Sobre a necessidade de uma banda gástrica
Anda para aí uma data de gente que nunca o gramou. Assim de repente (e para além do pioneiro e inimputável Sousa Lara), estou a lembrar-me de Rio, que proibiu o Porto de ter uma rua com o nome ele, do presidente da Câmara de Mafra, que impediu uma escola de ser baptizada José Saramago, ou até do PR, que não achou necessário dar-se à maçada de estar presente no seu último adeus.
Mas olhem que vale bem a pena visitar as páginas que ele escreveu e deixar que alguns pedacinhos de sabedoria nos abram os olhos e inundem de luz, como por exemplo, o conselho contido no Ensaio sobre a Cegueira: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.
Eu olho para o Ministério da Educação e vejo o mistério do encerramento da EB 1 da Várzea de Abrunhais, em Lamego, que no ano passado foi premiada pela Microsoft e integrada na rede mundial das escolas inovadoras, com os seus alunos - habituados a usar o Magalhães nas aulas, a um ambiente wireless e a um quadro interactivo – a serem transferidos para uma escola sem telefone nem Internet.
Eu olho para Ministério das Obras Públicas e vejo-o atolado no pântano da mal amanhada tentativa de introdução das portagens nas Scuts do Norte (que ainda ninguém sabe ao certo como vão ser cobradas), com a Estradas de Portugal à espera de recolher 53 milhões ainda este ano e o secretário de Estado Paulo Campos a dar-se por satisfeito se pingarem uns 15 milhões.
Eu olho para o Ministério das Finanças e reparo que ele é incapaz de controlar a despesa (entre 2005 e 2009 os gastos correntes do Estado cresceram 14,6 mil milhões de euros!) e cumprir o prometido a Bruxelas no PEC – apesar da regra de um carro novo por cada três abatidos e de se continuar a modernizar, o parque de veículos do Estado teima em manter-se estabilizado nas 28.793 viaturas.
Eu olho para o Governo e reparo que ele é declaradamente impotente para fazer emagrecer um Estado obeso e bulimico, com 14 mil instituições confortavelmente instaladas, com o guardanapo enfiado no colarinho e a faca e o garfo afiados, sentados à mesa do orçamento que nós financiamos, pagando cada vez mais impostos.
O nosso sistema está com Alzheimer. Atingiu um tal estado de desordem que não consegue gerar os factores que possibilitem a sua regeneração, se não mudarmos as bases da organização político-administrativa da nação.
Se apesar das auto-estradas do asfalto e de fibra óptica, o Governo não consegue ver ao longe, de Lisboa para Lamego, o melhor é regionalizar já todo o país e aproximar o poder dos cidadãos.
Se a barriga do Estado é tão grande que o Governo não consegue ver o chão que pisa, dieta e exercício físico já não são suficientes – é preciso uma banda gástrica.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias