Esta vida são dois dias
Não preciso de ser dono deste quadro do Dórdio Gomes para tirar prazer dele
Quando eu tinha 14/ 15 anos, a felicidade era muito barata. Podia custar 17$50, o preço da francesinha e um príncipe no Capa Negra do Campo Alegre. Podia até ficar de borla, se a miúda que nos punha as hormonas aos saltos não tirava a mão dela, quando lhe dávamos a nossa, alimentando as legítimas expectativas de que mais tarde ou mais cedo (de preferência mais cedo!) passaríamos a formas superiores de luta, ao nível do contacto físico.
A partir destas experiências de prazer procurado, percebi que sofrimento e risco fazem parte do processo de obtenção da felicidade. A francesinha sabia melhor quando eu tinha fome e a cerveja quando estava com sede. Para nos habilitarmos a uma queca, é preciso arriscar sofrer um pontapé nos tomates do nosso amor próprio, se a rapariga dos nossos sonhos húmidos retira rapidamente a mão que lhe demos e explica, toda lampeira, que gosta de muito de nós - mas só como amigos. O sexo e o amor sabem muito melhor quando estamos cheios de fome e sede deles.
Nos últimos 30 anos, o período de maior prosperidade de toda a história da humanidade, registou-se uma hiper-inflação dos custos da felicidade, provocada pela febre da propriedade, em que as pessoas erradamente confundiram posse com o prazer, esquecendo de que mais importante do que ter uma coisa é usufruir dela e que são os objectos que nos possuem – e não o contrário.
Deste período de correcção de valores e comportamentos, que designamos por crise, vai emergir um novo normal, marcado pela diminuição do custo de utilização dos produtos, em que alugaremos a roupa de bebé, que dura apenas três meses, e acharemos ridícula a mania de todos possuírem um carro próprio – imaginem que não havia outra maneira de usar avião a não ser ter um nosso!
No novo normal, avaliaremos em termos custo/beneficio a relação entre o tempo que gastamos a ganhar dinheiro e o tempo de prazer de que desfrutamos com o produto do nosso trabalho. Tom Jobim tinha razão quando disse que “o que importa é ser feliz” mas temos de ser criteriosos sobre onde se adquire a felicidade - se na cama, na pastelaria ou no fundo de uma garrafa – e no preço a pagar por ela.
Nestes tempos difíceis, que põem à prova a alma dos homens, não podemos dar demasiado importância à “situação explosiva”, “morte lenta”, escutas, Face Oculta, dívida, desemprego ou défice. O melhor é descontrair-se e divertir-se. Abra a garrafa de Barca Velha que corre o risco de se passar. Goze as milhas do cartão antes que caduquem. Tire partido de tudo quanto é de borla e pode dar muito prazer. Esta vida são dois dias e o primeiro está a acabar.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias