Clara Ferreira Marques
A fabulosa Vista de Lisboa antes do terramoto de 1755 recebe os visitantes na sede do BES por causa de Clara, que intermediou o negócio da venda ao banco deste quadro (de autor desconhecido, provavelmente Canaletto), por 2,75 milhões de euros, a mais cara obra de arte transaccionada no nosso país. E na compra do Tiepolo pelo Museu Nacional de Arte Antiga, por 1,5 milhões de euros, voltamos a encontrar as impressões digitais da proprietária da Leiria e Nascimento, a mais antiga leiloeira do país.
“Estamos sempre o lado de quem vende”, afirma Clara, lembrando que, no ano anterior ao do leilão do Tiepolo, o Governo tinha desperdiçado a oportunidade de adquirir por 600 mil euros esta obra de finais do século XVIII. “As peças vão à praça por um preço entre 30% a 50% abaixo do seu valor de mercado. O leilão é que tem de subir”, explica a leiloeira, que escolheu almoçarmos no Possolo, a tasca que ela usa no dia a dia como cantina porque tem sempre peixe e está perto da leiloeira, que fica ao lado do Hospital Militar. Como só havia uma posta de cherne, acordamos em partilhá-la - e em dividir também uma posta de salmão.
Filha de um joalheiro, Clara Ferreira Marques cursou Arquitectura de Interiores na Fundação Ricardo Espírito Santo e tem dedicado a vida ao negócio de arte, com excepção de um breve parêntesis (77/78) em que foi jornalista de política no Dia, dirigido por José Mensurado. Especializada em porcelana chinesa e Companhia das Índias, abriu uma loja de antiguidades em Lisboa, em frente à igreja de Santa Isabel, e iniciou por sua conta e risco uma carreira de corretora internacional de arte.
Passou a pente fino as comunidades portuguesas na América do Sul, propondo-lhes vender os objectos de arte que tinham levado na bagagem quando atravessaram Atlântico após o 25 de Abril. Ela sabia exactamente qual o mercado certo para colocar cada peça, se um particular em Lisboa, um leilão da Sothebys, em Londres, ou da Christie no Mónaco. “Cheguei a ir a três países no mesmo dia”, diz Clara, cuja vida levou uma volta quando, em 1986, soube que o Banco de Portugal queria leiloar o espólio de Miguel Quina.
Resolveu candidatar-se, mas para isso precisava de ter uma casa leiloeira. O Tio 29 (o petit nom do arqº Pimenta da Gama) sugeriu-lhe que comprasse a Leiria e Nascimento (LN), uma leiloeira que estava desactivada e tinha sido fundada, em 1882, por um mulher (Guilhermina Leiria), com o nome de Bazar Católico, e que face ao desinteresse do filho pelo negócio (ele só queria saber do violino) se viria a associar a João Filipe Nascimento, um bancário gerente da Casa Totta. Clara não olhou para trás, tratou de reunir os dez mil contos necessários para comprar a LN leiloeira e com uma proposta imbatível ganhou o direito a organizar o leilão Quina.
“Foi uma loucura completa. Um sucesso tal que ficou conhecido como o leilão do século. Vendi todas as peças, incluindo a segunda locomotiva que entrou em Portugal, que o comprador não levantou e ainda está na Quinta da Fonte Santa, em Odivelas, que era do Quina e onde fiz o leilão”, conta Clara, que aguentou estoicamente as tentativas de boicote da Câmara comunista de Loures, que achava que a colecção não podia ser vendida, porque era do povo, e a quinta devia ser transformada em museu de acesso livre.
Está convencida que o pior da crise já passou. “Em 2008, senti que atravessávamos um período complicado. As pessoas precisavam de dinheiro, mas achavam que nesse momento iriam vender mal e temiam que, como as peças são conhecidas, toda a gente ficasse a saber que estavam a desfazer-se de património”, diz Clara, que aposta na especialização e novos negócios.
Inovou ao fazer leilões de uma garrafeira particular, de instrumentos musicais (citado na CNN por ter um catálogo em braille) e de swatchs (o de um filme de Almodovar atingiu 1 100 euros). E tem em cima da mesa projectos de leilões tão variados como fosforeiras de prata, imobiliário de luxo ou carros antigos. “Basta haver uma boa colecção para vender e mercado. O negócio é um jogo”, concluiu Clara.
Jorge Fiel
Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias
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O Possolo
Rua do Possolo 59, Lisboa
Queijo e presunto … 6,00
Tinto da casa … 8,00
Cherne … 7,50
Salmão … 7,50
2 cafés.. 1,20
Total… 30,20