Nem papista, nem lampião
Como não sou lampião nem papista, estou neutral como a Suíça na teima sobre se o Bento XVI reuniu mais gente no Terreiro do Paço do que Jesus no Marquês do Pombal. Tratando-se de dois acontecimentos raros e extraordinários, estou-me nas tintas para os excessos em que têm tropeçado alguns jornalistas, levados pelo arrebatador entusiasmo e cega fé benfiquista e/ou católica. Para atravessar esta semana, não precisei de gastar alguma da paciência que tenho em armazém, pois sei perfeitamente que o enfado derivado da vitória do Benfica e da visita papal não é nada comparado com o sofrimento aguentado por Jó, por causa de uma teima entre Deus e o Diabo.
Até me tenho divertido! A manchete do Record “O Mundo é do Benfica” desopilou-me a figadeira e, sem tomar qualquer substância ilícita!, fez-me imaginar estar rodeado por seres iguaizinhos ao ET do Spielberg. Ao apostar com o meu filho sobre qual a palavra (histórico/a ou juventude) de que os comentadores televisivos iriam abusar mais, senti-me transportado aos tempos em que nas idas a pé para o liceu cada um escolhia as duas primeiras letras de matrículas que lhe achávamos iam aparecer mais frequentemente no percurso.
Mas aqui e ali há coisas que me maçam, como o elogio do celibato feito pelo cardeal Saraiva Martins: “O padre não é uma pessoa frustrada. Não há nada mais belo que o celibato”. Lembrei-me logo da enxurrada de membros do clero envolvidos em comportamentos pedófilos e que por isso não partilham desta opinião. E não me parece bem que um homem que nunca molhou o pincel se ponha opinar sobre o assunto. É como as crianças que dizem que a carne é melhor que o peixe - que não comem porque dizem que não gostam, apesar de nunca terem provado.
Irritam-me solenemente as excepcionais medidas de segurança que têm efeitos tão perniciosos como os idosos da freguesia da Sé, no Porto, irem ficar amanhã privados de almoço, por estar proibida a circulação no bairro da carrinha que distribui as refeições ao domicilio.
Mas tenho-me entretido a descobrir o lado positivo dalgumas idiotices. As restrições ao estacionamento e circulação podem entusiasmar lisboetas e portuenses a usar mais vezes os transportes públicos. Os ecopontos e os sítios à sua volta vão deixar de estar nojentos. O prejuízo (37 milhões de euros/dia) provocado pela tolerância de ponto é amortecido pelo incremento do turismo interno. E ficou cientificamente demonstrado que Bento XVI vende pior que João Paulo II. Para conseguir alugar amanhã os quartos com vista para os Aliados, onde o papa vai dar missa, o dono da Pensão Universal teve de baixar o preço para 80 euros. A 300 euros ninguém lhes pegava!
Jorge Fiel
Esta crónica foi publicada hoje no Diário de Notícias