Dinis Manuel Alves
Fotografia de Carlos Jorge Monteiro
A nossa língua está a mudar a uma velocidade vertiginosa e o novo acordo ortográfico está inocente. O culpado é o telemóvel, mais concretamente as SMS, palavra hermafrodita – a maior parte das pessoas atribui-lhe o sexo feminino (que vai buscar a mensagem), mas o masculino seria o mais correcto, pois é a abreviatura de Serviço de Mensagens Escritas.
“A lei do menor esforço é um motor essencial da evolução da língua”, reconhece Dinis Manuel Alves, filho de um guindasteiro do porto do Lobito, onde nasceu há 51 anos, e que agora é o responsável pela licenciatura em Comunicação Social do Instituto Miguel Torga, de Coimbra.
A bem dizer, não é o responsável pela licenciatura, porque as SMS e o MSN não são os únicos agentes de mudança da língua. O “correctês” dá uma ajuda: o 1º ciclo é a antiga licenciatura minguada por Bolonha, o 2º ciclo respondia por mestrado e as cadeiras dão agora pelo nome de “unidades disciplinares”.
A ideia de traduzir Torga para linguagem SMS tem origem num inocente desabafo numa aula, produzido por Dinis, que é senhor de um curriculum tão trepidante e ziguezagueante como se antevê tenham de ser todos neste frenético e perigoso séc. XXI: fez Direito, foi deputado eleito pelo PS, licenciou-se em Jornalismo e vagabundeou pela rádio (TSF), televisão (TVI) e jornais (Grande Reportagem, Jornal de Coimbra, Expresso e Tal & Qual), até deitar âncora na Universidade, doutorando-se em Comunicação Social e fixando-se como professor e investigador.
“A língua nunca é uma questão fechada. Mas temos de ter normas para nos entendermos”, diz Dinis, em jeito de preâmbulo ao desabafo de quem, como ele, não acha graça ao desleixo em curso na escrita que não é propriedade privada dos alunos - a confusão entre o s e o ç levou Vara a escrever “suspenção” e um jovem professor a dirigir-se, por escrito, ao “Concelho Científico”.
O baralhanço entre o verbo estar e ter – “eu tive em Londres” - foi a mãe do desabafo: “Quem dá assim erros devia, de castigo, traduzir para linguagem SMS um diário inteiro do Torga!”.
Duas alunas engraçaram com a ideia, puseram o dedo no ar e iniciaram a empreitada de tradução de 27.882 palavras (114.796 caracteres) do Diário XII de Torga (diarioxii.blogspot.com), que viria a ser completada por duas miúdas do 10º ano.
Intragável, a palavra que Dinis arranjou para caracterizar o resultado final deste trabalho, não se adequa, de maneira nenhuma ao magnífico entrecosto que deitamos abaixo num restaurante que estava cheio como um ovo - sábado é dia das famílias irem almoçar fora.
O Diário XII ficou intragável em linguagem SMS por que foi escrito num tempo em que os ponteiros do relógio andavam mais devagar e as professoras não eram tratadas por stôras. Também seria intragável a visão de um Cavaco de brinco na orelha, calções à guna abaixo dos joelhos, All Stars roxas e com o nome Maria, em caracteres chineses (arranjados pelo Fernando Lima), tatuados no antebraço.
Mas, como nos avisou o Dylan, os tempos estão a mudar. 1 500 SMS por semana sabem a pouco a uma maioria de adolescentes que preferem mandar mensagens aos amigos do que estar a falar com eles de viva voz. Impregnada de oralidade, simplificada, enriquecida com smileys que sinalizam o estado de espírito, a linguagem usada no Twitter e SMS veio para ficar. O operador inglês dot.mobile traduziu para linguagem SMS as principais obras da literatura britânica.
“A esferográfica Bic foi trocada pelo teclado. Não tarda muito a serem precisas aulas para ensinar caligrafia aos adolescentes”, concluiu Dinis, que ficou triste L quando soube que, no final de um lauto almoço, tinha de empurrar o meu carro que ficara sem bateria. Só ficou feliz J quando me viu pelas costas ;-).
Jorge Fiel
Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias
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