Gostava de ser Gastão mas sinto-me Peninha
No universo do Disney, os meus heróis são os personagens mais cheios de defeitos, como os infelizes irmãos Metralha ou o Zé Carioca, que é alérgico ao trabalho e mantém a forma fazendo os 400 metros planos a fugir dos credores. Os sobrinhos são insuportáveis. E apesar de detestar o Gastão, reconheço que as razões deste são idênticas às que levaram a raposa da fábula do Lafontaine a dizer “estão verdes, não prestam”.
Na verdade, adoraria ser tão sortudo como o ganso Gastão, mas, na triste e dura realidade, quando olho para o espelho, ele devolve-me a imagem do azarado pato Peninha muito mais vezes do que eu gostaria. A sorte e o azar existem, e se alguém o tentar convencer do contrário, pergunte-lhe porque é que o Durão Barroso é presidente da Comissão Europeia.
Os factos que se seguem tiveram lugar entre as 10h30 e as 13h00 de 3ª feira - era dia 13, mas não 6ª feira, não passei debaixo de uma escada, não me cruzei com um gato preto, nem parti um espelho.
Passei a manhã à conversa com Luís Vale, dinâmico director de marketing da Carris, que me falou com entusiasmo da meritória campanha Menos um Carro e do notável esforço de melhoria da qualidade do serviço. Em seis anos, a idade média da frota passou de 16,5 anos para 6,5 anos (é das mais jovens da Europa). A aposta na renovação alargou-se aos motoristas. É impressionante que num total de 2700 trabalhadores, haja um contingente de 1200 motoristas novos, que antes de serem lançados para o volante dos autocarros foram formados e instruídos para serem os embaixadores da Carris junto dos clientes.
Acabada a entrevista, despedi-me do Luís e atravessei a rua. Esperei menos de cinco minutos pelo 48 das 11h35, com destino ao Marquês do Pombal. Logo à entrada, sofri o primeiro contratempo. Como o saldo miserável (52 cêntimos) do meu cartão Lisboa Viva era insuficiente, gastei 1,40 euros na compra do bilhete a bordo.
Sentei-me lá atrás à janela e a viagem correu impecável, até que o 48 chegou às Amoreiras e claudicou. O motor foi abaixo, era muito o fumo que estava a sair do escape, pelo que o motorista achou por bem evacuar o autocarro, explicando-nos ter medo que ele se incendiasse.
À saída do 48, vi um outro autocarro estacionado numa paragem, uns metros à frente. Era o 53, cujo destino desconhecia. Dei uma corrida para o apanhar, entrei, e o jovem motorista limitou-se a responder-me um sonoro “Boa tarde” quando lhe perguntei se o autocarro ia para o Marquês.
Já perceberam porque é que eu às vezes me sinto como o azarado repórter Peninha, de A Patada de Patópolis, propriedade do Tio Patinhas?
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias