Os três andamentos de um divertimento
Assim de repente, vejo que aqui pelo Porto já não me restam muitos amigos benfiquistas. O Rogério Gomes fez muito bem em concentrar no Gil Vicente a sua paixão clubística. O Vítor Pinto Basto é um caso à parte, pois simpatiza ao mesmo tempo com águias os dragões – ninguém me tira da cabeça que ela anda a treinar-se para Kofi Annan. O Mário Dorminsky deixou de ligar a futebol. E, com a sabedoria que só pode ter quem passou mais de metade da vida rodeado por milhares de livros, o António Catarino prefere falar de automóveis e rugby.
Há, claro, o Aníbal Campos, que é daqueles benfiquistas irredutíveis e com pedigree, ao ponto de também sofrer pelo Real Madrid, mas a esse já não o vejo há uma data de tempo – com grande pena minha.
Um jogo entre Porto e Benfica é mais ou menos como as férias, em que o divertimento tem três andamentos: a excitação da preparação, o saborear das férias propriamente ditas e o prazer de as relatar.
Como não tenho benfiquistas por perto, o meu divertimento no antes do derby resume-se a sentir à distância, via Media, o cheiro a medo e a nervosa ansiedade que transpira dos benfiquistas, já convencidos que, uma vez mais, a sua equipa se vai esgotar no papel de segunda lebre da Liga (a principal é, este ano, o Braga), que parte entusiasmada no Verão, ganha velocidade no Outono, desacelera no Inverno e desiste na Primavera.
Está cada vez mais curto o prazo de validade dos factos políticos e desportivos. Três meses depois de se ter enfiado num buraco, por causa das alegadas escutas de que estava a ser alvo (afinal, vai-se a ver, e o escutado era o outro…), Cavaco já se sente com a cabeça fora de água e promoveu o amigo Lima.
Os meus amigos portistas, que há coisa de um mês receavam que hoje nos pudesse acontecer uma coisinha má, andam felizes da vida a recordar a proeza do Lemos – que numa época marcou seis golos (quatro nas Antas e dois na Luz) ao Benfica de Eusébio – e os saudosos cinco secos aplicados na Supertaça, em casa do adversário. Nestes tempos difíceis é enorme a volatilidade dos estados de alma.
Hoje à noite, no durante, o que me dará mais gozo, para além da convincente vitória azul e branca, será ver como as equipas, que desembarcam em campo (será mesmo relvado?) com um plano de batalha definido ao pormenor com régua e esquadro, vão reagir às contrariedades, com um golo madrugador de Hulk, a expulsão anunciada do David Luiz ou a confirmação da lesão de Aimar.
Depois - os meus amigos benfiquistas conhecem-me – a minha vaidade será demonstrar, uma vez mais, quão competente sou a fazer o mais difícil, que é saber ganhar.
O champanhe será bebido em privado, com os meus amigos portistas. Como sempre, irei abster-me do mau gosto de perturbar o luto dos meus amigos benfiquistas com SMS gozonas, telefonemas achincalhantes, tuítes ácidos ou bocas foleiras no FB.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias