Henrique Leite
Ninguém disse que o mundo é justo. Enquanto nós nos deliciávamos com uns filetes de linguado com legumes e gengibre no vapor e uma vista de cortar a respiração sobre o Tejo, os alunos ainda em aulas nas escolas deste país comiam frango assado com esparguete e salada. Um menu bem mais frugal, mas a verdade é que o Ministério da Educação paga 1,20 por refeição à Eurest, enquanto o nosso almocinho custou à roda de 40 euros por cabeça.
E ainda há mais atenuantes. O frango assado é a refeição preferida dos portugueses, seguida pelas variantes do porco (lombo, costeletas e febras) e o bacalhau à Brás. Nos peixes, o salmão é o que mais cresce em procura. “Não tem muitas espinhas”, explica Henrique Leite, 40 anos, director geral da Eurest, empresa que diariamente fornece o almoço a 200 mil portugueses, em 1 200 restaurantes e cantinas de hospitais, escolas, prisões, áreas de serviço, autarquias e empresas.
O preço de cada refeição varia entre os sete euros, pagos por grandes multinacionais como a IBM ou a Tabaqueira, até aos 1,20 euros das escolas, onde vigora o regime de prato único (não há escolha) e estão previamente acauteladas uma data de condicionantes: fritos só de 15 em 15 dias e em óleo de amendoim, doces à sobremesa só duas vezes por semana, e a salada e sopa são como Deus: omnipresentes.
“Os miúdos já começam a gostar de sopa e a ser críticos. Preferem as sopas que levam massa”, confidencia Henrique, o comandante de um exército de seis mil pessoas (dos quais 800 cozinheiros) que anualmente facturam 150 milhões de euros e compram e transformam brutalidades de tudo: 1,5 mil toneladas de maçãs, 900 mil quilos de alface, 308 mil quilos de alface e por aí adiante.
O director geral da Eurest, que preferiu à sopa uma entrada de folhado de tomate, mozarella de bufala e beringela, contou-nos alguns dos segredos do seu negócio. O frango assado estava a ser servido nas escolas acompanhado por esparguete porque era 6ª feira. A massa vai-se fazendo na hora, enquanto as batatas têm de ser previamente descascadas o que implica desperdício se a procura de refeições for inferior ao previsto. E à 2ªfeira a opção é por menus expeditos, como febras com arroz, porque há menos tempo para preparação.
“O frango é o único produto das grandes famílias de alimentos em que somos auto-suficientes. Em tudo o resto, excepção feita ao leite e ovos, somos dependentes do exterior”, lamenta Henrique, que deve em parte ao ovo a ascensão meteórica (adequada a quem nasceu em 1969, o ano em que o Homem chegou pela primeira vez à Lua) na Eurest.
Nascido no Porto (o avô era o chefe de estação CF de Espinho), filho do matrimónio entre uma professora primária e um técnico da Betão Liz, fez o curso de dietista por um daqueles acasos em que a vida é fértil. No final do Secundário, estava acampado com a família em Pedrógão, sem saber o que havia de fazer, pois a média era curta para entrar em Medicina, quando um tio médico o desafiou a iram no dia seguinte a Coimbra, apreciarem a oferta na Escola Superior de Tecnologias de Saúde.
Soou-lhe bem a hipótese de se tornar dietista. “Imaginei-me logo a dar consultas a senhoras simpáticas que queriam emagrecer”, conta. Havia só um pequeno problema: 600 candidatos para 100 vagas. Meteu-se em brios, agarrou-se aos livros e arrancou a 6º melhor nota no exame de admissão. Passou os quatro anos seguintes no forrobodó coimbrão, o que não impediu de ser um dos melhores alunos do curso, ao ponto de ter sido convidado para ficar lá a dar aulas, hipótese que declinou (cherchez la femme..,) rumando a Lisboa, onde facilmente arranjou emprego.
Estávamos no início dos anos 90 e uma intoxicação alimentar no Colégio Moderno tinha posto os holofotes em cima das fornecedoras de refeições. Recém chegado ao controlo de qualidade da Eurest, Henrique fez o diagnóstico - o ovo é o primeiro responsável pelas intoxicações e a carne assada é o segundo - e delineou o plano para atacar o problema. Acabou com a carne assada de véspera e passou a comprar os ovos pasteurizados numa empresa de Pombal que dava os primeiros passos (Derovo). E assim exterminou as intoxicações.
Jorge Fiel
Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias
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Tágide
Largo da Academia Nacional das Belas Artes, 18 a 20, Lisboa
Água das Pedras 1 litro … 1,75 euros
Água tónica … 1,75
2 Menus 6ª feira (entrada, linguado e ananás) …46,00
Duas Quintas branco … 22,00
4 cafés … 8,00
Total … 79,50 euros
Curiosidades
A Eurest Portugal foi fundada a 24 de Abril de 1974. Durante muitos anos pertenceu ao grupo francês hoteleiro Accor (Novotel, Sofitel, Ibis, etc). Em 1995 foi adquirida pelo ingleses da Compass, o maior grupo mundial do sector, com 400 mil empregados que servem quatro biliões de refeições/ano em 55 países
Para aceitar um cliente, a Eurest exige, por norma, que o número mínimo de refeições diariamente servidas seja de 50, o que considera ser a massa crítica mínima para instalar uma cozinha