Daniel Sá
Daniel Sá, 35 anos, é o director do IPAM do Porto e de Aveiro, onde é responsável por mais de 70 professores e 1 100 estudantes. Não foi na escola que aprendeu a liderar e a ter espírito de equipa, mas sim no voleibol, onde envergou durante uma dúzia de anos a camisola do Leixões, com a braçadeira de capitão, e se sagrou por três vezes vice-campeão nacional. “Não era o homem que sou hoje se não tivesse tido esta vivência desportiva”, confessa o professor, que ocupava em campo a posição 4, na entrada da rede, um lugar que exige muita leitura de jogo, poder de ataque e uma enorme agilidade. “Era o jogador que mais bolas batia - um autêntico bombardeiro para todo o serviço”
Apesar de ser um jogo de juniores, o pavilhão da Luz estava quase cheio de benfiquistas que vinham de assistir no Estádio a uma vitória da equipa de futebol. Estamos em meados dos anos 90 e joga-se a meia-final do campeonato nacional de voleibol. A equipa da casa ganha por 2-0 e no terceiro set vence por 13-4. Está dois pontos da final!
Nuno Soares, o treinador do Leixões, pede um desconto de tempo. Explica aos jogadores que nada está perdido e apela ao seu orgulho. “Foi um momento vibrante. Nós estávamos firmemente convencidos que éramos melhores que o Benfica. E todos compreendemos que não fazia sentido perder com uma equipa inferior”, recorda Daniel Sá, o capitão da equipa.
Voltaram para o campo e ainda foram a tempo de inverter o resultado. O treinador tinha razão. Nas duas horas seguintes, conquistaram o acesso à final (que viriam a perder com a Académica de São Mamede) ganhando três sets e uma enorme lição de vida.
Daniel, 35 anos e 1m91, não tem dúvidas. Não foi na escola que aprendeu a superar as dificuldades que são o pão nosso de cada dia na vida empresarial. Foi na dúzia de anos em que jogou voleibol no pavilhão (com a camisola do Leixões) ou na praia.
“Não era o homem que sou se não tivesse tido esta vivência desportiva. Foi o voleibol e não a escola que me deu o espírito de equipa e de liderança e me ensinou ética”, afirma o director de duas (Porto e Aveiro) das quatro escolas do Instituto Português de Administração Marketing (IPAM), onde é responsável por mais de 1 100 alunos e 70 professores.
Curiosamente, naquele que foi o momento mais mágico da sua carreira (a reviravolta do jogo da meia final no Pavilhão da Luz) Daniel defrontava o clube do seu coração. Apesar de ter nascido e crescido em Matosinhos, ele é benfiquista, tal como o pai, que veio de Viseu para trabalhar como técnico na área de segurança da refinaria da Petrogal em Leça da Palmeira – sendo que a outra metade da família (a mãe, professora primária, e o irmão Carlos, cinco anos mais velho) torcem pelo Sporting. Os Sás não são uma família típica do Porto.
Foi quando acabou a primária, na escola nº2 de Matosinhos, que o voleibol entrou na sua vida. Ele era um miúdo alto para a idade que apesar de ser doido por desporto não o podia praticar como atleta pois o médico diagnosticara-lhe um sopro no coração. Tinha dez anos quando o sopro deixou de ser sinais de vida. Autorizado a fazer desporto, não descansou enquanto não foi com o pai bater à porta do Pavilhão Siza Vieira a perguntar o que era preciso para começar a jogar voleibol no Leixões. Estávamos em 1985, nas vésperas de Portugal entrar na CEE e da década cavaquista de prosperidade oleada pela chuva de dinheiro de Bruxelas.
Debutou nos minis, enquanto fazia o ciclo na António Nobre. Só treinava duas vezes por semana e competia muito pouco – apenas uns torneios amigáveis por altura da Páscoa ou Carnaval..Não foi um caso de amor à primeira vista. “A princípio não gostei muito. As bolas eram duras e andava sempre com os braços e punhos doridos por causa da manchete, a posição baixa de defesa em que se usa a parte interior dos braços”, diz.
Chegado aos iniciados, começou a entusiasmar-se, o que é natural. Passou a competir regularmente – quase todos os fins de semana havia jogo. E como o Leixões tinha uma boa equipa, conseguiam, com uma perna às costas, o apuramento para as fases sinais, o que era sinónimo de grandes pândegas nas viagens para Lisboa, Funchal ou Ponta Delgada.
Jogava voleibol e estudava na ES Augusto Gomes quando, no 10º ano, chegou a hora de começar a fazer escolhas. “Tinha uma grande curiosidade pelo mundo das empresas. O meu pai levava para casa tudo quanto havia de jornais e revistas e eu gostava muito de ler na Exame os negócios e estratégias. Por isso, optei pela área de Economia”, conta.
Influenciado por um amigo, quando acabou o 12º ano ainda se inscreveu no curso de Relações Internacionais da Universidade do Minho. Mas não chegou a ir para Braga. Decidiu quedar-se por Matosinhos e estudar Marketing no IPAM.
O primeiro dinheiro ganhou-o durante o estágio curricular do curso, cumprido na Electro-Rayd, uma empresa de iluminação com duas vertentes na sua actividade (grossista de material eléctrico e retalhista de sistemas luxuosos de iluminação), onde confirmou que tinha jeito para o marketing. Achou que não fazia sentido ter a mesma marca para as duas actividades e sugeriu aos patrões que mudassem o nome da loja na baixa do Porto (rua da Trindade) para Traço de Luz.
Ia com as pernas a tremer pelo atrevimento - por isso ficou como um sino quando viu que os patrões agarravam a sua ideia com ambas as mãos. Após o estágio, ficou lá a trabalhar durante um ano, passando a estudar à noite e a despertar e inveja dos colegas por ganhar 100 contos/mês na Electro-Rayd, que o habilitaram a comprar em segunda mão o seu primeiro carro, um Clio cinzento que ele volta e meia ainda vê a circular nas ruas de Matosinhos. “Toda a gente dizia que eu era um tipo com sorte”, conta.
A trabalhar durante o dia e a estudar à noite, começou a escassear o tempo para o voleibol de pavilhão, onde se demorou doze anos e foi três vezes vice-campeão nacional, duas como júnior e uma como juvenil, perdendo duas finais com a Académica de São Mamede e uma com o Castelo da Maia, sempre na posição 4, na entrada da rede, um lugar que exige muita leitura de jogo, poder de ataque e uma enorme agilidade “É o jogador que mais bolas bate. Eu era um autêntico bombardeiro para todo o serviço”..
Não aqueceu o lugar na equipa sénior, não só pela falta de tempo mas também porque já tinha percebido que não ia ser um João Brenha, um Miguel Maia ou um Carlos Filipe, o seu ídolo nacional, já que o internacional será sempre o norte-americano Karch Kiraly - “Foi o jogador mais inteligente que vi no voleibol” - e que jogou até aos 45 anos na praia.
Pois foi a partir da praia que nasceu a sua primeira incursão empresarial. Daniel estava na primeira linha quando o volei de praia começou a entrar na moda. Durante o Verão andava numa roda viva, sempre fora – só parava em casa para trocar de roupa. Começou a reparar que os torneios eram mal organizados e não se ficou pela observação. Resolveu agir, em conjunto Pedro Vieira, seu parceiro de dupla e voleibolista do Leixões.
Criaram uma empresa, baptizada Oxigénio, que além de organizar torneios de volei de praia, que vendiam às Câmaras Municipais, e de arranjar patrocínios, também promovia outras iniciativas na área desportiva, como convenções de fitness. “Ganhamos uns dinheiros”, confessa Daniel, que mais tarde venderia o negócio.
Despediu-se da Electro-Rayd quando Gonçalo Caetano Alves, um dos fundadores do IPAM, o desafiou a ser o director de marketing do Aveiro Basket, a primeira SAD do nosso basquetebol, com uma equipa profissional onde se fundiam os escalões seniores do Esgueira, Beira Mar e Galitos.
Nem olhou para trás. O projecto era ambicioso e ele foi a correr atrás do sonho de um casamento perfeito entre as duas das coisas que mais amava – o desporto e o marketing. “Era uma coisa muito vanguardista para a época. Para começar, meti-me num carro e fui sozinho para a Catalunha onde visitei três clubes (Barcelona, Manresa e Badalona) e me abasteci de ideias para atrair patrocínios e espectadores. A liga espanhola estava muito à frente e obrigava a assistências médias mínimas, na casa das cinco mil pessoas”, relata.
A estreia do Aveiro Basket e dele foram boas. A equipa fez um bom percurso na Europa. Cá dentro apenas tombou frente à Ovarense nas meias finais dos play off. Ele inovou, atraindo patrocínios com as novidades trazidas de Espanha – venda de bilhetes de época e introduzindo animação antes e durante os jogos. No final da época saiu apenas porque lhe surgiu um desafio ainda maior (mais transmissões televisivas, mais espectadores): ir dirigir o marketing da equipa de futebol do Beira Mar, treinada por António Sousa, que acabara de subir à primeira divisão.
Após a viragem do século, resolveu mudou de vida. Depois de passagens pelo retalho de material desportivo (a cadeia Intersport, concorrente da Sportzone) e os patrocínios e eventos da Optimus), passou a dedicar-se a 100% à vida académica.
Uma visita aos Orlando Magic (equipa da NBA que tem como director geral Alex Martins, um descendente de transmontanos) e a leitura de Sports Marketing, de William Sutton, inspiraram-no a escrever um livro sobre marketing desportivo e a iniciar uma especialização nesta área, criando, no âmbito do IPAM, um grupo de investigação (GEMD-Grupo de Estudos de Marketing Desportivo”).
O livro, Marketing para Desporto/Um jogo empresarial, escrito em 1999 a meias com o irmão Carlos, foi muito bem recebido. A primeira edição (já vai na terceira), de mil exemplares, esgotou-se enquanto o Diabo esfregava um olho, e começaram a chover telefonemas de todo o lado, de clubes e associações, interessados em aprender a captar patrocinadores e venderem mais bilhetes para os espectáculos que organizavam.
“Dizíamos que era o melhor livro português sobre marketing desportivo, o que só podia ser verdade, porque era o único”, graceja Daniel, que no entretanto, também em regime de co-autoria com o irmão, escreveu um novo livro sobre o assunto (Sports marketing/As novas regras do jogo) e a partir do ano 2003 se dedicou a tempo inteiro ao ensino e investigação.
No mestrado, concluído em 2004, descobriu que os adeptos do Sporting encaravam como positivo, e uma nova importante fonte de financiamento do clube, o aumento dos patrocinadores, mas muitos deles estavam erradamente convencidos que sabiam qual era o patrocinador principal da equipa de futebol – metade responderam que era o BES, que ocupava a parte de trás das camisolas, e não a PT, que estava na frente. Moral da história: não basta patrocinar, é preciso activar o patrocínio.
No doutoramento, que está a fazer na Universidade Juan Carlos, em Madrid, Daniel investiga as razões que levam os adeptos do Benfica a a acorrerem ao Estádio da Luz. Uma tarefa ao alcance de um benfiquista, que há 15 anos, com a camisola do Leixões, liderou uma fantástica reviravolta da sua equipa nas meias-finais do campeonato nacional júnior de voleibol.
Jorge Fiel
Esta matéria foi hoje publicada em O Jogo