Tirem-me deste filme!
Esta minha vida de biscateiro consome-me tanto tempo que me tem privado do prazer de aproveitar a hora do almoço para ver um filme nas melhores salas do cinema do país – as 20 da UCI (ex-AMC) no Arrábida Shopping,
Tenho por isso de me contentar a ver em versão compactada, ao sábado à tarde, as minhas séries preferidas - Good Wife, Lie to Me, Closer e Crash –, bem como alguns documentários dos canais História ou Travel, que deixo a gravar durante a semana. A gramática e tempo de duração das séries são bem mais adequadas ao ecrã de televisão do que um filme.
Mas nestes últimos dias,. eu e a generalidade dos meus infelizes compatriotas tivemos de nos sujeitar a assistir um filme péssimo, completamente destituído de suspense, co-realizado por Sócrates e Passos Coelho. Não era preciso o professor Marcelo (que acrescentou à sua condição de comentador político a de oráculo, quem sabe se herdada do falecido polvo Paul …) nos ter sossegado a dizer que o Orçamento ia passar – já todos tínhamos adivinhado isso.
Este grotesco sucedâneo daqueles filmes de série B, recheados de aventura e acção, que durante a minha adolescência me divertia a ver no Carlos Alberto, foi protagonizado por dois actores, Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga, que representaram muito mal os seus papéis num dramalhão pior que as outrora célebres novelas radiofónicas patrocinadas pelo detergente Tide – e que só pode acabar mal.
Trata-se de uma fita que nos ficou caríssima (apesar de inverosímil, a cena da ruptura custou-nos 133 milhões de euros de juros suplementares na colocação de dívida publica) e, como seria de esperar num filme realizado por dois tipos saídos das fábricas partidárias e com dois artistas de cabelos brancos nos principais papéis, estava enxameado de ideias com rugas e não teve sequer a arte de rentabilizar aquela espécie de product placement involuntário da foto de assinatura do acordo tirada por telemóvel – ao menos deviam ter tido o discernimento de por a Blackberry a pagar a conta!
O filme “Salvem o Orçamento 2011” marcou o arranque de campanha eleitoral para as legislativas, que António Nogueira Leite, numa hábil manobra de antecipação ao seu correligionário Marcelo, nos informou que serão na Primavera. “Não vale a pena salvar o Governo a partir de Março”, declarou o conselheiro económico de Passos.
Enquanto não surge a sequela, fica-nos na boca o amargo de estarmos a ser tratados como súbditos, e não como cidadãos que somos, por dois partidos que em tudo são iguais e nos meteram num filme de terror tão pesado que ao pé dele o Funeral, de Abel Ferrara, é recomendável como programa para uma matinée infantil. Não andará por aí alguém capaz de nos tirar deste filme?
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias