O Telef. mais tarde dá para os dois lados
Eu sabia perfeitamente o que arriscava quando ontem, por volta da hora do almoço, atendi um número privado. Era a Elsa Leitão, muito simpática e educada (apesar de mal paga) como a generalidade do pessoal do call center do Santander, a perguntar-me se eu já tinha pensado na proposta que a Rita me fizera na 6ª feira.
O seguro até é curioso. Se me fanarem a carteira ou eu a perder, basta um telefonema e encarregam-se de anular todos os cartões (seja qual for a entidade emissora), cobrindo ainda as despesas de emissão não só de novos Visa e Multibanco mas também de todos os outros documentos extraviados – BI, passaporte, cartão de sócio do FC Porto, etc, etc. Mais. Pelo mesmo preço, não teria de me preocupar se esquecesse a chave dentro de casa ou perdesse a chave do carro. Um telefonema e, zás!, aparece um tipo a abrir-me a porta e a fornecer um nova chave.
Senti-me tentado. Como agravante agradaram-me a sofisticação da resposta quando perguntei o preço (dez cêntimos/dia assustam menos que 35 euros/ano), bem como a correcção política com que a Rita apresentou a possibilidade de “a pessoa com quem vive” subscrever o mesmo seguro por 27 euros.
Só não gostei da agressividade da venda. Ao confessar que achava o produto interessante, habilitei-me logo a receber em casa a documentação e depois, se por acaso mudasse de ideias, bastava no prazo de cinco dias fazer um telefonema gratuito a dizer que não queria. Alto e pára o baile!
Vem isto dos números privados a propósito do facto do telemóvel ter ultrapassado o automóvel como o mais indispensável objecto da nossa vida e esse fenómeno não ter sido acompanhado da elaboração de um corpo sólido de regras sobre a sua utilização.
Nos primeiros tempos, o número do telemóvel era uma espécie de segredo. Perdi a conta às vezes em que ouvi um irritado “Quem lhe deu o meu número?” (em 95% dos casos tinha sido ele…). Agora, que as pessoas se começam finalmente a convencer que quem lhes paga o salário são os clientes e não o patrão, os números de telemóvel já começam a constar dos cartões de visita.
No quadro desta mudança, e dando o meu contributo para a definição de uma etiqueta, acho imperdoável não enviar o nosso número e não responder às chamadas não atendidas de números conhecidos. Pensei em activar a opção de enviar a SMS “telef. mais tarde” sempre que não posso atender. Mas detesto a equívoca ambiguidade da formulação. Ficamos sempre sem saber se devemos insistir ou aguardar calmamente que nos liguem. O “telef. mais tarde” é tramado. Dá para os dois lados. É por essas e por outras que o pais nunca mais vai para a frente.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias