Os arrumadores e a corrupção do tipo B
Eu não dou uma moedinha aos arrumadores.
Os meus amigos, que se deslocam em vistosos Mercedes, BMWs e Audis dizem que me posso dar a esse luxo porque a chapa cinza rato da minha carrinha Fiat Marea (matrícula de 2001) está tão crivada de amolgadelas e riscos que eu nem repararia se ela fosse vandalizada por um arrumador vingativo.
Eles devem ter razão. A minha atitude blasé face aos arrumadores fundamenta-se no facto de ter muito pouco a perder se incorrer na ira deste modernos parasitas, que substituíram na paisagem urbana os cães vadios e os doidos (que andam disfarçados – compensados, como se diz agora).
O modelo de negócio dos arrumadores é decalcado da Mafia. Em troca da moedinha, protegem-nos deles próprios.
Há, no entanto, uma pequena maioria de arrumadores que não se limitam à venda ilegal de protecção, e fornecem serviços de valor acrescentado.
Há uns bons dez anos, quando o fenómeno dos arrumadores desabrochava e o Expresso no Porto ficava na Boavista, um colega meu (António Paulino) avençou um arrumador que não só lhe punha o carro a lavar, como fazia valet parking (se não havia lugar, estacionava em segunda e deixava-lhe a chave) e metia moedas no parquímetro se os fiscais aparecessem.
Eu próprio teria recorrido a este arrumador se o dr Balsemão não me pagasse, à época, um lugar de garagem.
A praga dos arrumadores revela um pernicioso traço do nosso carácter nacional e permite estabelecer um paralelo com a corrupção.
É grave receber sem dar nada em troca, e isso é tão válido para arrumadores como para funcionários e políticos corruptos.
Há dois tipos de corrupção. A do tipo A, maioritária no pais e entre os arrumadores, é praticada por pessoas a quem pagamos só para não nos lixarem.
A corrupção do tipo B é mais benigna e positiva, pois é produtiva e faz PIB. Estes corruptos abusam da sua posição e recebem uns dinheiros por fora, mas propiciam-nos serviços (facilitam a vitória num concurso, vendem-nos, à razão de 500 euros cada, anos de descontos para a Segurança Social ou garantem que o nosso processo vai ficar no fundo do monte até prescrever), tal como o arrumador do Paulino.
Os corruptores do tipo B prejudicam o Estado, mas, como diz o povo, “ladrão que rouba ladrão em cem anos de perdão”. Um estudo do Centro de Estudos de Sociologia revela que a maioria dos portugueses partilha deste ponto de vista.
Perguntados sobre o que mais apreciam num político, a competência (34%) vem em primeiro lugar, seguida da responsabilidade e eficácia. Só 0,7% dos inquiridos refere a honestidade. É o elogio do “rouba mas faz”
Nós não nos importamos que roubem, contanto que sejam competentes, eficazes e empenhados.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias