Carlos Duarte
Não é preciso irmos ao supermercado do Corte Inglês para apreciarmos uma banca de peixe preparada ao milímetro, de modo a arregalar o olho da freguesia, com os peixes arrumados por cores, tamanhos e fazendo figuras geométricas. Basta uma visita a um hipermercado Continente para constatar que o design e o marketing já desembarcaram, de mão dada, na secção de peixaria, com o objectivo confesso de captar a atenção dos clientes e aumentar as vendas.
“O design começou por ter o seu foco na funcionalidade. Os objectos desenhados pela escola da Bauhaus tinham linhas direitas e despojadas, eram fáceis de usar, desprovidos de preocupações decorativas, fornecendo soluções simples para as necessidades do dia a dia”, recorda Carlos Duarte, 48 anos, presidente do Conselho de Direcção da Escola Superior de Design do IADE (Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing), que desde 1998 está instalado em Santos, no edifício Totobola, riscado por Tomás Taveira.
“O paradigma mudou. Agora, recorre-se ao design para produzir objectos capazes de seduzir as pessoas e de lhes induzir a vontade de os comprar. Hoje compramos muitas coisas por impulso, porque elas nos seduzem e sentimos prazer em adquiri-las. Esta evolução é muito visível na indústria automóvel. Muito por influência dos construtores italianos, no desenho dos carros as linhas direitas e os ângulos rectos foram substituídos por linhas orgânicas, sinuosas, quase femininas”, explica Carlos, que sabe do que fala porque a sua tese de doutoramento (dirigida por Carvalho Rodrigues, o pai do satélite português, e Tessaleno Devezas), defendida em 2001 na Universidade da Beira Interior, foi dedicada a tentar perceber esta evolução no design – que está a deixar de ser visto como uma coisa elitista, uma figura de estilo.
O presidente do IADE nasceu na Beira, Moçambique, em 1962, onde viveu até que, aos 12 anos, veio para Portugal e se fixou na Ericeira com a família, que achara avisado pôr-se a recato da influência comunista na Frelimo. Não deixa de ser irónico que, cerca de 20 anos depois, ele se tenha perdido de amores e casado com Elena, uma engenheira aeroespacial soviética, que conheceu quando montava uma exposição no CCB sobre satélites - de quem teve um filho (André, 15 anos).
Carlos escolheu almoçarmos num italiano, o Ciao Bambina, que fica do outro lado da rua do IADE, no Largo Vitorino Damásio. Ficamos pelo menu almoço, que a 14,90 euros por cabeça, compreende entrada, prato, sobremesa e uma bebida. Generosamente, fizeram-nos o upgrade para uma garrafa de Chianti (não era daquelas tradicionais, as fiaschi, revestidas a palha) do copo a que cada um de nós tinha direito.
A importância do talento foi o prato de resistência desta conversa à mesa. “Só o talento nos pode fazer sair do buraco em que nos meteram, invertendo o actual ciclo recessivo num novo e próspero período de expansão”, afirma, referindo-se a um dos três t em que assenta a competitividade – talento, tolerância e tecnologia.
Carlos chama a atenção para o facto de ser nas fases mais escuras da economia que as industrias criativas vivem os seus momentos mais luminosos, ajudando as nações a vencer a crise, uma opinião que é partilhada por Graydon Carter, director da Vanity Fair, que no editorial da edição de Fevereiro desta revista lembrou que foi entre 1929 e 1939, na Grande Depressão, que o talento criativo floresceu nos Estados Unidos como em nenhuma outra época do século passado.
“O IADE quer e pode ajudar Portugal a avançar”, diz Carlos Duarte, no quadro do esforço evangelizador que está a desenvolver para que o tecido empresarial português reconheça a importância do design. Sobre o papel da escola nestes tempos em que os céus estão carregados de nuvens, ele tem ideias bem claras e assentes: “A escola tem de saber induzir nos alunos a possibilidade de terem talento, de serem criativos, inovadores e capazes de surpreenderem as pessoas com aquilo produzem, por pensarem e percepcionarem de forma diferente aquilo que toda a gente vê”. Dito assim, até parece simples, não é?
Jorge Fiel
Esta matéria foi hoje publicada pelo Diário de Notícias
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Ciao Bambina
Largo Vitorino Damásio 3, Lisboa
2 brushettas de tomate cereja com manjericão
2 spaghetti aglio, oglio e peperoncini picante
2 tiramisu
1 garrafa Chianti 0,75l
2 cafés
Total: 29,80 euros
Curiosidades
O IADE foi fundado em 1969 por António Quadros (filho de António Ferro, o célebre líder do Secretariado Nacional de Propaganda , do Estado Novo). A sua primeira casa foi na rua do Alecrim, o Palácio Quintela, que fora usado por quartel general por Junot. Actualmente lecciona três cursos (Design, Marketing, Fotografia) e sete mestrados, a 1800 alunos, dos quais cerca de 70% dos sexo feminino concelho
A bilha de gás da Galp ficou na nossa memória devido à bela modelo polaca, de pernas longílineas, que protagonizou a campanha publicitária. Mas é também uma peça de design português admirada e replicada internacionalmente
Carlos considera uma erro tremendo, a nossa liderança ter decidido, algures nos anos 90, fazer de Portugal um país de serviços. Dá como exemplo desse erro o facto do investidor que está a desenterrar a marca Sanjo (um dos ícones do nosso design), ser obrigado a recorrer à China para fabricar estas sapatilhas, porque já não há ninguém no nosso país que vulcanize borracha