A vantagem do IPod como repelente de chatos
O excesso de idade é uma coisa tramada e não me estou a referir aos mais banais malefícios do envelhecimento, como o facto da longínqua data do nosso desembarque neste mundo (eu sou de 56, o ano do Tratado de Roma) nos colocar automaticamente nos lugares cimeiros das listas de despedimento das empresas ineficientes. Devo reconhecer que fiquei incomodado quando, a semana passada, estava a flanar na Almedina do Arrábida Shopping, a fazer horas para ver o Greenberg (recomendo!), e dei de caras com um livro de auto-ajuda intitulado Encontrar Emprego Depois dos 50 – façanha tão provável como nascerem dentes na boca de uma galinha ou cabelos na cabeça de um careca.
O que me chateia mesmo é a fatalidade da quantidade de gente nossa conhecida aumentar em relação directamente proporcional com a idade e inversamente proporcional à capacidade da nossa memória - situação geradora de embaraços. Noutro dia, tropecei num tipo que aparentava conhecer-me de ginjeira, pois saudou-me com um franco: “Ó Fiel, tu estás redondo!”. O triste é que não se fez luz no meu espírito, apesar das coordenadas que ele, simpaticamente, ia debitando: que era o Monteiro, que tínhamos sido colegas na faculdade, que na altura ele usava barba, que eu tinha vagamente namorado com uma prima dele. Tive de assumir a derrota (“É pá, sabes, estou gagá!”), confessar envergonhado que não me conseguia lembrar dele, o que não foi uma saída airosa ou lisonjeira - nem para mim nem para ele.
Depois há aquelas pessoas em que tropeçamos e de que nos recordamos perfeitamente, mas melhor seria se não nos lembrássemos. Estou a falar daqueles chatos que levam a sério quando lhes atiramos o “Olá pá, está bom? A vida corre-te bem?”, com que apenas os queremos despachar, e devolvem-nos, na volta do correio, um relatório circunstanciado sobre a evolução da sua tensão arterial, bem como dos níveis de colesterol, triglicéridos e açúcar no sangue. Uma maçada!
Tenho pensado muito em truques para me desembaraçar de tipos pegajosos. Em O Turista Acidental, William Hurt usava, nas viagens de avião, a leitura de um livro como pára-raios face a vizinhos que estão sempre mortinhos por meterem conversa com o passageiro do lado. Eu ando a testar o Ipod como repelente de chatos. Tem dado um resultadão. Ter os ouvidos tapados com fones é um belíssimo álibi para evitar conversas embaraçosas com as pessoas que nos cumprimentam. Basta acenar-lhes, fazer o sorriso que quer dizer “agora não pá, estou a curtir a minha música” - e manter a cabeça ocupada com algo realmente importante, como as belas poesias amargas das canções da Aimee Mann.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias