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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Telmo Mourinho Baptista

Nós somos contadores de histórias. Apesar de não ter sido psicólogo, mas sim enfermeiro, Samora Machel tinha essa noção e por isso disse que “quem não sabe contar uma história é uma pessoa pobre”. “Nós somos contadores de histórias, desde que nascemos até que morremos. O elogio fúnebre é a última história. Contamos desde histórias pequenas, para explicar um atraso, até a grande história da nossa vida” confirma Telmo Mourinho Baptista, 51 anos, professor universitário de Psicologia que há 28 anos tem consultório aberto.

As quase três horas que durou o nosso almoço foram uma sucessão de histórias, subordinadas ao tema geral Afirmar o Psicólogo, a palavra de ordem do programa na base do qual Telmo foi eleito em Abril o primeiro bastonário da Ordem do dos Psicólogos, nascida após sete anos de persistentes esforços e que reúne mais de 17 mil psicólogos.

A escolha do Sessenta, na Tomás Ribeiro, tem uma história. A comissão pró-ordem funcionava ali ao lado, na Latino Coelho, a rua onde morava a mulher, que ele conheceu no Liceu Camões, que também foi frequentado pelos seus três filhos (um casal de gémeos, de 21 anos, e a mais nova de 15).  Na oferta do menu almoço, apenas convergimos nas bebidas:  dois copos de Seara d’Ordens (Douro) branco e dois cafés. Eu fui pelas pataniscas de bacalhau com arroz de feijão. Ele abriu com sopa e fechou com crepe de chocolate com gelado de nata uma refeição que teve como prato principal filetes de peixe gato gratinados com batata cozida e salada.

Nascido numa família de comerciantes de sementes de flores, que depois do almoço debatia as novidades que o DN trazia, com amigos e vizinhos, num café da praça do Chile, enquanto esperavam pela chegada do Popular, Telmo aproveitou o doutoramento para provar que o procedimento terapêutico para problemas relacionais, ansiedades e depressões deve ser entendido como um processo de narrativa. Observou mais de 30 casos, ao longo de séries de oito sessões, e concluindo que se pode avaliar se o bloqueio está a ser ultrapassado através da evolução da maneira como o paciente conta a história do seu problema.

Telmo trabalhou com timorenses, presos na sequência do massacre do cemitério de Santa Cruz, vítimas de tortura de uma violência indizível. A grande dificuldade que sentiu foi ajudá-los a contar a história do que lhes tinha acontecido. “Ajudamos as pessoas a perceberem e verbalizarem as suas emoções, a avançarem com a sua história, dizendo-a, elaborando-a e dando sentido ao sofrimento”, diz o bastonário, citando de cor Karen Blixen que escreveu: ”Todos os sofrimentos podem ser suportados se conseguirmos convertê-los numa história ou se contarmos uma história sobre eles”.

Para o fim do almoço ficaram as histórias dos grandes absurdos, o primeiro dos quais é o facto do Ministério de Educação não reconhecer aos psicólogos habilitação própria para darem aulas de Psicologia! O fraco uso que o país dá aos seus psicólogos é o outro grande absurdo que revolta o bastonário que conta uma história exemplar do investimento em prevenção: “Numa secundária de Lisboa, um colega fez um trabalho de despistagem de dislexia, identificou duas dúzias de alunos que sofriam desse problema, que pode ser muito melhorado com treino, trabalhou com eles e todos acabaram por passar de ano”.

“Portugal é um país muito rico porque temos os recursos e não os usamos. Agora fala-se muito em liderança e empreendedorismo. Isso também se ensina. Vamos ver o preço que custa não termos psicólogos em todas as escolas, centros de saúde, hospitais e empresas. Temos de aprender a lidar com o stress, de ensinar as pessoas a viverem com o factor incerteza que veio para ficar. Se eu detectar a tempo uma ansiedade grave, poupo sofrimento. Somos muito bons em e.gov, mas depois temos taxas gigantes de abstencionismo e abandono, a todos os níveis do ensino, desde o obrigatório até ao universitário”, conclui o bastonário, avisando que fazer remediação fica sempre muito mais caro do que investir em prevenção.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

Menu

Sessenta

Rua Tomás Ribeiro, 60 Lisboa

2 menu almoço (prato+café) 17,00 euros

1 sopa 1,50

2 copos Seara d'Ordens 7,50  

1 crepe de chocolate 1,50

Total 27,50 euros

 

 

Curiosidades

 

Há mais de 17 mil psicólogos inscritos na Ordem, a esmagadora maioria dos cerca de 20 mil que se calcula existam (a diferença explica-se pelos reformados e os que não exercem a profissão), um número que pode duplicar em dez anos, já que os 38 cursos de Psicologia existentes no país bombam todos os anos para o mercado aproximadamente dois mil novos licenciados. O bastonário, não imita o seu colega dos advogados, que apela aos estudantes para fugirem dos cursos de Direito, mas lá vai dizendo: “A formação superior é um benefício, mas temos de fazer as contas. A Itália, com 70 milhões de habitantes, tem 75 mil psicólogos. Os EUA têm 125 mil…”

 

Telmo é um estudioso da II Guerra Mundial e cita o caso de Viktor Frankl, um judeu que sobreviveu aos campos de concentração nazis, onde morreram o pai, a mãe, o irmão e a mulher que estava grávida. “Sobreviveram aquela barbárie os que conseguiram dar sentido à experiência. É preciso encontrar o sentido da vida para dar a resposta adequada a cada situação”, afirma

 

Telmo é não só fluente em inglês (deu aulas na UCLA) mas também em italiano e é apaixonado por tudo quando diz respeito a Itália. Passou as últimas férias com a família entre o Lago Como e Veneza, recorda o conjunto Marino Marini que povoou a sua infância, e é um fã dos filmes de Visconti e dos livros de Primo Levi e Italo Calvino

 

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