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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Tiago Ribeiro

 

Tiago Ribeiro, 36 anos, é responsável pela SAD do Estoril Praia e director da operação europeia da Traffic, um grupo brasileiro presente em todas as esferas do negócio futebol. Antigo basquetebolista, fanático pelo Palmeiras e neto de um agricultor transmontano, nasceu em S. Paulo, viveu em Oxford (onde se tornou fluente em inglês). Regressou ao Brasil para cursar Direito na Pontifícia, após o que voltou à Europa para fazer um mestrado e trabalhar em Paris. Agora, este nómada deitou âncora em Cascais onde tem uma missão: levar os canarinhos do Estoril de volta à primeira divisão 

 

Foi preciso verificar-se um estranho alinhamento daqueles acasos em que a vida é fértil para que Tiago Ribeiro (adepto doente do Palmeiras, advogado formado na Pontifícia de S. Paulo e pós graduado em Direito Desportivo em Paris), esteja instalado num gabinete junto ao Estádio António Coimbra da Mota, a comandar a SAD do Estoril na viagem de regresso à primeira liga – onde ele quer desembarcar já na próxima época.

Uma espécie de “cherchez la femme” de pernas para o ar (trocou a namorada parisiense por uma paulista), um casamento com o império Traffic Sports adiado mas finalmente realizado, e uma tragédia familiar são os principais ingredientes da história que deu uma volta de quase 360º na vida deste brasileiro nómada, cujas raízes transmontanas lhe dão o direito a usar o passaporte português.

Há exactamente sete anos, Tiago estava finalmente confortavelmente instalado no sofá da vida. Tinha 29 anos, habitava em Paris, tinha uma namorada francesa, com quem passava fins-de-semana na neve, e um emprego novinho em folha e excitante no Comité Organizador dos Mundiais de Atletismo de 2003 - quando o telefone lhe deu a maldita notícia: a irmã morrera prematuramente, com 24 anos, num acidente de viação.

Antes de atravessar o Atlântico para se juntar à família em S. Paulo, foi só marcar a passagem aérea e fazer as malas. Este regresso ao Brasil, acabou por determinar o resto da sua vida. Num jantar, conheceu a irmã da namorada do seu melhor amigo e foi coup de foudre. Nunca mais se largaram. Ele ainda voltou para Paris, onde se demorou apenas o tempo indispensável para romper com a fiancée francesa, empacotar os seus activos, despedir-se do emprego e apresentar a monografia final do mestrado em Direito Desportivo.

Tiago nasceu em 1974, numa família de origens mistas (portuguesa e italiana), que sempre honrou a costela lusitana  (na Páscoa havia sempre na mesa alheiras e bacalhau com fartura) que tem a origem directa no avô, José Lobo Ribeiro, um agricultor de Nogueira, Trás os Montes, que aos 16 anos resolveu deitar para trás da costas a miserável escravidão da terra e aventurar-se a fazer fortuna no país da árvore das patacas.

Como nove em cada dez portugueses emigrados no Brasil, o avô abriu uma padaria, início de um negócio que rapidamente prosperou, alargando-se ao fabrico de farelo, macarrão e outras pastas, talvez por influência da italiana com que casou. “A padaria do avô chamava-se O Garoto e era famosa em S. Paulo, pois foi a primeira a fazer entrega ao domicílio”, recorda o neto, que cresceu num lar onde as simpatias clubisticas se dividiam simetricamente entre o Corinthians e o Palmeiras.

Neste campo ele puxou ao pai, José Luis Franchini Ribeiro, que está agora aposentado após ter sido director da Globo durante mais de 30 anos. “Eu era fanático pelo Palmeiras. Chegou a ser doença, ao ponto de perder o sono e doer a barriga”, recorda o primeiro responsável pela SAD do Estoril Praia e director geral da Traffic Sports Europe, que em 1999 viajou até ao outro lado do mundo para assistir, no Estádio Olímpico de Tóquio, à derrota por 1-0 (golo de Roy Keane, aos 35 minutos) do seu Palmeiras, treinado por Scolari, frente a um Manchester United de Alex Ferguson, onde brilhavam David Beckham e Ryan Giggs.

O ponta de lança Jorginho, alcunhado de Cantinflas, foi um dos ídolos maiores de uma infância e adolescência marcadas pela míngua de títulos do seu Verdão, que depois de ter ganho o título paulista em 1976, tinha ele dois anos, só voltou a triunfar em 93, mas logo em dose dupla (foi bicampeão. “O Corinthians de Rivelino era muito forte”, reconhece, desfiando de seguida o nome de alguns dos craques do Palmeiras que lhe ficaram tatuados na memória – Evair, Edmundo, César Sampaio ….

Adorava desporto, mas não se contentou em ser apenas torcedor. Como era alto em criança, foi atraído pelo basquetebol, jogando a pivô em dois times: o Apolo Sports e o Cotia, até que aos 18 anos parou o crescimento e o seu 1m85 se revelou curto demais não só para a posição que ocupava em campo mas até mesmo para a modalidade.

Além disso, o basquetebol no Brasil não pagava e ele tinha de pensar no futuro. Influenciado pelas fitas de Indiana Jones, ainda sonhou tornar-se arqueólogo, devaneio que cedo esqueceu.

À sua decisão de ir para Direito não foi estranho o avô materno, ex-secretário de Estado de Jânio Quadros e uma figura marcante que lutou em 1932 na Revolução Paulista e integrou o Corpo Expedicionário Brasileiro que durante a II Guerra Mundial se cobriu de glória em Itália, em duras batalhas como Monte Casino.

Antes de começar o curso de Direito na Pontifícia Universidade de S. Paulo (PUC), houve tempo para se revelar o seu feitio nómada. Atravessou pela primeira vez o Atlântico, demorando-se quatro meses em Oxford.

Assim que se sentiu fluente em inglês, pegou na mochila, atravessou o canal da Mancha e vagabundeou pela Europa num périplo que o trouxe pela primeira vez a uma Lisboa (onde se aboletou em casa de Mário Prata, um amigo do pai da Globo que andava por cá a escrever novelas para a SIC) que em 1992 vivia as delícias da abertura do mercado único europeu e a prosperidade cavaquista financiada pelo Euromilhões de Bruxelas.

Apesar de não ser marrão (“Nunca fui muito de estudar, mas aprendo rápido e sempre fui bom de argumentação”), fez o curso com uma perna às costas, enquanto ganhava experiência, levando petições e trazendo formulários, e uns magros trocos (“o que eu ganhava não dava para pagar o estacionamento”) trabalhando em part time em escritórios de advogados.

Concluído o curso, em 1997, inscreveu-se na Ordem e começou a exercer num pequeno escritório artesanal, que sobrevivia de avenças de restaurantes e supermercados, numa rotina que lhe desagradava e apenas aguentou durante um ano e pico.

Na passagem do milénio já o encontramos em Paris a fazer um curso de especialização na área do Direito, parcialmente financiado por aulas de português que dava a quadros da Renault destacados para montarem uma fábrica de automóveis no Brasil – e por uns ganchos em feiras.

O primeiro clique decisivo na sua cabeça deu-se durante uma prova oral do curso. Ao vê-lo indeciso, a hesitar muito antes de lhe responder à pergunta sobre o que iria fazer a seguir, o professor colocou-lhe uma nova questão: “De que é que gosta?”.

A resposta era simples. Tiago ama o desporto. “Sou aquele tipo que se às três da manhã estiver a fazer zapping e tropeçar num torneio de badminton fica a assistir até ao fim”, explica. O passo seguinte foi conseguir ser o único estrangeiro a ser admitido no melhor mestrado de Direito e Economia do Desporto existente em França– que estava a concluir quando recebeu a notícia brutal da morte da irmã.

A readaptação ao Brasil não foi fácil. O pai proporcionou-lhe um almoço no Pandorô, em S. Paulo, com J.Hawilla, o dono da Traffic (que já era a principal empresa de marketing desportivo do Brasil, se bem que ainda não se dedicasse à transferência de futebolistas nem fosse proprietária de clubes) e seu velho amigo dos gloriosos tempos da Rede Globo. Mas a refeição não acabou a rimar com contratação.

Tiago estudou a legislação e regulamentação desportiva brasileira, antes de se lançar numa aventura empresarial, em parceria com o amigo Dinis Oliveira, a Usina do Esporte, firma que apostou no agenciamento de jovens futebolistas, mas cuja maior sucesso foi negociar a entrega a um tubarão dos direitos que tinha sobre Márcio Azevedo.

“O agenciamento de jogadores é uma área muito complicada no Brasil. Ou se tem dinheiro para investir ou se chafurda na lama”, declara Tiago, que era fluente em espanhol, italiano, francês e inglês, conhecia de cor a legislação e regulamentos desportivos de diversos países – mas não tinha os bolsos suficientemente fundos nem estava disposto a sujar-se na lama.

Farto de dar com os burrinhos na água, em 2007, o ano que nasceu o seu filho Leonardo, decidiu que era a hora de dar um basta. Estava já com a água pelo nariz, quando um amigo o levou para uma empresa do grupo Traffic, onde as suas qualidades eram necessárias e apreciadas. 

Não chegou a aquecer o lugar no Brasil. O grupo fundado por J. Hawilla, que já tinha um pé nos Estados Unidos (onde é dono do Miami FC), queria estabelecer em Portugal uma testa de ponte para a sua actividade na Europa e quem melhor que Tiago, neto de um transmontano, para enviar com esta missão para este lado do Atlântico?

A Traffic ainda olhou para o Boavista e para o Belenenses, antes de decidir apostar as suas fichas no Estoril. A desvantagem de estar na 2º liga era compensada pelo facto de se tratar de uma SAD controlada por uma empresa (a João Lagos) e não por um clube ou município.

Tiago Ribeiro entrou com cuidado, fazendo um contrato de gestão da equipa de futebol durante duas épocas, com opção de compra. Os primeiros tempos foram complicados. “O ano passado iniciamos a pré-época com cinco jogadores…”, recorda. Apesar da época de estreia ter sido atribulada (o Estoril acabou em 11º mas esteve em riscos de descer), a Traffic resolveu exercer a opção de compra.

Esta época, o início está a ser bem mais risonho. Sob o comando de Vinicius Eutrópio (que enquanto técnico passou pelo Atlético Paranense, Fluminense, Ituano e Grémio Prudente) e reforçado por futebolistas da carteira da Traffic (como Paulo Sérgio, ex-Flamengo, Jefferson, ex-Palmeiras, ou Tony Taylor, ex-Miami), o Estoril Praia está no 2º lugar da Liga Orangina ao cabo de quatro jornadas.

“Viemos para ficar. Ainda há muito trabalho a fazer. Temos de estabelecer boas relações com o clube e começar a absorver jogadores da sua formação. Este ano estamos com uma assistência média de 600 pessoas, que é o dobro do ano passado, mas cada jogo ainda é prejuízo. Não temos o apoio da autarquia e estamos a estabelecer os laços com a comunidade. Mas não desistiremos. Viemos para ficar”, diz a concluir este paulista que se declara português, faz questão de notar que o Estoril joga com tantos portugueses como o Benfica e não tem mais brasileiros que o Braga ou o Maritimo – e está convencido que no final da época o seu Estoril está de regresso aos grandes.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada em O Jogo

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