Os ricos que paguem a lavagem de reputação
Eli Broad, 77 anos, vai investir duas mil obras de arte e 300 milhões de dólares na eternização do seu apelido em livros, revistas, manuais de arte, guias turísticos e cabeças de pessoas cultas de todo o mundo, ao lado do de outros seus compatriotas, como JP Getty, Gertrude Whitney ou Solomon Guggenheim.
Com fortuna feita no imobiliário e seguros, Broad é desconhecido fora dos EUA e da alta roda dos negócios e da arte (está desde 1998 no top ten dos maiores coleccionadores mundiais de arte, elaborado pela ARTnews), mas acaba de comprar a emergência deste anonimato ao acordar com as autoridades de Los Angeles a instalação de um museu com a sua colecção na Grand Avenue, em frente ao MOCA (Museum of Contemporary Art) e ao lado do fantástico Walt Disney Concert Hall, riscado por Gehry.
A partir de 2012, o Museu Broad exporá em permanência 300 obras de uma colecção onde abundam os nomes que marcaram a cena dos anos 50 e 60 (Jasper Johns, Robert Rauschenberg, Claes Oldenburg, Wharhol e Lichtenstein), mas também de artistas contemporâneos e de LA, como Ed Ruscha e Mark Brandford.
Os termos do negócio são simples e públicos. Broad paga 7,7 milhões de dólares pelo aluguer do terreno, assegura a totalidade dos 100 milhões de dólares que custa a construção do edifício e oferece à fundação que vai gerir a instituição as duas mil peças da sua colecção bem como 200 milhões de dólares para suportar as despesas de arranque e funcionamento.
Ao ler esta notícia na primeira página dos Los Angeles Time lembrei-me logo dos contornos do negócio da colecção Berardo, e da deslumbrante sátira de Saramago, em As Intermitências da Morte, ao vício dos nossos empresários viverem debaixo das saias do Estado - como as pessoas deixaram de morrer, as agências funerárias, “brutalmente desprovidas de matéria prima”, reivindicaram ao Governo “que tornasse obrigatório o enterramento ou a incineração de todos os animais domésticos que venham a defuntar”.
Feroz negociador, Berardo não gastou um tostão no aluguer do terreno nem na construção do edifício que alberga a sua colecção, emprestou ao Estado 862 obras, por um prazo de dez anos, mas ficou com uma opção de venda do espólio a um preço generoso previamente fixado, e não contribui com dinheiro para a manutenção do museu que imortaliza o seu apelido e a cuja Fundação preside.
Eu sei que os museus são as catedrais do século XXI, compreendo que empresários endinheirados usem a arte para lavarem a sua reputação e aceito que tentem libertar-se da lei da morte tatuando o apelido em museus – mas preferia que fossem altruístas, como Broad, e não fizessem a sua engenharia social à custa dos nossos impostos.
Jorge Fiel
Esta crónica foi publicada hoje no Diário de Notícias