Cum carago!
“Não dá para trocar? Então pró caralho!”. Quando pronunciou estas palavras, às 15h30 de 4 de Agosto 2009, o cabo Rodrigues (nome fictício) da GNR estava longe de imaginar a tinta que iria fazer correr. Apresentara-se no gabinete do 2º sargento Bruno (nome fictício), solicitando-lhe uma troca de serviço, pretensão recusada, o que levou a deitar pela boca fora a frase fatídica.
A PJ militar conduziu o inquérito. O DIAP deduziu a acusação. Rodrigues requereu a abertura de instrução e o juiz deu-lhe razão, arquivando o processo e lamentando as dezenas de horas perdidas com o caso. O MP recorreu para a Relação de Lisboa, que, 14 meses volvidos, apesar de classificar a frase como “ética e socialmente reprovável”, pôs uma pedra em cima do assunto. O juiz relator designa a expressão como “linguagem de caserna” e sinal de “mera virilidade verbal”, concluindo não ter havido intenção de ofender mas “apenas de dar conta da irritação que a recusa lhe tinha causado”.
Provavelmente com louvável intuito de evitar que o pessoal comece a imitar o deputado José Eduardo Martins, que desagradado com um colega lhe disse “vai pró caralho”, em pleno parlamento, a Relação teve o cuidado de traçar uma linha de fronteira neste acórdão histórico: “Dizer a alguém ‘vai para o caralho’ é bem diferente de afirmar perante alguém e num quadro de contrariedade ‘ai o caralho’ ou simplesmente ‘caralho’, como parece ter sucedido na situação em apreço” – sendo que, no primeiro caso, a frase pode ser considerada ofensiva, enquanto no segundo exprime tão só espanto, indignação, impaciência ou irritação.
Posto isto, devo confessar que usei linguagem de caserna ao ler que a assessora da ministra Ana Jorge ganha mais que ela. E que me vieram à cabeça uma série de expressões ética e socialmente reprováveis quando soube que as vendas de carros de luxo sobem em flecha (70% os Porsche, 36% Jaguar, 25% BMW e 23% Mercedes) no ano da explosão da crise, num país em que mais de 40% das pessoas são pobres ou estão no limiar da pobreza.
Quando vi que o Governo teve a desfaçatez de criar uma EP para controlar as grandes obras e as parcerias público-privadas e está num ritmo recorde de 45 novas nomeações por semana, deu-me logo vontade de abusar da minha proverbial virilidade verbal e começar a mandar, a torto e a direito, gente para o carvalho (sem o v), certo de que não estou a ignorar o conselho sábio de Agustina (“o país não precisa de quem diga o que está errado; precisa de quem saiba o que está certo”), pois sei que, depois da Grécia se regionalizar no próximo Ano Novo, só sobramos nós na UE a teimar manter um centralismo autista, obsoleto e ineficaz - apesar de estarmos a balouçar à beira do abismo.
Jorge Fiel
Esta crónica foi publicada hoje no Diário de Notícias