Chora não supera Sylvia na arte do suicidio
Auto-retrato de Sylvia Plath em 1951, quando tinha 18 anos
Morrer
é uma arte, como outra coisa qualquer
e eu executo-a excepcionalmente bem
Sylvia Plath
Sylvia Plath suicidou-se a 11 de Fevereiro de 1963. Tinha 30 anos. Levantou-se da cama, preparou uma bandeja com o pequeno almoço e colocou-a no quarto dos filhos. Depois dirigiu-se à cozinha, vedou as brechas, ligou o gás e meteu a cabeça no forno.
Há quem opte por sair desta vida de uma forma mais vulgar, dando um tiro na cabeça ou atirando-se da ponte abaixo - nesta última modalidade sempre achei curioso que a esmagadora maioria dos suicidas mergulhem para jusante, encurtando assim a viagem até ao mar.
Há quem opte por uma morte mais lenta, como os fumadores compulsivos, os dependentes de drogas duras ou os hipertensos que teimam em manter elevados níveis de colesterol no sangue.
Os 3 038 trabalhadores da Autoeuropa escolheram uma solução intermédia, um suicídio a curto prazo, ao apoiarem a linha de intransigência negocial adoptada pela Comissão de Trabalhadores (CT).
A indústria automóvel já conheceu melhores dias. As pessoas não estão a comprar carros. As fábricas de automóveis estão a fechar a velocidade superior à da abertura de lojas de chineses. Gigantes como a GM estão à beira da falência.
Comprada pelo Governo com o nosso dinheiro, para ajudar a resolver a aguda crise que se fazia sentir na Península de Setúbal, a Autoeuropa não escapa a esta crise generalizada.
Como está a trabalhar 40% abaixo da sua capacidade instalada (este ano vai produzir 82 mil veículos, quando tem capacidade para fabricar 180 mil), a administração propôs uma reorganização, que contempla, entre outras coisas, laborar oito sábados por ano, nas alturas de pico de produção.
Sucede que a CT, liderada por um cavalheiro chamado António Chora, entende que só pode aceitar essa flexibilização se a administração pagar 18 horas pelas oito horas trabalhadas a cada sábado.
Indiferente ao facto de Bruxelas nos ter avisado que há 12 milhões de postos de trabalho em risco na indústria automóvel, a CT estica a corda, apesar de saber que a Volkswagen equaciona prescindir de algumas fábricas europeias e que está em cima da mesa a possibilidade da absorção da produção de Palmela pela unidade de Emden, na Alemanha.
Morrer é uma arte, como outra coisa qualquer. Mas Chora não a está a executar com originalidade. Limita-se a copiar o modelo da GM da Azambuja, que fechou as portas por causa da inflexibilidade dos seus trabalhadores. Só tenho pena que esteja a arrastar no seu suicídio mais 6.910 trabalhadores, cujo emprego depende indirectamente da Autoeuropa e que não foram ouvidos nem achados neste caso.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias