Joana Pimenta Godinho
O misterioso desaparecimento de enxames inteiros está a preocupar a comunidade científica internacional, que baptizou de Síndrome do Colapso das Abelhas (Colony Collapse Disorder) este fenómeno, ainda sem uma explicação cabal.
A varroa, um parasita que ataca as colmeias, e as antenas de telemóveis, cujas ondas podem desorientar a abelhas nos 40 voos diários que fazem para colectar néctar e pólen, são os principais suspeitos deste estranho síndrome que tira o sono aos cientistas. O caso não é para menos.
“Metade do que comemos depende da polinização das abelhas, que são também fundamentais para a preservação da biodiversidade. Se entrassem em vias de extinção seria uma catástrofe para a humanidade”, afirma Joana Godinho, 53 anos, engenheira agrónoma, professora na Escola Superior Agrária de Santarém e estudiosa das abelhas.
Senhora de um sotaque que denuncia ter nascido e crescido na Granja, na raia alentejana, onde cria bezerros, Joana escolheu almoçarmos no restaurante da pateira (actualmente deserta de patos) da Tapada da Ajuda, que acolhe a Escola Superior de Agronomia (onde ela se formou há 30 anos exactos) e o Posto Apícola Nacional.
Do bufete trouxe uma sopa, filetes de pescada (com migas e salada), e mousse de manga. Comeu tudo frio e à pressa, pois o entusiasmo com que falava dos hábitos e proezas das abelhas fazia esquecer-se de que tinha comida no prato, numa refeição que contou com participações esporádicas de um professor de Zootecnia, que almoçava na mesa ao lado e nos contou um truque.
No seu pomar algarvio onde tem uma colmeia, quando quer que as abelhas polinizem os dez hectares de ameixas, o professor Ortega pulveriza as laranjeiras com óleo de peixe. “É a polinização dirigida. A flor da laranjeira atrai não só pelo aroma mas também porque é mais doce. Há quem pulverize com açúcar para chamar as abelhas”, esclarece Joana que começou a carreira a matar ratos.
Mal conclui a licenciatura, foi contratada pelo Governo dos Açores para dizimar os ratos que são o maior perigo para a saúde pública na região. “O problema é que os roedores dos campos também vão comer as rações de farinha de milho que são postas no campo para alimentar as vacas que fazem a vida toda cá fora”, explica a agrónoma , que durante dois percorreu todas as ilhas do arquipélago (Corvo incluído), a organizar a matança dos ratos.
A pouca atenção que em Portugal é dada às abelhas deixa muito triste Joana, que lamenta já não haver uma cadeira de Apicultura no curso de Agronomia e restarem apenas 650 apicultores profissionais, apesar das nossas potencialidades naturais numa área em que somos o 5º maior produtor europeu - Espanha e Grécia são os dois primeiros. Sul, sol e flores são vantagens comparativas quando se trata de produzir mel.
“A apicultura deveria ser acarinhada. Produzimos mel de boa qualidade de muitas variedades, porque temos muita floresta e um quarto do território está protegida”, diz, acrescentando que os alemães (que tem um consumo anual de quatro kgs per capita, quatro vezes superior ao português) adoram o nosso mel de eucalipto, que importam em enormes quantidades.
A super-organização das abelhas é estudada e adaptada por diversas disciplinas, desde a Arquitectura à Matemática, passando pela Sociologia. Recentemente, um estudo de investigadores da escola de Biociências da Royal Holloway, em Londres, concluiu que as abelhas conseguem estabelecer o percurso mais curto entre as flores onde pousam, resolvendo de forma eficaz o problema do caixeiro viajante (o processo matemático de determinar o circuito mais curto que é possível efectuar entre determinadas cidades de modo a que cada cidade seja visitada apenas uma vez) um dilema que os computadores podem demorar dias a resolver
"As abelhas são um modelo de eficiência energética. Para economizarem tempo e energia escolhem sempre a trajectória mais curta. E a optimização do espaço nos seus favos hexagonais é admirada pelos arquitectos”, concluiu Joana, que, apesar de ter começado a carreira a matar ratos e de estar fazer um doutoramento nas doenças da couves, é uma apaixonada pelas abelhas.
Jorge Fiel
Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias
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A Pateira da Tapada
Tapada da Ajuda, Lisboa
2 Ementas do dia
Sopa
Filetes de pescada com migas e salada
½ de tinto alentejano Condado das Vinhas
Mousse de manga
2 cafés
Total: 25,00 euros
Curiosidades
A Granja, a aldeia alentejana de 746 habitantes onde Joana nasceu e mantém casa e terras, fica mais perto de Villanueva del Fresno (a localidade onde a PIDE matou Humberto Delgado), do que de Moura, a sede do concelho
Um enxame de 70 mil abelhas, incluindo uma rainha e uma a duas centenas de zangões (que só servem para fecundar a abelha rainha, após o que são mortos), custa cerca de 70 euros e pode produzir anualmente cerca de 30 quilos de mel
O mel era o único adoçante usado entre nós, antes dos Descobrimentos portugueses darem a conhecer à Europa a cana de açúcar e a beterraba, pelo que é um ingrediente básico de toda a doçaria conventual. O mel de rosmaninho é o mel mais apreciado por Joana e uma das muitas variedades e produzidas no nosso país - laranjeira, castanheiro, medronheiro, eucalipto, etc