David Schneider
Talvez seja forçado dizer que nove em cada dez multimilionários dormem em lençóis portugueses, mas a verdade andará por lá perto, porque os nossos têxteis lar têm a fama (e o proveito) de serem de excelente qualidade.
“Recebemos agora a encomenda de mais cem roupões para a casa no sul de França do Abramovich. Gostou tanto deles que quer mais para oferecer aos amigos”, conta David Schneider, 42 anos, senior vice-president da Li & Fung, multinacional com 80 escritórios em 40 países, onde trabalham 15 mil pessoas, e que tem um catálogo de clientes recheado de marcas como a Disney, Calvin Klein, L’Oreal ou Tommy Hilfiger.
A Li & Fung (LF) só não tem fábricas nem lojas. De resto trata de tudo, desde a ideia, até ao design, colocação da encomenda, controlo de produção e entrega ao retalho. Em 2008, tratou da produção de quatro biliões de peças. Calcula-se que mais de 1/3 do que está à venda num grande centro comercial norte-americano foi colocado por ela.
“O nosso trabalho é procurar o produto certo ao preço certo”, explica David, que nasceu no Porto, licenciou-se em Genebra (Suiça) e já trabalhou em Moçambique e na África do Sul. Passa metade do ano a viajar, pois além de responsável pelo escritório português (que fica na Maia, emprega 60 pessoas e factura 60 milhões) tem a seu cargo áreas de negócio em destinos tão distantes como a Índia, Turquia, China e Paquistão.
Escolheu almoçarmos no Do Park - que fica em frente ao Parque da Cidade, na urbanização onde vive Pinto da Costa -, restaurante dirigido por Manuel, do falecido Dom Manoel, que nos tempos de esplendor da indústria nortenha era a cantina preferida dos empresários. Como está de dieta, David não tocou no paté do couvert, resumindo a refeição frugal a robalo grelhado, acompanhado por água.
A Li & Fung é um dos melhores termómetros para medir a competitividade da nossa indústria. “Já comprámos mais vestuário. Agora já só vale 50% da facturação, sendo que os têxteis lar, a cerâmica e o vidro são os sectores com mais peso na outra metade”, diz
“Temos vindo a perder competitividade porque não estamos a ser suficientemente inovadores” diagnostica David, um liberal que cita Reagan (“O Governo nunca é a solução, é sempre o problema”) e tem uma posição crítica sobre alguns aspectos da actuação governamental.
Acha um desperdício as acções de promoção sectoriais (vinho do Porto, turismo, calçado, etc): “O Governo devia promover a marca Portugal e assim beneficiava todos os sectores”.
Acusa o Governo de não ter sido eficaz no desfazer do nó dos seguros de crédito, que penalizou muito as nossas exportações no coração da crise: “Devia ter feito como outros Governos que logo se atravessaram, garantindo a cobertura do risco de não pagamento”.
Está preocupado com os prazos de pagamentos, que chegam a ultrapassar os 180 dias: “Isto assim não é uma economia saudável. Quando uma empresa fecha, é um rombo para os fornecedores. Devíamos imitar o Sarkozy que impôs por lei um prazo máximo de 60 dias”.
E considera lamentável que a energia caríssima afecta a competitividade, em particular na cerâmica, indústria onde o maior custo é a energia.
Apesar desta chuva de reparos, David não é uma pessoa azeda. Está satisfeitíssimo por a Vista Alegre ter ganho o fornecimento exclusivo de chávenas para a Nespresso. E olha o futuro com um optimismo moderado.
“Em meados do próximo ano, a recuperação vai ser evidente. Mas nada voltará a ser como dantes. Temo que o new normal seja marcado por mais intervenção do Estado e crescimentos mais pequenos, devido ao proteccionismo e a não se andar para a frente com Doha e o aprofundamento da liberalização do comércio internacional”, antecipa David, que não duvida de que o pior já passou: “Quem aguentar até 2010, vai ganhar muito dinheiro”.
Jorge Fiel
Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias
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Do Park
Av. Boavista 4191/4201, Porto
Couvert … 1,80 euros
Robalo grelhado …25,80
2 Vitalis 0,5 l … 2,90
Água Castello 20 cl … 1,45
2 cafés … 1,90
Total … 33,85 euros