A terra é redonda e a água é molhada
O João Carreira Bom, que, além de excelente cronista também não era parvo nenhum, achou um remédio infalível para fazer os Altos e Baixos do Expresso sem pagar a portagem de inflacionar a lista de inimigos que este tipo de coluna costuma acarretar. A receita, de uma simplicidade desarmante, consistia em elogiar as pessoas que punha a descer e criticar as que colocava a subir.
Quando alguém lhe telefonava a queixar-se por ter sido posto a descer, ele educadamente chamava a atenção para as palavras gentis que lhe dedicara. Se o motivo da reclamação era uma frase mais áspera, o Carreira Bom lembrava ao queixoso que tinha saído a subir. Usando esta técnica, designada por cobertura de risco nos meios financeiros, controlava os danos inerentes a uma rubrica agreste.
O Carreira Bom tinha o rabo escaldado e não é impossível que esta astuta prudência mergulhasse as raízes no facto de ter estado quase a ser despedido do Expresso após ter publicado na Gente uma pequena nota narrando alegadas desventuras marítimo-sexuais de um advogado, por sinal amigo de peito do patrão.
Eu teria evitado alguns dissabores se tivesse dado ouvidos ao conselho do Carreira Bom durante os três anos em que tive o encargo de fazer a coluna de Altos e Baixos da Economia do Expresso. Mas sempre fui adepto de que cada pessoa deve vestir o seu próprio fato – e o meu não contempla as meias tintas, nem o recurso ao “por um lado…” mas “por outro…” para tentar agradar a toda a gente.
Vem esta história a propósito do debate sobre o interesse dos políticos em plantar notícias e pressionar quem decide o que vai na primeira página ou abre o telejornal.
Para mim, nisto do jornalismo, há duas coisas tão óbvias como a Terra ser redonda e a água molhada:
a) Todas as fontes foram, são e serão sempre interesseiras. Ninguém no seu perfeito juízo conta algo a um jornalista se não estiver completamente convencido que tirará proveito da publicação do que acaba de comunicar;
b) Os políticos, empresários, dirigentes desportivos, agentes culturais, agências de comunicação, etc, sempre tentaram, tentam e tentarão condicionar a agenda dos Media e pressionar os responsáveis pelos fluxos informativos.
O interesse e a pressão são legítimos. Estão no papel deles. Acho tão ridículo um jornalista queixar-se disso como ouvir um guarda-redes acusar um avançado adversário de lhe ter tentado marcar golo. O papel dos responsáveis editoriais consiste em destrinçar o que é do interesse público e dos leitores do que não é, evitar que produtos tóxicos contaminem o produto que dirigem - e aguentar as consequências. Isso é o que importa. O resto é ruído e conversa mole.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias