Carlos Tê
“Qual foi o último grande hit da música portuguesa?” A eternidade que demorei até articular uma resposta - “Alguma coisa do João Pedro Pais?” – era parte da demonstração da tese de Carlos Tê de que “a música se tornou irrelevante, perdeu a capacidade de mexer com a vida das pessoas e de fazer parte do nosso imaginário colectivo”. A resposta certa era o “Encosta-te a mim”, de Jorge Palma, uma canção já velha de três anos.
A indústria musical deu uma grande volta desde que, há 30 anos, foi editado “Ar de Rock”, o álbum fundador do rock português que tinha como guarda avançada o “Chico Fininho”, uma canção que Carlos escrevera por gozo, para provar que o rock e a língua portuguesa eram incompatíveis.
Rui Veloso achou graça à música, que Carlos cantava a pedido nas festas de anos, deu-lhe um arranjo e inclui-a na cassete que mandou para a editora – o resto era tudo canções em inglês. Foi, por isso, com alguma surpresa que ouviram David Ferreira e Francisco Vasconcelos dizerem-lhes que editavam um disco se eles conseguissem arranjar mais dez canções iguais a “Chico Fininho”.
1979 foi um ano glorioso para Carlos Monteiro, aka Tê, abreviatura de Tarado Musical, alcunha que ganhou por saber tudo quanto se passava, o que, nos recuados tempos em que a Internet nem existia sequer nos livros de ficção científica da colecção Argonauta, era conseguido à custa da leitura compulsiva da imprensa da especialidade, nacional (“Disco Moda e Música”, “Memória de Elefante” e “Mundo da Canção”) e internacional (“Melody Maker”, “Sounds” e “New Musical Express”) adquirida na Bertrand de 31 de Janeiro.
“Os Who actuam hoje à noite em Hammersmith”, anunciava ele à mesa do Varanda da Barra, o café da Pasteleira onde parava com os amigos e enganavam a fome com os económicos pregos de corrida (sandes de pão com croquete, prensada no grelhador). Carlos andava sempre com os LP numa mão e na outra o gira-discos Philips de baquelite e a pilhas, que tinha vindo com o curso de correspondência onde aprendeu inglês – aos 14 anos desatinou com curso de montador de serralharia que andava a tirar na Escola Comercial e Industrial de Matosinhos e arranjou um emprego no escritório da rua D. João IV da Tasso de Sousa, a importadora Mazda.
Em 1979, andava apaixonadíssimo, escreveu à primeira, sem emenda, as letras das dez canções que fizeram companhia a “Chico Fininho” no álbum de estreia de Rui Veloso, e trocou o balcão de uma loja de material eléctrico, na rua de Belmonte, onde vendia interruptores e mudava a resistências dos ferros de engomar das velinhas, por um lugar no Banco de Portugal, onde se demorou 16 anos, durante os quais fez o exame ad hoc e se licenciou em Filosofia .
Escolheu almoçarmos no Shis, na praia do Ourigo, a centenas de metros da Cantareira parava o Chico Fininho. O dia convidava a uma mesa na esplanada, onde empurramos com vinho branco as 40 peças de sushi e sashimi, enquanto falamos de música e da vida durante mais de três horas – desde que em 1995 se reformou do Banco de Portugal que Carlos, 54 anos, não tem quem lhe imponha horários.
“Estamos a assistir ao fim da música tal como a conhecemos. O conceito de disco desapareceu. Fazem-se canções para meter no YouTube para arranjar espectáculos ao vivo. Hoje seria impossível estar sete meses em estúdio para gravar um álbum como “Mingos e os Samurais”. Fazem-se discos não para vender mas para arranjar espectáculos. A música como transgressão, dos anos 60 e 70, já não existe. Agora serve para sincronizar novelas”, resume Tê que apanhou a indústria musical no seu apogeu e agora escreve musicais e livros - está para sair um com textos sobre o Porto, ilustrado por Manuela Bacelar.
Mas não se depreenda que ele está amargurado, tipo pickle conservado em vinagre. Quando José Manuel Fonseca, o presidente da Casa da Música, parou na mesa para dar dois dedos de conversa, Carlos elogiou entusiasticamente o concerto de Carla Bley com a Orquestra de Jazz de Matosinhos a que assistira na véspera, na Casa da Música: “Foi fabuloso. A rapariga do trompete fez um solo absolutamente fantástico!”
Jorge Fiel
Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias
Curiosidades
Não tem iPod
Não tem iPod e ouve pouca rádio, para não aturar a ditadura das playlist. Ouve muita música no CD no carro, um Mazda 6 (o seu primeiro emprego foi no importador Mazda). Elvis Costello e Tom Waits são dois dos seus favoritos
Pearl, de Janis Joplin, e After the Gold Rush, de Neil Young, foram os primeiros
Os dois primeiros LP que comprou foram “Pearl”, de Janis Joplin, e “After the Gold Rush”, de Neil Young. Recorda-se de etr escrito uma carta a Neil Young, mas já não se lembra muito bem a dizer o quê
FC Porto de 2004 melhor equipa que o de 1987
Tê é um dragão ferrenho (foi ele que produziu a actual versão do hino do FC Porto, gravado com a Filarmónica de Londres) e como tal tem uma opinião sobre a questão (qual a melhor equipa, a de Artur Jorge, em 87, ou a de Mourinho, em 04?) que fractura a comunidade portista: “A equipa campeã europeia de 87 tinha mais génios individuais, como o Madjer, o Gomes e o Futre. Mas prefiro a de 2004 que só tinha um mágico, o Deco, e o resto eram trabalhadores, como o Nuno Valente - que conjugava um génio com muita abnegação, crença e trabalho”.
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Shis
Praia do Ourigo, Porto
Couvert … 5,00
Shis mix… 40,00
2 Águas 0,5 l … 3,00
Kopke branco … 13,00
2 Apfelstrudel.. 12,00
1 café…1,50
1 descafeínado … 1,50
Total… 76,00