Lendo nas cinzas do Eyjafjallajorvll
As 600 mil garrafas de vinho que a TAP compra todos os anos a produtores portugueses são apenas uma das muitas boas razões para que o método a seguir na sua privatização não seja o de a entregar no regaço de quem der mais para abater ao monstruoso défice que o desespero do Governo triplicou em 2009. Da equação fazem ainda parte o meio milhão de euros de sumos comprados à Compal, os sete milhões de cafés adquiridos à Delta, os 220 mil euros que a Renova ganha ao abastecer os aviões de papel higiénico e guardanapos. Isto para já não falar dos 6,5 milhões de turistas/ano que nos trás e asseguram 23 milhões de dormidas.
A TAP já devia ter vendida há muito tempo e a única que explicação que arranjo para não ter sido é que a sua manutenção no sector público foi útil porque permitiu que governos de todas das cores a usassem para fazerem uns jeitos aos amigos. Estou a pensar, por exemplo, na dor de cabeça de que o GES se livrou quando a TAP lhe comprou a Portugália – a alternativa era fechar as portas, ou seja os Espíritos não só não metiam algum ao bolso como ainda por cima ficavam mal na fotografia.
O facto da TAP ser a maior exportadora nacional, com vendas ao exterior de 1,4 mil milhões de euros em 2009, aconselha a que se aproveite a operação de privatização para garantir que ela sobreviverá ao combate de morte que se trava nos céus da Europa. Para resistirem ao domínio da Lufthansa, a Air France casou com a KLM e a British Airways não teve outro remédio senão fundir-se com a Ibéria.
Da mesma maneira que se quisermos ganhar ao Roger Federer não o devemos desafiar para uma partida de ténis (talvez tenhamos sorte nos matrequilhos ou no xadrez, mas no court é certo e sabido que estamos feitos ao bife), a TAP para sobreviver tem aprofundar as suas posições no espaço vital que lhe permitiu fechar 2009 com um pequeno prejuízo (3,5 milhões de euros) e aspirar a escrever com tinta azul o resultado deste ano.
A nuvem de cinzas do Eyjafjallajorvll desenhou a área onde a TAP (que apenas viu 50% dos seus voos afectados) deve continuar a apostar para ter futuro e prosperar – as rotas africanas e atlânticas (em particular as do sul). A óbvia vocação da TAP é fazer de Lisboa uma placa giratória, entre a Europa, África e América Latina. Nas cinzas do vulcão islandês é possível ler que o Governo deve aproveitar a privatização da TAP para promover uma fusão estratégica com a angolana TAAG e a brasileira TAM, que crie um gigante aéreo que fale português e domine pelo ar as rotas que os nossos antepassadas outrora controlaram no mar.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias