Missa de 7ª dia pela alma política de Pinho
Já se passou uma semana e eu continuo sem perceber porque é que a generalidade dos políticos e comentadores acham óbvio que ao fazer os célebres cornos Manuel Pinho assinou a sua certidão de óbito político.
À data da ocorrência, eu estava no Twitter e a primeira coisa que me veio à cabeça foi estabelecer uma hierarquia de gravidade de gestos mal educados.
Será que Pinho ainda estaria na Horta Seca se, em vez de ter feito cornos, tivesse posto a língua de fora, como Einstein na sua mais célebre fotografia?
Estou em crer que sim, que se teria aguentado se mostrasse a língua ou até se fizesse um manguito ao Bernardino – neste último caso até podia invocar em sua defesa tratar-se de um gesto tradicional português, imortalizado pelo Zé Povinho de Bordalo Pinheiro.
Já não tenho dúvidas de que também lhe fariam logo o funeral se ele tivesse feito piretos.
Quando vi a imagem, fiquei até agradavelmente surpreendido pela exuberância plástica do gesto do ex-ministro, com a cabeça baixa, a imitar o touro antes de marrar, e os indicadores bem espetados junto à testa!
Eu sempre fiz os cornos de uma forma mais discreta, salientando o indicador e mindinho, enquanto o polegar segura os outros dedos, escondidos na palma da mão.
No dia seguinte, ao ler, nos obituários políticos, o inventário das asneiras que Pinho disse e fez, estranhei o protocolo desta política em que um ministro sobrevive a uma data de disparates para sucumbir quando, num momento da exaltação, recorreu a um gesto (imaginativo!) para significar a sua opinião de que um deputado não parava de marrar na mesma direcção.
Quando mais penso no assunto, mais sinto que a politica portuguesa precisa de uma gramática nova e mais percebo porque é que apenas 28,5% dos eleitores estão satisfeitos com a nossa democracia, contra 35%, em 1999, e 40% em 1985. (1)
Eu preferia que Cavaco deitasse a língua de fora, do que vê-lo a gerir com incomodidade e silêncios incompreensíveis a sua ligação com Dias Loureiro e o investimento em acções da SLN.
Eu preferia que Durão fizesse piretos, do que tê-lo apanhado a mentir, ao aumentar os impostos depois de ter jurado que não o faria.
Eu preferia que Sócrates fizesse cornos, mas tivesse um curso de Engenharia concluído sem recurso a habilidades duvidosas.
Eu preferia que Manuela fizesse um manguito, em vez de ouvi-la a acusar o PS de um acto (a venda da rede fixa à PT) da sua inteira responsabilidade.
Não estou nada satisfeito com esta politica em que fazer cornos pela frente é letal - e dar facadas pelas costas é legal.
Jorge Fiel
Esta crónica foi publicada hoje no Diário de Notícias
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(1) Conclusão do estudo Reforma institucional em Portugal, perspectiva das elites e das massas, de André Freire, Manuel Meirinhos e Diogo Moreira