Artur Santos Silva
Foto Pedro Granadeiro
Lá onde quer que esteja, o antigo operário chapeleiro Dionísio Santos Silva deve estar orgulhoso. O seu filho Eduardo foi ministro da Instrução da I República. O seu neto Artur meteu-se no Foguete para ir a Lisboa convidar Humberto Delgado a desafiar Salazar. O seu bisneto Artur, o pai do primeiro banco privado (BPI) do pós 25 de Abril, preside à Comissão Nacional para a Comemorações do Centenário da República.
Em 1891, o bisavô do banqueiro tinha uma loja de chapéus no nº 65 da rua de Santo António, no Porto, quando foi posto a ferros e submetido a Conselho de Guerra acusado de ser um dos cabecilhas do 31 de Janeiro, a primeira revolta republicana contra uma Monarquia que ainda haveria de sobreviver mais 19 anos. Como só morreu em 1920, com 67 anos, viveu o suficiente para assistir ao triunfo dos seus ideais, a 5 de Outubro de 1910.
Com tão egrégios bisavô, avô e pai, todos eles imortalizados na toponímia do Porto, foi consensual a escolha de Artur Santos Silva, 68 anos, para dirigir as comemorações do centenário da República, no ano anterior a umas presidenciais em que se o seu nome consta da lista de possíveis candidatos, o que o incomoda bastante: “Isso não tem qualquer fundamento. Não se passou nada. Não estou disponível, nem tenho qualquer interesse no lugar ou perfil para ele”.
Arranjou um buraco de hora e meia na sua agenda atafulhada, para um café, 4ª à tarde, na Casa da Música, de que é presidente do Conselho de Fundadores, uma das suas muitas ocupações – além de presidente do BPI, é membro do Conselho Geral da Universidade de Coimbra (onde se licenciou em Direito, em 1963) e administrador de uma data de instituições, como a Gulbenkian, Partex ou Jerónimo Martins.
Vinha de um almoço no Grappa (o italiano do Porto Palácio), e ainda tinha de afazeres a resolver antes de se retirar para a sua casa em Amonde (perto de Vila Praia de Âncora), onde passa os fins-de-semana e é a base para grandes passeios de bicicleta que o levam, na companhia de amigos, até ao outro lado do rio, à margem galega do Minho.
O pontapé de saída das comemorações vai ser dado no Porto, no dia 31, data em que estará ao lado de Cavaco a inaugurar a exposição sobre a resistência e luta pela liberdade entre 1891 e 1974, comissariada por Teresa Siza e Manuel Loff, que estará na Cadeia da Relação, onde Camilo escreveu, de um jacto, Amor de Perdição, quando ali estava preso acusado de adultério. Na ocasião, será mostrado o quadro sobre a Bandeira Nacional que a encomendado a Nikias Skapinakis.
Divulgar as grandes realizações da República e celebrar os seus ideais projectando-os para o futuro são o alfa e o ómega das comemorações que encerram em Lisboa, a 5 de Outubro, dia em que o Hino Nacional será tocado por esse país fora, em simultâneo por centenas de bandas de música.
“A República representa a afirmação da liberdade e da cidadania, o combate à pobreza e a celebração do Estado de Direito”, afirma Artur, que desvaloriza as críticas do presidente da Causa Real. Paulo Teixeira Pinto, que em 2006, quando liderava o BCP, tentou, sem sucesso, comprar o banco fundado por Santos Silva, considerou “inoportunos” os gastos com as comemorações.
“Cada um tem as suas razões, mas o nosso orçamento até é muito contido, se tivermos em conta as mais de 500 iniciativas em marcha”, responde Artur . Os dez milhões de euros postos à disposição da comissão estão a ser aplicados em exposições, conferências, em apoios à investigação e à edição, mas revelaram-se curtos para aventuras no domínio do audiovisual. No desporto, além dos Jogos do Centenário, está agendado um Portugal-Espanha em futebol, em que Juan Carlos não é esperado.
As escolas estão no centro das preocupações. “A educação foi a grande obsessão da I República”, recorda, acrescentando que o municipalismo foi outra das marcas republicanas. Santos Silva não é um apoiante da regionalização, mas reconhece existir “uma alocação desigual de recursos por parte do Estado” e defende que “uma maior descentralização do poder” e reforço das competências dos municípios.
“Tem de haver uma distribuição mais justa dos recursos nacionais”, reconhece o responsável por umas comemorações cuja marca física que ficará para as gerações vindouras será a renovação da frente fluvial de Lisboa, entre Belém e o Terreiro do Paço.
Jorge Fiel
Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias
Restaurante Casa da Música
Avenida da Boavista 604/610, Porto
2 cafés … 2,00 euros