Pescadinha de rabo na boca
Um banco é um sítio onde te emprestam dinheiro se conseguires provar que não precisas dele. Bob Hope é o improvável autor da definição mais adequada ao comportamento actual dos bancos portugueses.
Como toda a gente sabe, fomos metidos nesta estrangeirinha pelos desmandos e disparates do sistema financeiro. Não deixa de ser um curioso (e penoso) exercício de humor negro que o Governo esteja a usar o nosso dinheiro para impedir o colapso dos responsáveis pela violenta recessão em que vivemos.
Os bancos estão a aproveitar os apoios estatais para se recapitalizarem. A água que o Governo bomba através do sistema financeiro não chega em quantidade suficiente à economia real, sequiosa de liquidez, porque a canalização está rota – e a ganância dos banqueiros continua lá, não mudou.
Como toda a gente sabe, seria mais fácil transformar água em vinho do que extrair a ganância da alma de um financeiro, o que só seria possível com um transplante de carácter.
As empresas queixam-se de estar a morrer por falta de dinheiro e que os plafonds de apoio à tesouraria caíram para metade, mas os balanços trimestrais dos bancos mascaram esta triste realidade com tinta cor de rosa. A Caixa, por exemplo, declara que aumentou em 16,4% o crédito às empresas e em 12% a captação de poupanças e aplicações.
Este divórcio entre as queixas das empresas e os balanços dos bancos tem origem na estratégia de pescadinha de rabo na boca, afinada e posta em prática pelas luminárias em engenharia financeira.
As linhas de crédito com spread baixo são esgotadas em empresas que não precisam de dinheiro e por isso o aplicam logo a uma taxa superior. Ou seja, o dinheiro não chega a sair do banco, não entra na economia real mas tem um impacto positivo duplamente positivo na percentagem de crédito concedido e recursos captados.
O esquema é tão simples quanto pernicioso e deixa-me cheio de vontade de chamar aos banqueiros os nomes que um adepto de futebol costuma dedicar ao árbitro que marcou um penalti injusto contra o seu clube.
Até finais de Setembro, quando cair a folha, o Governo tem de inventar uma maneira mais eficaz de fazer chegar o dinheiro às PME da indústria transformadora, com um bypass ao sistema financeiro.
Senão, as empresas, com a tesouraria exaurida pelo pagamento do subsídio de férias e pelo Agosto sem facturar, vão começar a cair como tordos na falência e teremos milhares de famílias atiradas para o desemprego, a imitarem desesperadas O Grito de Munch.
Vai ser tão mau que até os banqueiros deviam estar preocupados, porque quando o parasitado está em perigo o parasita devia defendê-lo – pois assim defende o seu bife.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias