlets
Álvaro Valiente. Como um madrileno apaixonado por Portugal, com um percurso ao contrário (começou por ser empresário e só depois foi trabalhar por conta de outrém), abandonou o cobiçado lugar de responsável pela abertura de novos mercados da Zara para passar a viver no Porto
Nome: Álvaro Valiente
Idade: 45 anos
O que faz: Director geral da Neinver em Portugal e Itália
Formação: Licenciado em Ciências Económicas e Empresariais , em Madrid
Família: Divorciado. É o sexto de sete irmãos. O pai, um engenheiro industrial que pilotou aviões na II Guerra Mundial, ao serviço da Divisão Azul (que combateu ao lado dos nazis na frente russa) , gostaria de ter sido piloto da Iberia mas teve de dirigir a fábrica de metalurgia da família, que ficava no País Basco e fornecia a Renfe
Casa: apartamentos na Foz (Porto) e em Madrid (Calle Serrano) e uma casa de férias em Palma de Maiorca
Carro: Porsche Boxter (Porto) e Smart (Madrid)
Telemóvel: Nokia
Portátil: Dell
Hóbis: Gosta muito de música (não só ouvir, mas também cantar), de comer com os amigos, praticar desporto e ir ao ginásio
Férias: As últimas foram dez dias a navegar pelas Baleares. As próximas vão ser nas Honduras, a fazer mergulho (está com curiosidade de ver tubarões martelo no sue habita natural), ou no Senegal, num resort ecológico onde as cabanas não têm sequer luz eléctrica
Regra de ouro: “Ser fiel e muito honesto comigo próprio. Tenho uma escala de valores muito perfeita que me leva a ser muito vitalista. Vivo cada diz como se fosse o último. Trabalho na empresa como se ela fosse minha. Tudo que é meu – a empresa, os amigos… – é melhor ”.
Mal acabou de tirar a carta, meteu-se num carro e guiou directo de Madrid até Lisboa, para vir ter com um dos irmãos mais velhos, casado com uma portuguesa. Tinha 18 anos e gostou disto. “Senti que um dia iria morar aqui”, recorda Álvaro Valiente, um madrileno de 45 anos adepto do Atleti. Não foi o único desejo de adolescente que ele concretizou.
Ganhou as primeiras pesetas com 14 anos, a distribuir, à porta do metro, propaganda de um mega-empreendimento imobiliário nos arredores da capital espanhola. Quando João Paulo II visitou Madrid, encontramo-lo na rua, no meio da multidão, a vender bandeiras brancas e amarelas, com as armas do Vaticano e a divisa papal “Totus Tuus”.
A costela empreendedora revelou-se precocemente, no ano em que fez 18 anos, se apaixonou por Lisboa e se meteu num negócio de cuecas a meias com a namorada, que era filha de um diplomata e vivia em Roma.
A ideia era importar boxers de Itália. Mas na Espanha pré-comunitária do dealbar dos anos 80, em que os homens usavam slips, as barreiras alfandegárias eram um poderoso dissuasor de um negócio baseado na importação. Decidirem fabricá-los em Espanha.
O negócio prosperou, enquanto ele cursava Economia. O namoro com a filha do diplomata, que desembocou em casamento, revelou-se mais duradouro que o negócio dos boxers, que naufragou pelo efeito conjugado dos calotes dos lojistas e da abertura progressiva das fronteiras ditada pela adesão espanhola à CEE.
Um caçador de cabeças indicou-o para product manager de roupa masculina do Continente, onde esteve três anos, até se iniciar nos segredos dos centros comerciais abrindo dois - um em Madrid (Gran Via) e outro em Valência - por conta dos franceses da Trema.
Estava escrito nas estrelas que viveria em Portugal e o pretexto foi a vontade de mudar de ares após se ter divorciado da sua antiga sócia no negócio das cuecas. Mal um primo o desafiou a usar os seus conhecimentos na preparação do Arrábida Shopping, logo trocou Madrid pelo Porto.
Antes de regressar a Espanha, ainda teve tempo para abrir o Chiado e os Foruns Almada e Aveiro, com os holandeses da MDC, e para vagabundear pela Índia, num ano sabático.
Não conseguiu recusar quando o dono da Zara, Amancio Ortega (“uma cabeça extraordinária com os pés bem assentes na terra”), o convidou para responsável pela abertura de novos mercados.
Passou quatro anos com a mala na mão, a viajar por três continentes, a acordar sem saber exactamente em que país estava. Na 2ª podia estar em Estocolmo, na 3ª em Copenhaga, 4ª em Viena, 5ª em Amesterdão e 6ª na Corunha. Cumpriu assim, com foros de overdose, o desejo adolescente de viajar pelo Mundo e conhecer pessoas.
“Foi apaixonante mas cansativo. Estava sempre sozinho. Vida pessoal zero”, lembra. Aos 40 anos, este espanhol poliglota, fluente em português, italiano, francês e inglês, achou que era hora de assentar e regressou a Portugal para abrir o Factory, em Vila do Conde, que em 2005 ganhou o prémio de melhor outlet da Europa - e é menos falado que o Freeport, mas por boas razões.
“Com a crise, o outlet tornou-se a primeira escolha, em detrimento do centro comercial”, conclui Álvaro que, anda entusiasmado com o segundo fôlego do Factory de Vila do Conde (que vai ter um estação de metro) e a expansão da cadeia para Sintra e Algarve.
Jorge Fiel
Este perfil foi hoje publicado no Diário de Notícias