Não podemos perder o comboio da Europa
O coro de vozes pesadas que se levantam contra a construção do TGV é mais uma triste manifestação do reaccionarismo português.
Em todos os grandes e pequenos momentos da nossa História, esta corrente bolorenta tentou travar o progresso, abusando dos galões da “autoridade” e “experiência” para condenar a ambição empreendedora do que ousam arriscar.
Camões simbolizou esta corrente reaccionária numa personagem. Vale a pena reler o Canto IV dos Lusíadas para reencontrar os detractores do TGV na trágica figura do Velho do Restelo, que condenou a expedição de Gama, identificando a gesta dos Descobrimentos com a ambição desmedida do ser humano.
O Velho do Restelo reencarnou na tenebrosa figura de Salazar, que travou o desenvolvimento industrial do país, submeteu-o ao isolamento e promoveu a cultura do pobretes mas alegretes, remendados mas não rotos, pobrezinhos mas honrados.
Mais recentemente, o Velho do Restelo falou pela voz dos que condenaram a Expo 98 e o Euro 2004, que mostraram ao mundo um Portugal moderno, ambicioso e empreendedor, apagando de vez a imagem do país com cheiro a chichi de gato, povoado por velhas com buço e vestidas de preto, e onde as pessoas andavam de burro.
Se os Velhos do Restelo mandassem, não havia CCB nem Casa da Música, e a zona oriental de Lisboa ainda era uma imunda sucateira.
Não é preciso ser um Einstein para perceber que temos de avançar para o TGV. Seria criminoso ficarmos de fora da rede europeia de alta velocidade, num momento em que os onze países mais prósperos da Europa têm ou estão a construir linhas de TGV.
A Linha do Norte está no limite da sua capacidade e o desenvolvimento do país exige a rápida redução da distância entre o Porto e Lisboa, e da Galiza ao porto de Leixões e aeroporto Sá Carneiro.
O reforço do investimento público para combater a crise não é uma receita socialista. Sarkozy anunciou um pacote de mil projectos, no valor de 25 mil milhões de euros, financiados pelo Estado e a concretizar em dois anos.
Ao contrário do que propalam os Velhos do Restelo, há um défice de investimento estatal. Este ano, seremos o 7º país, entre os 25 da UE, com menos investimento público em percentagem do PIB.
Durante o cavaquismo, éramos a quarta economia da UE com maior percentagem de investimento público, que nos últimos dez anos caiu para metade, de 4%, em 98, para 2,1%, em 08.
O TGV tem de avançar. Não podemos perder o comboio da Europa. Não devemos, em cada eleição, pôr em causa tudo quanto o Governo decide. Precisamos de uma injecção de adrenalina nas veias da nossa anémica economia.
Quando se tem de recuperar o tempo perdido, não se leva o pé ao travão, mas sim ao acelerador.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias